Duplicidade eventual dos recursos especial e extraordinário como consequência da hipótese de fungibilidade dos arts. 1.032 e 1.033 do CPC. – Por Marco Aurélio Serau Junior

16/06/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

O CPC de 2015, apesar de pouco mais de um ano de vigência, ainda nos impõe alguns desafios teóricos. Traz inúmeras situações processuais novas, muitas delas voltadas à celeridade processual e à primazia do julgamento do mérito, diminuindo-se o espaço da jurisprudência defensiva.

Muitos destes desafios teóricos, oriundos das importantes inovações processuais trazidas em 2015, ainda não foram devidamente tratados ou consolidados pela jurisprudência.

Uma situação que nós podemos identificar, ainda não tratada adequadamente pela doutrina e muito menos pela jurisprudência é aquela hipótese de fungibilidade prevista nos artigos 1.032 e 1.033 do CPC:

Art. 1.032. Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de 15 (quinze) dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional.

Parágrafo único. Cumprida a diligência de que trata o caput, o relator remeterá o recurso ao Supremo Tribunal Federal, que, em juízo de admissibilidade, poderá devolvê-lo ao Superior Tribunal de Justiça.

Art. 1.033. Se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial.

Essa possibilidade de fungibilidade é extremamente interessante e importante, evitando uma impiedosa jurisprudência defensiva observada frequentemente no regime processual anterior. Contudo, algumas questões teóricas ainda permanecem em aberto.

Cogita-se, neste artigo, do tratamento adequado a ser aplicado na hipótese de eventual “duplicidade” de recursos, especial ou extraordinário, no STJ ou no STF, caso aquele que foi interposto como especial seja recebido como extraordinário, e vice-versa, e já exista, na Corte para onde foi remetido, STF ou STJ, respectivamente, um recurso originariamente interposto como extraordinário ou especial, já previamente admitido nos termos do art. 1.030 do CPC.

Essa hipótese não é rara ou meramente acadêmica.

No Direito brasileiro há inúmeros segmentos jurídicos cujas regras se espraiam pela legislação ordinária, mas possuem intenso regramento constitucional, muitas vezes produzindo uma certa duplicidade de normas a regulamentar a mesma situação, de escalão constitucional e também infraconstitucional.

Nesse sentido, podemos exemplificar com o Direito Tributário (previsto na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional), o Direito Previdenciário (estabelecido na Constituição Federal, mas também nas Leis 8.212/91 e 8.213/91), o Direito Administrativo (previsto na Constituição Federal e nas diversas leis especiais, como a Lei 8.666/93, sobre licitações, ou na Lei 8.112/90, sobre servidores públicos). Isso sem esquecer de um papel expansivo da jurisprudência do STF, a abarcar inúmeros temas não necessariamente constitucionais, como o Direito do Trabalho, atuação essa significativamente identificada nos últimos anos.

Como se percebe de poucos exemplos mencionados acima, é altamente provável que ocorram, em diversos segmentos do Direito, as hipóteses de “duplicidade” recursal, no recurso especial ou no recurso extraordinário, por admissão originária de um primeiro recurso e a conversão, posterior, de outro, com remessa de duas formas de impugnação da mesma decisão judicial (acórdão de Tribunal) à mesma Corte Superior, STJ ou STF.

Que critérios deverão ser observados a fim de resolver esta questão processual?

Vislumbramos, inicialmente, a adoção de um critério objetivo, pautado no princípio da unirrecorribilidade, que pode ser definido nos termos que se seguem, consoante texto de parceria entre DENIS DONOSO e este autor:

“Também chamado de princípio da unicidade ou singularidade, dispõe que para cada tipo de decisão judicial só cabe um recurso, sendo vedada a interposição simultânea ou cumulativa de dois ou mais recursos, pela mesma parte, contra uma mesma decisão judicial.”

(DONOSO, Denis; SERAU JR., Marco Aurélio. Manual dos Recursos Cíveis – Teoria e Prática, 2ª ed., Salvador: Juspodivm, 2017, p. 42)

Neste caso, qual seria a escolha do único recurso a ser admitido: o primeiro recurso protocolado ou aquele que foi direcionado inicialmente à Corte específica?

Ao lado do critério objetivo podemos cogitar de um critério substantivo ou substancial, propiciando o julgamento “conjunto” de ambos os recursos na mesma Corte Superior, tendo em vista que a matéria pode ter sido tratada com perspectivas diferentes em cada uma das peças recursais.

Na realidade, o que se cogita não é a possibilidade de dupla forma de impugnação a uma única decisão recorrida, mas a “junção” das razões contidas nas duas peças de recurso (o recurso originário e o recurso transformado e redirecionado).

É claro que reconhecemos que essa proposta é bastante polêmica e inovadora. Mas o CPC de 2015 veio, em muitos pontos, para revolucionar paradigmas, buscando a melhor estratégia de acesso à justiça e solução dos conflitos.

Embora polêmica, nossa sugestão encontra amparo em diversos outros institutos processuais que possuem previsão no CPC.

Um primeiro elemento é a possibilidade, durante a tramitação do recurso do STJ para o STF, da complementação das razões recursais, a fim de que seja demonstrada a repercussão geral.

O próprio cabimento simultâneo do recurso especial e do recurso extraordinário, contra o mesmo acórdão, já é uma forma de exceção ao princípio da unirrecorribilidade, admitido expressamente no texto legal[1].

Outro elemento a dar respaldo a essa solução aqui preconizada é a ideia da primazia do julgamento do mérito, tão presente em inúmeras passagens do novo CPC, o qual também ensejaria esse tipo de abordagem inovadora.

Por fim, não se pode perder de vista que no julgamento dos recursos repetitivos, conforme previsão do art. 1.036 e 1.037, “escolhem-se” alguns recursos, os mais completos e abrangentes em termos de argumentação jurídica, de sorte a realizar-se julgamento bastante qualificado do recurso representativo da controvérsia.

Se o CPC 2015 traz uma proposta de inovação processual e amplificação do acesso à justiça e dos métodos de solução de conflitos, que também nesse aspecto canônico sejam reconsideradas suas bases metodológicas.


Notas e Referências:

[1] Nesse sentido: DONOSO, Denis; SERAU JR., Marco Aurélio, Manual dos Recursos Cíveis – Teoria e Prática, 2ª ed., Salvador: Juspodivm, 2017, p. 42-43.


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