“Don’t keep calm”, você pode estar sendo envenenado: a proteção do direito humano a alimentação adequada como instrumento de promoção da justiça ambiental - Por Jaciele Piskorski Pinto de Lima, Sheila Magali Moser Isensee e Roberta Oliveira Lima

05/09/2016

Por Jaciele Piskorski Pinto de Lima, Sheila Magali Moser Isensee e Roberta Oliveira Lima - 05/09/2016*

INTRODUÇÃO

Atualmente a temática da segurança alimentar e nutricional emerge cotidianamente no cenário social e jurídico nacional e internacional, sendo assim este artigo buscará abordar inicialmente o Direito Humano à alimentação adequada através do estudo de dois princípios basilares para efetivação do mesmo que são a soberania e a segurança alimentar.

Consecutivamente passa-se à análise da relação da utilização dos alimentos transgênicos, os agrotóxicos e seus reflexos na (in)segurança alimentar, pois, atualmente o Brasil se destaca no ranking mundial quanto à utilização e comercialização de agrotóxicos e transgênicos em seu território.

Por fim, apresentam-se perspectivas para a promoção da justiça ambiental em sua relação com o tema ora abordado.

1. O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA: SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR

O direito humano à alimentação vem sendo discutido desde o século XIX, mas a Convenção de Genebra, de 1929, pode ser considerada um dos primeiros instrumentos internacionais a perceber as necessidades humanas relacionadas à alimentação e à nutrição como direito humano[1].

A expressão “Direito Humano à Alimentação Adequada” tem origem no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC). O direito à alimentação adequada é um direito humano inerente a todas as pessoas em ter acesso regular, permanente e irrestrito, quer diretamente ou por meio de aquisições financeiras, a alimentos seguros e saudáveis, em quantidade e qualidade adequadas e suficientes, correspondentes às tradições culturais do seu povo e que garantam uma vida livre do medo, digna e plena nas dimensões física e mental, individual e coletiva[2].

O direito à alimentação adequada é o acesso de todos os indivíduos aos recursos e aos meios para produzir ou adquirir alimentos seguros e saudáveis que possibilitem uma alimentação de acordo com os hábitos e práticas alimentares de sua cultura, de sua região ou de sua origem étnica[3]. O artigo 25[4] da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas estabelece claramente a segurança alimentar entre os direitos humanos fundamentais[5].

Ainda no tocante ao direito à alimentação a própria Constituição Federal brasileira o referencia como um direito fundamental:

“Artigo 6º – São direitos sociais a alimentação, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.[6]

Portanto, cada pessoa passa a ser “titular de direito” e não um mero “beneficiário” de políticas públicas que promovem o acesso à alimentação adequada e regular, devendo o Estado adotar todas as medidas necessárias, principalmente a elaboração de instrumentos legais para concretizar esse direito humano, sob pena de ser responsabilizado no caso de violação[7].

Nesse sentido, ainda temos a soberania alimentar que surgiu durante a década de 1990, e em 2007 no Fórum Mundial de Soberania Alimentar confirmou-se como sendo o direito dos povos de decidir seu próprio sistema alimentar e produtivo, pautado em alimentos saudáveis e culturalmente adequados, produzidos de forma sustentável e ecológica, o que coloca aqueles que produzem, distribuem e consomem alimentos no coração dos sistemas e políticas alimentares, acima das exigências dos mercados e das empresas, além de defender os interesses das futuras gerações[8].

Portanto, a soberania alimentar coloca em primeiro lugar o direito efetivo à alimentação saudável e respeitadora do ambiente para todas as pessoas, não deixando em último lugar aqueles que cultivam os produtos com os quais a comida é confeccionada[9].

Outro tema relacionado com o direito humano é a Segurança Alimentar que foi criada pela FAO (expressão inglesa para ¨Food and Agriculture Organization que significa Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), e simboliza a necessidade de garantia a todos ao acesso a alimentos básicos de qualidade e em quantidade suficiente, sem comprometer as outras necessidades essenciais.

É importante destacar que o conceito brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional difere do conceito da FAO e contempla tanto as dimensões da qualidade dos alimentos e sua segurança biológica como uma cadeia produtiva de alimentos mais justa, solidária, sustentável, além da valorização das culturas alimentares e de cultivo dos povos, aproximando-se fortemente da perspectiva de soberania alimentar[10].

No Brasil, em 2006, a Lei 11.346/2006 criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN, com vistas a assegurar o direito humano à alimentação adequada, bem como dar outras providências. Além do mais, esta lei menciona que a alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população[11].

Quando menciona-se sobre o direito humano à alimentação adequada, automaticamente deveria ser arguido se estes conceitos atualmente são observados quando o assunto é Segurança e Soberania Alimentar e Nutricional e o consumo de alimentos transgênicos ou que receberam uma carga abusiva de agrotóxicos em seu cultivo. Diante da problemática ora mencionada, passa-se ao tópico seguinte que busca jogar algumas luzes sobre tão controversa e urgente questão.

2. AGROTÓXICOS, TRANSGÊNICOS E A (IN)SEGURANÇA ALIMENTAR

Segundo o Ministério do Meio Ambiente em consonância com a legislação vigente, agrotóxicos são produtos e agentes de processos físicos, químicos ou biológicos utilizados nos setores de produção, armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, pastagens, proteção de florestas, nativas ou plantadas e de outros ecossistemas e de ambientes urbanos, hídricos e industriais[12].

Já sobre os transgênicos, em 2005 foi promulgada a lei 11.105 – conhecida como Lei de Biossegurança, a qual estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente[13].

Assim, tem-se que alimentos transgênicos são aqueles geneticamente modificados no laboratório. Denominam-se sementes transgênicas as que possuem material alterado por meio de inoculação de genes provenientes de outros compostos[14].

Urge, no entanto, observar que muitos agrotóxicos utilizados nas lavouras brasileiras são reconhecidos cientificamente como danosos à saúde pública e ao meio ambiente, sendo proibidos em outros países, mas continuando em circulação no Brasil. Segundo a ANVISA, “dos 50 agrotóxicos mais utilizados nas lavouras de nosso país, 22 são proibidos na União Europeia”, tornando o Brasil o maior consumidor de agrotóxicos já banidos por outros países[15].

Um terço dos alimentos consumidos cotidianamente pelos brasileiros está contaminado pelos agrotóxicos segundo análise de amostras coletadas em todas os 26 estados do Brasil, realizada pelo Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) da Anvisa (2011)[16].

Destaque-se, nesse momento, que uma parte dos agrotóxicos utilizados tem a capacidade de se dispersar no ambiente e outra parte pode se acumular no organismo humano, inclusive no leite materno. O consumo do leite contaminado pode provocar agravos à saúde dos recém-nascidos, por sua maior vulnerabilidade a exposição a agentes químicos presentes no ambiente, por suas características fisiológicas e por se alimentarem quase exclusivamente com o leite materno ate os 06 meses de idade[17].

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, e o segundo maior produtor de transgênicos, com mais de 42 milhões de hectares plantados com soja, milho e algodão geneticamente modificados[18].

Os trabalhadores expostos a esses produtos são numerosos, sendo as intoxicações agudas a face mais visível do seu impacto na saúde. O Ministério da Saúde (MS) estima que, no Brasil, anualmente, existam mais de quatrocentas mil pessoas contaminadas por agrotóxicos, com cerca de quatro mil mortes por ano[19].

Ainda recentemente, o Ministério Público Federal (MPF) se manifestou contra ao projeto de lei que transfere a análise de registro de agrotóxicos, na qual as análises passariam a ser feitas pelo Ministério da Agricultura[20].

Thierry Vrain, que passou muitos anos como cientista e defensor dos transgênicos da Agricultura do Canadá veio recentemente à público com sua conclusão de que os transgênicos (Organismos Geneticamente Modificados – OGM) são perigosos para os seres humanos, animais e meio ambiente. “Eu refuto as reivindicações das empresas de biotecnologia que suas colheitas modificadas produzem mais, que elas exigem menos aplicações de agrotóxicos, que elas não têm impacto sobre o meio ambiente e é claro, que elas são seguros para comer“, escreveu ele.[21]

Ainda, segundo Vrain a evidência é tão abrangente que, em 2009, a Academia Americana de Medicina Ambiental pediu uma moratória sobre os alimentos transgênicos e expansão nos testes de segurança. Os estudos revisados pela Academia descobriram que uma dieta com transgênicos levou a diversos problemas, incluindo envelhecimento acelerado, disfunção imune, infertilidade, disfunção em genes que regulam a sinalização celular, a síntese de colesterol, a regulação da insulina e formação de proteínas, e alterações aos rins, fígado, baço e do sistema gastrointestinal, e conclui que “não há estudos de alimentação a longo prazo realizados nesses países para demonstrar as alegações de que bioengenharia de milho e de soja são seguras“, relatou ainda que “tudo o que temos são estudos científicos provenientes da Europa e da Rússia, que mostram que ratos alimentados com engenharia de alimentos morrem prematuramente.”[22]

Reforçando a tese de Vrain, outrora um defensor dos alimentos transgênicos tem-se que o consumo de longo prazo de produtos geneticamente modificados pode gerar uma degradação geral da saúde pública e, em especial, dos consumidores.  Shao e Chin afirmam que[23]:

(...) uma ligação nova entre o consumo de produtos a base de milho e o aumento da tendência a obesidade que nunca antes foi atribuída a epidemia de obesidade. Essa correlação coincide com a introdução de milhos transgênicos na cadeia alimentar humana, o que levanta então uma nova hipótese que deveria ser testada em modelos moleculares e animais da obesidade. (SHAO; CHIN, 2011, p. 253)

Na mesma linha argumentativa da periculosidade dos alimentos transgênicos, um novo estudo foi publicado recentemente na literatura científica com o título de “No scientific consensus on GMOs safety”, que poderia ser traduzido de forma livre como “Ausência de consenso científico sobre a segurança de OGMs”. O estudo endossado por mais de 300 investigadores independentes oriundos de diversos países, afirma que a literatura cientifica disponível, publicada em revistas especializadas, não sustenta a tão divulgada hipótese de inocuidade dos OGMs. Os autores afirmam que a escassez e a contradição de resultados disponíveis na literatura científica impedem qualquer afirmativa responsavelmente sustentada por evidências de pesquisas[24].

O Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), órgão do Ministério da Saúde, mencionou em parecer acerca dos agrotóxicos que o modelo de cultivo com o intensivo uso de agrotóxicos gera grandes malefícios como poluição ambiental e intoxicação de trabalhadores e da população em geral.

As intoxicações agudas por agrotóxicos são as mais conhecidas e afetam, principalmente, as pessoas expostas em seu ambiente de trabalho (exposição ocupacional). São caracterizadas por efeitos como irritação da pele e olhos, coceira, cólicas, vômitos, diarreias, espasmos, dificuldades respiratórias, convulsões e morte. Já as intoxicações crônicas podem afetar toda a população, pois são decorrentes da exposição múltipla aos agrotóxicos, isto é, da presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos e no ambiente, geralmente em doses baixas.

Os efeitos adversos decorrentes da exposição crônica aos agrotóxicos podem aparecer muito tempo após a exposição, dificultando a correlação com o agente. Dentre os efeitos associados à exposição crônica a ingredientes ativos de agrotóxicos podem ser citados infertilidade, impotência, abortos, malformações, neurotoxicidade, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico e câncer[25].

Nessa linha, uma das raras condenações por uso abusivo de agrotóxicos veio da Chapada do Apodi, onde um trabalhador morreu após a exposição prolongada a agrotóxicos da empresa de frutas Del Monte[26].

Outro destaque importante é sobre a venda ilegal de agrotóxicos. De acordo com o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (Sindag), apenas em 2011 as apreensões de produtos falsificados e contrabandeados chegaram a 55 toneladas, um aumento de 73% em relação ao ano anterior. No período entre 2001 e 2011, foram apreendidas 452 toneladas[27].

Todo o cenário acima citado envolvendo alimentos transgênicos e consumo excessivo de agrotóxicos no cultivo de alimentos no Brasil acabam por gerar uma real insegurança alimentar e nutricional, pois de acordo com os princípios já expostos da soberania e segurança alimentar e nutricional percebe-se que o consumo de alimentos transgênicos ou a exposição de agrotóxicos na alimentação da população é fator violador do direito humano à alimentação adequada.

Se o próprio leite materno pode estar contaminado por resíduos tóxicos e parcelas vulneráveis da população como bebês, crianças e idosos, para ficar-se apenas em uma projeção etária de vulneráveis socioambientais, pode ter seu direito à alimentação adequada violado por conta de tais realidades, necessária se faz a discussão da temática ora abordada relacionando-a com a Justiça ambiental, o que será feito no tópico a seguir.

3. A PROTEÇÃO DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA COMO INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO DA JUSTIÇA AMBIENTAL

O movimento de Justiça Ambiental, inicialmente denominado de Racismo Ambiental constituiu-se nos EUA nos anos 80, sendo o mesmo o fruto de uma articulação criativa entre lutas de caráter social, territorial, ambiental e de direitos civis.

Nesse sentido, o Movimento de Justiça Ambiental, assim define justiça ambiental:

É a condição de existência social configurada através do tratamento justo e do envolvimento significativo de todas as pessoas, independentemente de sua raça, cor ou renda, no que diz respeito à elaboração, desenvolvimento, implementação e aplicação de políticas, leis e regulações ambientais. Por tratamento justo entenda-se que nenhum grupo de pessoas, incluindo-se aí grupos étnicos, raciais ou de classe, deva suportar uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas resultantes da operação de empreendimentos industriais, comerciais e municipais, bem como das consequências resultantes da ausência ou omissão destas políticas.[28]

Todavia, não são raros os casos de danos ao meio ambiente e à saúde humana decorrentes do uso inadequado ou indevido de agrotóxicos. Tanto as aplicações de agrotóxicos proibidos ou sem o devido receituário, ou, ainda, em dosagens ou em fases não recomendadas, sem os cuidados técnicos e equipamentos de segurança indispensáveis, sobretudo a observância da carência mínima entre a aplicação e a colheita, são práticas corriqueiras entre os nossos produtores rurais[29]

Além disso, de acordo com Fischer, “aplicações cada vez mais intensas de agrotóxicos e de outros produtos químicos da agricultura resultaram na contaminação do solo, da água e do meio ambiente, de forma generalizada, por mais de uma classe de substâncias tóxicas”, repassando tais ônus às futuras gerações.[30]

Diante de tais afirmações, o Ministério Público (MP) foi definido como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, que tem como fim primeiro a defesa da “ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. O mandato do Ministério Público, definido pela Constituição Federal de 1988, estabelece sua responsabilidade pela promoção e garantia dos direitos humanos, especialmente no que se refere ao cumprimento das obrigações do Estado[31].

Portanto, baseado nos princípios da precaução e prevenção, o órgão defende que, diante de uma ameaça de danos irreversíveis à saúde da população brasileira, o poder público tem a obrigação de agir[32].

Pois de acordo com Sarlet e Fensterseifer: “Tudo isso encontra suporte constitucional no próprio caput do art. 225 da CF/88, ao estabelecer que se impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o ambiente para as presentes e futuras gerações”.[33]

É salutar informar que o Ministério Público Federal protocolizou duas ações pedindo a suspensão do registro de nove agrotóxicos usados no Brasil, assim mencionadas:

Processo 0021372-34.2014.4.01.3400 - A presente ação tem por objetivo tutelar a saúde humana e o meio ambiente ecologicamente equilibrado para que seja determinado à União, por meio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que suspenda o registro dos agrotóxicos que contenham o herbicida 2,4-D em suas formulações, enquanto a ANVISA não divulgar os resultados conclusivos acerca da reavaliação toxicológica do 2,4-D e que, por meio da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), a União seja proibida de liberar a comercialização de sementes transgênicas tolerantes ao 2,4-D enquanto, mais uma vez, a ANVISA não finalizar a reavaliação toxicológica do referido princípio ativo. (...) Assim, no intuito de se coibir a existência de decisões conflitantes entre os diversos órgãos/entidades governamentais e priorizando a tutela da saúde humana e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, o Ministério Público Federal, em termos gerais, pleiteia a suspensão do registro de produtos que contenham o 2,4-D como princípio ativo, assim como a proibição de qualquer liberação comercial de sementes transgênicas tolerantes à referida substância, até que a ANVISA proceda à necessária reavaliação daquele ingrediente ativo.[34]

Processo 0021371-49.2014.4.01.3400 - A presente ação tem por objetivo compelir a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) a reavaliar a toxidade de 8 (oito) ingredientes ativos publicados na Resolução ANVISA RDC nº 10/2008, quais sejam, parationa metílica, lactofem, forato, carbofurano, abamectina, tiram, paraquate e glifosato, bem como determinar à União, por meio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que suspenda os registros de produtos que tenham como princípio ativo as 8 (oito) substâncias mencionadas, até que seja realizada a reavaliação, pela ANVISA, sobre a toxicidade daqueles ingredientes ativos, em razão das próprias informações trazidas por aquela autarquia federal no sentido de que as referidas substâncias apresentam-se nocivas à saúde humana. (...) Dessa feita, o Ministério Público Federal pleiteia a suspensão do registro de produtos que contenham as 8 (oito) substâncias citadas, até que a ANVISA proceda à necessária reavaliação desses princípios ativos, a fim de que haja uma decisão definitiva, no âmbito daquela agência reguladora, quanto à proibição/permissão de se comercializar agrotóxicos com essas substâncias.[35]

Ainda que não focado de forma precípua no Direito Humano à Alimentação Adequada as ações protocolizadas pelo MPF revelam a busca de um caminhada que promova a soberania e a segurança alimentar e a promoção indireta da Justiça Ambiental, pois resta claro o interesse do Ministério Público em proteger a população brasileira de danos irreversíveis causados pelo uso abusivo de agrotóxicos e OGMs.

Diante dos dados já expostos no presente artigo, restou evidente que algumas parcelas mais vulneráveis da população são também as mais atingidas pelo uso indiscriminado de transgênicos e agrotóxicos, desta forma o pedido de suspensão e/ou reavaliação de alguns dos principais agrotóxicos utilizados terá por finalidade última o alcance de tão sensível e importante temática relacionada à Justiça Ambiental.

4. CONCLUSÕES ARTICULADAS

4.1 Diante da ameaça de danos irreversíveis à saúde da população é necessária a intervenção de órgãos como o Ministério Público Federal para que se concretize a Justiça Ambiental no âmbito do Poder Judiciário;

4.2 A proteção do Direito humano à alimentação adequada e a garantia de seus princípios como segurança e soberania alimentar podem ser utilizados como instrumentos de promoção da Justiça Ambiental;

4.3 O uso indiscriminado de transgênicos e agrotóxicos atinge parcelas mais vulneráveis da população brasileira e o Judiciário deve intervir como instrumento de proteção socioambiental e promoção da Justiça Ambiental;

4.4 Percebe-se que o recebimento da dose diária de agrotóxicos e transgênicos nas mesas de uma considerável parcela da população brasileira como consequência do fomento cada vez mais exponencial do agronegócio é catalisador de mais pesquisas e estudos acerca de tão instigante e atual temática socioambiental.


Notas e Referências:

[1] FERREIRA, Mônica Gomes. Direito humano à alimentação adequada [manuscrito] / Mônica Gomes Ferreira. – 2010, p. 21.

[2] LEÃO, Marília Mendonça. O direito humano à alimentação adequada e o sistema nacional de segurança alimentar e nutricional / organizadora. – Brasília: ABRANDH, 2013, p.27.

[3] VALENTE, Flavio Luiz Schieck. Direito Humano à Alimentação adequada- desafios e conquistas. São Paulo: Cortez, 2002, p. 38.

[4] Art. 25 Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas - 1.     Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

[5] MALUF, Renato S. et al. Caderno ‘Segurança Alimentar’. Disponível em: http://goo.gl/SbXzDJ. Acesso em: 25 de março de 2016.

[6] BRASIL, Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://goo.gl/lM0x. Acesso em: 07 de abril de 2016.

[7] LEÃO, Marília Mendonça. O direito humano à alimentação adequada e o sistema nacional de segurança alimentar e nutricional, p. 141.

[8] LEÃO, Marília Mendonça. O direito humano à alimentação adequada e o sistema nacional de segurança alimentar e nutricional, p. 18.

[9] CIDAC- Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral. Soberania Alimentar. Disponível em: http://goo.gl/YNlUKD. Acesso em: 27 de março de 2016.

[10] LEÃO, Marília Mendonça. O direito humano à alimentação adequada e o sistema nacional de segurança alimentar e nutricional, p. 17.

[11] BRASIL, Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Lei 11.346/2006. Disponível em: http://goo.gl/m9xAyb. Acesso em: 01 de abril de 2016.

[12] Ministério do Meio Ambiente. Agrotóxicos. Disponível em: http://goo.gl/pztaIG. Acesso em 07 de Abril de 2016.

[13] BRASIL. LEI 11.105/05. Legislação Brasileira de Biossegurança.  Disponível em: http://goo.gl/zsotBc. Acesso em: 01 de abril de 2016.

[14] SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de direito ambiental – 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 710.

[15] CARNEIRO et al. Os impactos dos agrotóxicos no contexto do agronegócio. Disponível em: https://goo.gl/t1O0ef, pg. 130. Acesso em 03 de Abril de 2016.

[16] Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde / Organização de Fernando Ferreira Carneiro, Lia Giraldo da Silva Augusto, Raquel Maria Rigotto, Karen Friedrich e André Campos Búrigo. - Rio de Janeiro: EPSJV; São Paulo: Expressão Popular, 2015. p. 61.

[17] Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde, p. 72.

[18] ESCOBAR, Helton. Estadão. Disponível em: http://goo.gl/ZfdKV9. Acesso em 03 de Abril de 2016.

[19] Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde, p. 124/125.

[20] MPF. MPF é contra projeto de lei que transfere análise de registro de agrotóxicos.  Disponível em: http://goo.gl/cHZZkH. Acesso em 01 de abril de 2016.

[21] NOTICIAS NATURAIS. Ex-cientista dos Transgênicos Expõe as Mentiras e Propaganda da Indústria de Biotecnologia. Disponível em: http://goo.gl/cvgTti. Acesso em: 27 de março de 2016.

[22] NOTICIAS NATURAIS. Ex-cientista dos Transgênicos Expõe as Mentiras e Propaganda da Indústria de Biotecnologia. Disponível em: http://goo.gl/cvgTti. Acesso em: 27 de março de 2016.

[23] FERMENT, Gilles. et al. Lavouras transgênicas – riscos e incertezas : mais de 750 estudos desprezados pelos órgãos reguladores de OGMs. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2015, p. 430.

[24] FERMENT, Gilles. et al. Lavouras transgênicas – riscos e incertezas : mais de 750 estudos desprezados pelos órgãos reguladores de OGMs. Brasília : Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2015, pg 430.

[25] INCA- Posicionamento do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva Acerca dos Agrotóxicos. Disponível em: http://goo.gl/9BG6Vr. Acesso em 05 de Abril de 2016.

[26] Pratos Limpos. Chapada do Apodi. Disponível em: http://goo.gl/pSHnlz. Acesso em: 07 de Abril de 2016.

[27] ECYCLE. Os estragos causados pelo uso de agrotóxicos no mundo e no Brasil. Disponível em: http://goo.gl/pSHnlz. Acesso em: 06 de Abril de 2016.

[28] BULLARD, R. D. Dumping in Dixie: Race, Class and Environmental Quality. San Francisco/Oxford: Westview Press, 1994 apud ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília C.do A.; BEZERRA, Gustavo das Neves. O que é justiça ambiental. p. 16.

[29] BRAUNER, Maria Cláudia Crespo, Laíse Graff. Segurança Alimentar e Produção Agrícola: Reflexões sob a Ótica da Justiça Ambiental. Disponível em: http://goo.gl/ELoLfk, Acesso em: 07 de abril de 2016, pg. 391.

[30] BRAUNER, Maria Cláudia Crespo, Laíse Graff. Segurança Alimentar e Produção Agrícola: Reflexões sob a Ótica da Justiça Ambiental. Disponível em: http://goo.gl/ELoLfk, Acesso em: 07 de abril de 2016. Pg. 392.

[31] LEÃO, Marília Mendonça. O direito humano à alimentação adequada e o sistema nacional de segurança alimentar e nutricional / organizadora. – Brasília: ABRANDH, 2013, pg. 86

[32] MPF. Ações do MPF questionam registro de nove agrotóxicos. Disponível em: http://goo.gl/K8qmbJ. Acesso em: 29 de outubro de 2015.

[33] SARLET, Ingo W.; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental: Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. p. 43.

[34] MPF. Ações do MPF questionam registro de nove agrotóxicos. Disponível em: http://goo.gl/K8qmbJ. Acesso em: 29 de outubro de 2015

[35] MPF. Ações do MPF questionam registro de nove agrotóxicos. Disponível em: http://goo.gl/K8qmbJ. Acesso em: 29 de outubro de 2015


*Frase do título reproduzida da página do Ministério Público Federal (MPF) no Facebook em relação ao consumo de glifosato no Brasil. Disponível em: https://goo.gl/S5F5oK. Acesso em: 02 de abril de 2016.


Artigo originalmente apresentado no XXI Congresso Internacional do Instituto O direito por um planeta verde.


Jaciele Piskorski Pinto de Lima. . Jaciele Piskorski Pinto de Lima é Acadêmica de direito 10º período da faculdade Sinergia e pesquisadora. . .


Sheila Magali Moser Isensee. . Sheila Magali Moser Isensee é Acadêmica de direito 10º período da faculdade Sinergia e pesquisadora. . .


Roberta Lima

. . Roberta Oliveira Lima é Advogada, Doutoranda em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em Gestão de Políticas Públicas (UNIVALI). Professora Universitária.. .


Imagem Ilustrativa do Post: Wall_Food_10473 // Foto de: Michael Stern // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/68711844@N07/15637894679

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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