Documento emitido pelo Correio como comprovante de citação ou intimação: uma nova interpretação do art. 231, I do CPC/15

07/12/2019

Atualmente deve-se buscar fazer uma interpretação sistemática e teleológica dos dispositivos legais, visto que muitas vezes o dinamismo social e do próprio processo divergem do processo legislativo. As leis são cada vez mais incapazes de acompanhar as mudanças sociais e de se adaptarem as novas realidades com a rapidez que se espera.

Interpretar gramaticalmente os dispositivos legais cria uma legislação estanque e, com o passar do tempo, cada vez mais ineficaz. De fato, por inúmeras vezes a jurisprudência tem-se utilizado da interpretação sistemática e teleológica a fim de tornar mais eficaz e eficiente determinados dispositivos legais.

O próprio art. 5º da LINDB menciona que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Portanto, a interpretação teleológica, que se preocupa com o fim a que a norma se dirige deve ser uma regra a ser seguida ao interpretar e aplicar a lei ao caso concreto[1].

Neste sentido, Carlos Maximiliano[2] expõe a importância da interpretação teleológica, estipulando qual seria a atividade do intérprete das normas jurídicas:

“Ele examina o texto em si, o seu sentido, o significado de cada vocábulo. Faz depois obra de conjunto: compara-a com outros dispositivos da mesma lei, e com os de leis diversas, do país ou de fora. Inquire qual o fim da inclusão da regra no texto, e examina este tendo em vista o objetivo da lei toda e do Direito em geral. Determina por este processo o alcance da norma jurídica e assim realiza, de modo completo, a obra moderna do hermeneuta”

O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, entendeu que apesar de o art. 304 do CPC/15 que trata sobre a estabilização da tutela antecipada antecedente mencionar a interposição de “recurso” como meio para não se estabilizar, este termo não deveria ser interpretado estritamente ou gramaticalmente, mas sim de forma sistemática e teleológica. Na realidade, qualquer tipo de impugnação pela parte contrária seria capaz de não gerar a estabilização da tutela antecipada antecedente. Nas palavras do próprio Superior Tribunal de Justiça[3]:

“É de se observar, porém, que, embora o caput do art. 304 do CPC/2015 determine que ‘a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso’, a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária, sob pena de se estimular a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais, além do ajuizamento da ação autônoma, prevista no art. 304, §2º, do CPC/2015, a fim de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada.”

Tal forma de interpretação também deve ser utilizada em outros dispositivos legais, principalmente do CPC/15. O art. 231, I do CPC/15 estipula que se não houver disposição em contrário, será considerado o dia do começo do prazo a data de juntada aos autos do aviso de recebimento, quando a citação ou a intimação for pelo Correio.

Perceba que a própria redação do artigo menciona ser possível haver outras possibilidades de serem consideradas como o dia do começo do prazo, ao mencionar “salvo disposição em sentido diverso”.

Por óbvio, se fosse feita uma interpretação literal deste dispositivo não se estaria dando a abrangência e utilidade correta a ele, sendo necessário interpretá-lo de forma sistemática e teleológica, analisando a finalidade do mesmo e tornando a legislação mais eficaz e menos estanque.

A finalidade do dispositivo legal parece ser clara: fixar o momento inicial de contagem do prazo.

Caso fosse restringido o momento inicial para a contagem do prazo tão somente à juntada aos autos do aviso de recebimento, não estaria sendo observada a finalidade e nem os princípios que regem o Código de Processo Civil de 2015.

Deve-se interpretar a redação do dispositivo legal não estritamente como somente o aviso de recebimento emitido pelo Correio juntado aos autos ser o fixador do momento inicial de contagem de prazo. Qualquer documento emitido pelo Correio que comprove a citação ou intimação deve ser considerado como tal, visto que o objetivo do dispositivo é ter um documento juntado nos autos emitido pelo Correio que comprove a citação ou intimação da parte.

O Correio possui estrutura burocrática e atende centenas de milhares de pessoas. Não raras vezes os avisos de recebimento da carta de citação ou intimação se perdem, tendo que o magistrado oficiar a empresa pública federal para que informe ao Juízo o motivo da não devolução dos avisos de recebimento.

Ocorre que o Correio possui um sistema de rastreamento de objetos que informa se a carta de citação ou intimação foi recebida ou não pelo destinatário conforme análise dos números de rastreamento das cartas.

De fato, em muitos casos, após ofício do Juízo com o número de rastreamento destas cartas o Correio apresenta documentos com informações sobre o recebimento delas.

Por óbvio, a resposta do Correio juntada aos autos sobre o aviso de recebimento, comprovando que a parte foi citada ou intimada deve ser considerada como o dia do começo do prazo, visto que em consonância com uma interpretação sistemática e teleológica do art. 231, I do CPC/15.

Tal argumento merece prosperar com ainda mais razão se analisarmos os princípios que regem o CPC/15, principalmente os princípios da boa-fé (art. 5º)[4] e da cooperação (art. 6º)[5].

Ora, se a parte é citada ou intimada ela deve comunicar seus procuradores para que estes acompanhem o processo ou busquem uma solução consensual para o problema.

Não faz sentido lógico ou jurídico que a parte se beneficie de sua própria torpeza, analisando que o mero aviso de recebimento não foi juntado aos autos, mas que o ofício ou outro documento hábil comprovando a sua citação ou intimação emitido pelo Correio foi juntado aos autos e, mesmo assim, permaneceu inerte sobre tal.

O exposto demonstra que o art. 231, I do CPC/15 deve ser interpretado de forma sistemática e teleológica dando-lhe máxima eficácia, no sentido de ser considerado o dia do começo do prazo a juntada de qualquer documento emitido pelo Correio (e não somente do aviso de recebimento) que comprove o recebimento da citação ou da intimação, com base nos princípios da boa-fé e da cooperação que regem o CPC/15, evitando-se que a parte se beneficie de sua desídia e de um sistema que, muitas vezes, pode vir a falhar.

 

Notas e Referências

[1] Neste sentido: BETIOLI, Antonio Bento. Introdução ao Direito. São Paulo: Hermes Editora e Informação, 1989, p. 213.

[2] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.8.

[3] Brasil, STJ, 3ª Turma, REsp 1.760.966-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, julgado em 04/12/2018.

[4] Art. 5º, CPC/15. Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

[5] Art. 6º, CPC/15. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

 

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