Jean Jacques Rousseau asseverou em seu clássico “O Contrato Social” que “o homem nasceu livre, e por toda a parte geme agrilhoado; o que julga ser senhor dos demais é de todos o maior escravo.”
A ausência de liberdade é o mote principal do profícuo enredo dessa película cinematográfica. Na verdade como preconizava Rousseau a sensação de liberdade é utópica. Somos todos agrilhoados por regras, leis, comportamentos sociais, costumes etc.
Entretanto, temos desde o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, a premissa de que “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.
Em mundo futuro, bem ao estilo de Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, no “Doador de Memórias” as pessoas vivem sob um regime ditatorial e manipulador. Todo mundo já nasce com a vida escrita e o que será ou o que fará. Por exemplo, se será professor, enfermeiro, advogado, soldado ou se cuidará das plantas e das crianças, se fará as pessoas rirem ou refletirem e por aí vai. Num enredo muito próximo ao festejado “A Vila”(The Village), de 2004, as pessoas são manipuladas por estórias ou histórias criadas e alimentadas por seres superiores e detentores do conhecimento. As regras e o estilo de vida da população são ditados pelas lendas, mitos e as invenções “pedagógicas” para controle social e de convivência.
Antes desse mundo, quase pós-apocalíptico, ninguém sabe o que acontecia, ninguém tem memória ou lembrança desse tempo anterior. Os livros e as outras formas de comunicação do passado foram exterminados do convívio humano. Apenas um homem, o receptor, tem o conhecimento e a capacidade de saber de quase tudo por conta de sua imensa biblioteca. De épocas em épocas ele recebe a missão de passar o conhecimento e a função para outro concidadão. O próximo escolhido é Jonas, amigo de Asher e de Fiona, por quem se apaixona perdidamente a ponto de mudar o curso do mundo e da história da nova população.
Como dito anteriormente, com histórias e cenas bem próximas ao clássico de Aldous Huxley, os casais assumem a função de artificialmente educar as crianças que lhe são confiadas. Não há toque ou carinho entre os habitantes, existe hora de recolher e ao sair de casa deve-se, antes, passar o pulso em um aparelho que cuida da saúde e dos sentimentos emocionais. Quando o nível se aproxima da condição humana, o próprio aparelho injeta uma substância inibitória das emoções. Em Admirável Mundo Novo, a soma é a droga utilizada pelos habitantes como meio de controle social, afinal “não traz nenhuma das consequências desagradáveis. Proporciona um esquecimento perfeito, e se o despertar é desagradável, não o é intrinsecamente, mas apenas em comparação com as alegrias desfrutadas. O recurso era tornar contínua a fuga. Avidamente, [os habitantes] reclamavam doses cada vez mais fortes, cada vez mais frequentes.”
A liberdade de poder pensar e viver é algo inerente ao ser humano, mesmo que existam mecanismos de freios aos instintos. Por isso, a nossa Constituição Federal de 1988, no artigo quinto e no inciso IX, amplia a liberdade de pensamento, concedendo a liberdade de forma artística, intelectual, científica e de comunicação. Além disso, o artigo 206 do mesmo diploma legal, reitera a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber.
O pensamento é um ato que pertence ao humano e jamais poderá ser alienado, devassado ou controlado pelo Estado, mormente em plagas brasileiras onde vige a teoria do Estado Democrático de Direito.
Doador de Memórias é uma lição que poderemos fazer uso em um futuro bem próximo, já que nossa tecnologia avança a passos largos para um mundo sem dor, sem doenças, sem violência, sem disputas, mas, principalmente, sem liberdade. Será que valerá a pena ter tudo, e não ter liberdade?
A paz é o estágio final da liberdade. Sem liberdade não existe paz, existe submissão.
THE GIVER (DOADOR DE MEMÓRIAS). Direção: Phillipe Noyce. Elenco: Jeff Bridges, Meryl Streep, Katie Holmes, Odeya Rush, et al. COR, EUA, 2014, Ficção Científica, DVD, 97 min.
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