Donald Trump e o Mal - estar: a lei conseguirá dominá - lo?

08/02/2017

Por Luciane Buriasco Isquerdo – 08/02/2017

Em O Mal-estar da Civilização, Freud nos fala que o sofrimento nos ameaça de forma mais penosa pelo nosso relacionamento com as outras pessoas, em razão da agressividade humana. Graças a ela, o próximo é, aos demais, "não apenas um ajudante potencial ou um objeto sexual, mas também alguém que os tenta a satisfazer sobre ele a sua agressividade, a explorar sua capacidade de trabalho sem compensação, utilizá-lo sexualmente sem o seu consentimento, apoderar-se de suas posses, humilhá-lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo"[1].

Para o Direito, uma difícil constatação que insistimos em não admitir: "os regulamentos estabelecidos por nós mesmos não representam, ao contrário, proteção e benefício para cada um de nós", o que significa que pode haver uma parcela de natureza inconquistável, "dessa vez, uma parcela de nossa própria constituição psíquica".[2]

É inegável que tenha havido progresso nessa área depois de 1931, quando Freud escreveu o texto mencionado, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, para que não houvesse outra, e mesmo pelo interesse da economia globalizada. Houve uma internacionalização do Direito, com leis semelhantes em vários países, princípios que se tornaram consenso, tratados internacionais, organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas, tribunais internacionais: uma espécie de globalização do Direito.

Mas ainda estamos diante da mesma questão fatídica com a qual Freud encerra o texto, já provavelmente sentindo a ameaça de Hitler, qual seja se, e até que ponto, o desenvolvimento cultural conseguirá dominar a perturbação da vida em comunidade causada pelo instinto humano de agressão e destruição[3].

Hoje temos Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos, sem qualquer receio de externar sua preferência por povos, grupos religiosos e não descartar o uso da tortura. Ao assinar seus primeiros decretos, entre outros, como o da construção do muro com o México, proibiu a entrada de pessoas oriundas de sete países muçulmanos, mesmo que detentores de visto, fazendo com que duas pessoas ficassem detidas nos aeroportos do país, impedidas de entrar. E discute-se quantas outras deixaram ou deixarão de viajar. Toda uma mobilização jurídica se deu em seguida, culminando com uma ordem judicial na semana seguinte reabrindo as fronteiras do país para quem tinha visto, mesmo se oriundo dos tais sete países. Trata-se da ordem do juiz James Robart, da Corte Federal em Seattle, válida para todo o país. Ele recorreu. Mas o questionamento judicial fê-lo lembrar, por certo, de que há limites a seus atos, outros poderes além do Executivo. É o governo da lei, Rule of Law - princípio sagrado do Estado de Direito. Um governante não está acima da lei de seu país. Ele tem uma margem de atuação, de escolhas, que chamamos aqui de discricionaridade, mas dentro dos limites da lei.

Quanto ao resto do mundo, a ordem fez ressurgir a esperança de que sequer precisaremos testar nossos tratados e organismos internacionais. É possível que internamente já consigam dominar a agressividade de suas posturas. Quem sabe assim as feridas produzidas por este Presidente dos Estados Unidos se restrinjam às narcísicas que a descoberta de limites produzirá em seu próprio psiquismo.


Notas e Referências:

[1] FREUD, Sigmund. O Mal-estar da Civilização. In Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1996. Pág. 117.

[2] Idem, pág. 94.

[3] Ibidem, pág. 151.


Luciane Buriasco Isquerdo. Luciane Buriasco Isquerdo é Juíza de Direito em Cassilândia, Mato Grosso do Sul, membro do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e bacharel em Direito pela UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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