E a garantia da ordem econômica?

26/10/2016

Por Paulo Silas Taporosky Filho e Paulo Eduardo Polomanei de Oliveira - 26/10/2016 [1]

Dentre os requisitos existentes aptos a justificar a medida excepcional que é a prisão preventiva, têm-se aqueles que quando de fato observados e existentes seriam idôneos, enquanto existem outros que padecem de uma concretude semântica suficiente para que sua utilização seja legítima. Os requisitos da “conveniência da instrução criminal” e da “asseguração da aplicação da lei penal”, por exemplo, se situam dentre os quais é possível se estabelecer uma correlação específica e congruente entre a seara fática existente em determinado contexto devidamente vinculada à necessidade processual de aplicação da gravosa medida que é a prisão preventiva. É dizer que tais requisitos encontram amparo fidedigno quando aplicados de forma escorreita.

O artigo 312 do Código de Processo Penal trata justamente desses critérios a serem observados (requisitos que devem estar presentes) quando da necessidade de decretação da prisão preventiva:

A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.” (grifamos).

Tem-se assim que para além das críticas cabíveis ao requisito da ordem pública[2], o mesmo poderia se dizer do requisito “garantia da ordem econômica”, pois, afinal de contas, o que seria a ordem econômica? Em que nível a ordem econômica estaria em risco a fim de se fazer necessária a prisão de um indivíduo para protegê-la? Sobre a questão aqui pontuada, Aury Lopes Jr. assim evidencia:

Garantia da Ordem Econômica: tal fundamento foi inserido no art. 312 do CPP por força da Lei 8884/94, Lei Antitruste, para o fim de tutelar o risco decorrente daquelas condutas que, levadas a cabo pelo agente, afetam a tranquilidade e harmonia da ordem econômica, seja pelo risco de reiteração de praticas que ferem perdas financeiras vultosas, seja por colocar em perigo a credibilidade e o funcionamento do sistema financeiro ou mesmo o mercado de ações e valores. Tal situação [...] teve e tem pouquíssima utilização forense. “A magnitude da lesão”, prevista no art. 30 da Lei 7.492, quando invocada, em geral o é para justificar o abalo social da garantia da ordem pública [...] e não para tutelar a ordem econômica.[3]

De fato, a questão “ordem econômica” aparece tutelada na Constituição Federal, no Título VII, que trata justamente da Ordem Econômica e Financeira. Tem-se assim:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Ainda em observância ao disposto acima, quando se adentra ao campo do direito processual penal é de suma importância a verificação de todas as hipóteses previstas no artigo 312 do CPP. De fato é delicado o assunto acerca da “ordem econômica”, justamente pela descrição e fundamentação constitucional envolvendo o objeto, sendo, entretanto, na seara do Direito Processual Penal apenas mais um item alocado que corrobora com uma visão punitivista exacerbada.

Algumas leis esparsas (como a atual Lei Antitruste 12. 529/2011- art. 36 e ss. e a Lei 8.137/90) tutelam justamente a questão da “ordem econômica”, dando o amparo legislativo necessário para a regulamentação constitucional. Contudo, nada se justifica o encaixe legislativo no rol do artigo 312 do CPP, mesmo porque em face da fundamentação “ordem econômica” todas as outras hipóteses contidas no referido artigo parecem melhor adequadas.

O que se discute aqui, não é a questão da legalidade de condenações sobre estes crimes, nem tão pouco realizar um discurso crítico acerca dos crimes econômicos. O intuito é a breve dissertação quanto à aplicação desta fundamentação no tocante à prisão preventiva.

Para realizarmos um paralelo além do já disposto sobre a ordem econômica, há a necessidade de indagarmos o que vem a ser a tal “ordem econômica”, ou ao menos, de toda a sorte, tentarmos estabelecer uma conexão doutrinária acerca do tema.

Luiz Régis Prado nos traz um conceito acerca do tema:

O conceito de ordem econômica, de natureza ambígua, como objeto da tutela jurídica, costuma ser expresso de forma estrita e ampla. Na primeira, entende-se por ordem econômica a regulação jurídica da intervenção do Estado na economia; na segunda, mais abarcante, a ordem econômica é conceituada como a “regulação jurídica da produção, distribuição e consumo de bens e serviços”. [...]

Esse conceito de ordem econômica acaba por agasalhar as ordens tributária, financeira, monetária e a relação de consumo, entre outros setores, e constitui um bem jurídico-penal supraindividual, genericamente considerado (bem jurídico categorial), o que por si só, não exclui a proteção dos interesses individuais.[...][4]

Como anteriormente dito, não nos presta no presente escrito dissertar acerca da legalidade ou assertiva legislativa de sancionar crimes que tenham por base a ordem econômica, mesmo porque, sem dúvidas, os crimes tidos como “delitos econômicos” de uma maneira geral são sim nocivos à sociedade. Deve-se punir a quem de fato a lei imputa uma sanção, mas “como punir” (?) e “quando punir” (?) são perguntas que devem ser sempre estudadas e criticadas para que possamos garantir a todos a correta aplicação do Direito. Assim, nos revela uma terceira linha de raciocínio para debate: por que decretar a prisão preventiva com base em “ordem econômica” e/ou se a prisão preventiva é correta e assertiva para tal finalidade.

Pontuando aqui o ensinamento de Pacelli, verifica-se:

Em primeiro lugar, acreditamos que a referência expressa à garantia da ordem econômica seja absolutamente inadequada, não resistindo a qualquer análise mais aprofundada que se faça sobre ela. Aliás, semelhante modalidade de prisão foi incluída no art. 312 do CPP, pela Lei 8884/, de 11 de junho de 1994, a chamada Lei Antitruste, que cuida de ilícitos administrativos e civis, contrários à ordem econômica, revogada já pela Lei 12.52911.[...]

Se no entanto, o fato de o acusado encontrar-se em liberdade puder significar risco à ordem econômica, pela possibilidade de repetição de condutas e, assim, de ampliação dos danos, a questão poderia facilmente se deslocar para a proteção da ordem pública, Mesmo aqui, o sequestro e a indisponibilidade de bens e valores dos responsáveis ainda nos pareceriam medidas mais eficientes, ao menos sob tal perspectiva (da proteção da ordem econômica).[5]

Verifica-se aqui a crítica no sentido de que, de fato, utilizar o disposto no artigo 312 do Código de Processo Penal pelo fundamento da ordem econômica parece ser deficiente de amparo inteligível, pois, sob a ótica de ameaça à sociedade, a questão da “ordem econômica” poderia muito bem ser suprimida, dando lugar a outro (e questionável) fundamento para tanto (garantia da ordem pública).

Quais seriam as hipóteses de aplicação de uma prisão preventiva sob o fundamento de tal requisito? Um banqueiro, um empresário, ou ainda um investidor, por exemplo, caso constatado em sede de cognição sumária que tal sujeito estivesse praticando crimes contra a ordem econômica, deveria ser mantido preso cautelarmente a fim de cessar sua empreitada criminosa? Perceba que se a resposta for “sim”, a medida estaria amparada naquilo que Aury Lopes Jr. denomina de “exercício de futurologia”, pois se partiria de uma premissa cujo resultado supostamente esperado é inverificável, pois como provar que o preso, caso solto, praticaria novos crimes? Avançando, mesmo se fosse o caso de considerar como válido o argumento utilizado para a prisão hipotética, convenhamos que a conduta delituosa deveria ser exorbitantemente absurda a ponto de abalar de modo concreto a ordem econômica, ou seja, a aplicação de tal requisito se situa mais num campo abstrato (pois dificilmente alcançado no campo fático) do que no nível de aplicação do cotidiano forense. Tanto é assim que dificilmente se vê a aplicação de tal parte do dispositivo como fundamento na prática.

Alexandre Morais da Rosa[6] pontua com relação ao requisito da ordem econômica que este deve “se vincular à conduta imputada/apurada e não em aspectos genéricos, sua gravidade e potencialidade coletiva decorrente da manutenção da liberdade do agente”, ou seja, não podendo se pautar em critérios de ordem genérica, num exercício de mera retórica.

Deste modo, temos que por mais que seja incomum a utilização do requisito “garantia da ordem econômica” como fundamento da prisão preventiva na prática forense, há de se atentar para a (in)congruência do termo, pois está presente no ordenamento jurídico e à disposição do julgador para que seja usado como amparo de uma decisão que determine a prisão preventiva de alguém. Atentemo-nos, portanto, fugindo sempre dos discursos irrefletidos que se baseiam na retórica, os quais que por mais possam ser persuasivos, não se pautam em pilares concretos sob a égide constitucional vigente.


Notas e Referências:

[1] Texto originalmente publicado no site “Sala de Aula Criminal”: http://www.salacriminal.com/home/garantia-da-ordem-economica-o-que-seria

[2] http://emporiododireito.com.br/antecipando-a-decisao-sobre-a-autoria-a-gravidade-do-crime-como-fundamento-da-prisao-preventiva-por-paulo-silas-taporosky-filho/

[3]LOPES Jr, Aury. Direito Processual Penal. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.p. 855.

[4] PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. 5ª. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 39-40.

[5] PACELLI, Eugenio. Curso de Processo Penal. 18. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Atlas, 2014. p. 555.

[6] ROSA, Alexandre Morais da. Guia Compacto do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos. 3ªEd. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 310


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. Paulo Silas Taporosky Filho é advogado, especialista em Ciências Penais, em Direito Processual Penal e em Filosofia e membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura. E-mail: paulosilasfilho@hotmail.com. . .


paulo-eduardo-polomanei-de-oliveira. . Paulo Eduardo Polomanei de Oliveira é advogado, especialista em Ciências Penais e pós-graduando em Direito Empresarial pela PUC/PR. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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