Do momento para se requerer o chamamento ao processo – uma leitura do artigo 131 do CPC/2015 à luz do princípio da eficiência – Por Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá

13/12/2016

Coordenador: Gilberto Bruschi

Em matéria de intervenção de terceiros, o CPC/2015 promoveu algumas sensíveis alterações. Afora criar novas figuras, como o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, a previsão genérica da participação do amicus curiae e a possibilidade de reconvenção por e contra terceiro, o CPC/2015 cuidou de aperfeiçoar e sistematizar de uma melhor forma as demais figuras já tradicionais.

Nesse sentido, são emblemáticas as melhorias topológica[1], redacional[2] e conceitual[3].

Mas há alterações que, muito embora não decorram diretamente de modificações nas previsões normativas tradicionais, mantidas quase que intocadas no CPC/2015, decorrem de uma mudança na própria conformação do procedimento comum e no espírito que informa o novo Código.

Expliquemo-nos.

O chamamento ao processo, agora previsto nos artigos 130 a 132, é um dos institutos que tem sido apontado como objeto de pouquíssimas alterações, limitadas a algumas melhoras na redação e à inexistência de previsão da suspensão do processo[4].

Mantida permaneceu, portanto, a regra segundo a qual o momento para o exercício dessa forma interventiva é o da contestação (art. 131, em equivalência ao revogado art. 78).

Entretanto, para o CPC/73, dizer-se que o chamamento deveria ser feito na contestação equivaleria a dizer que ele deveria ser feito na primeira oportunidade em que o réu, manifestando-se, participa do processo.

Como é cediço, para o CPC/2015, via de regra, a contestação não é mais o primeiro momento em que o réu participa do processo, tendo em vista a nova conformação do procedimento comum, com a realização da audiência de conciliação ou mediação antes da apresentação da defesa.

Ora, a modificação do procedimento comum, com a inserção (quase que) obrigatória da audiência de conciliação ou mediação initio litis presta-se a uma função prática muito clara: viabilizar a autocomposição, evitando-se o prolongamento de demanda apta a se encerrar por essa via.

Isto é, a realização da audiência não se justifica por meras razões ritualísticas. A razão é pragmática.

Nesse contexto, pelo novo procedimento comum, a audiência de conciliação e mediação seria realizada sempre com a presença apenas do demandado original, já que o chamamento ao processo somente ocorreria em momento posterior, com a apresentação da contestação.

Contudo, analisando as hipóteses legais, essa solução não se mostra eficiente[5].

Tome-se, por exemplo, a hipótese do inciso I do art. 130: o fiador é demandado pelo credor pelo pagamento do débito. Neste caso, considerando-se que o fiador tem direito a exercer o benefício de ordem (art. 827 do CC[6]), a lei processual o autoriza a chamar o devedor principal, para que este responda, primeiro, pelo pagamento do débito. Mas, ao se impor o exercício do chamamento se dê no momento da contestação, a audiência de conciliação e mediação, que será realizada initio litis, quase que certamente redundará em um esforço inútil. Parece evidente que, em casos tais, o melhor ambiente para que a autocomposição seja estimulada e atingida existirá se estiverem presentes não apenas o credor e o fiador, mas também o obrigado principal.

Não nos parece razoável imaginar-se que o único caminho possível para o fiador, que pretende exercer o benefício de ordem, seja o de comparecer à audiência sem qualquer proposta (tornando-a infrutífera) para, posteriormente, na contestação, chamar ao processo o devedor principal.

A vontade de o fiador exercer o benefício de ordem e a sua vontade de submeter-se à autocomposição initio litis são mutuamente excludentes: se o fiador pretende exercer o benefício de ordem, é porque não assumirá, voluntariamente, o débito na audiência inaugural, antes que o devedor principal seja chamado; se o fiador comparece e assume o débito na audiência inaugural, submetendo-se à autocomposição, é porque abriu mão do seu benefício de ordem, restando-lhe, apenas, voltar-se contra o afiançado em demanda regressiva.

Assim, ao fiador, demandado pela dívida afiançada e que pretende exercer seu benefício de ordem, deve ser admitido que chame ao processo o devedor principal antes da data da audiência, viabilizando a composição amigável.

Essa possibilidade, ademais, não se justifica apenas em razão do direito ao benefício de ordem (hipótese do inciso I do art. 130, portanto). Ela igualmente se justifica para os casos em que o chamado é devedor solidário do chamante (incisos II e III do art. 130), e explicamos o porquê.

O chamamento ao processo é instituto tendente à promoção da eficiência, pois, ao permitir a inclusão dos demais coobrigados, possibilita a solução da crise de inadimplemento em face de todos, em claro benefício à posição do réu original. A vantagem na sua utilização, portanto, se coloca sobre o réu.[7]

Não nos parece razoável que se imponha a realização da audiência de autocomposição sem que se permita ao réu exercer a vantagem que a lei lhe confere e que, ao fim e ao cabo, tornaria o processo mais eficiente. Da mesma forma que na hipótese do inciso I do art. 130, acaso o demandado original não pretendesse assumir sozinho a sua obrigação passiva solidária, não lhe restaria alternativa a não ser comparecer à audiência desprovido de qualquer intenção conciliatória, tornando-a absolutamente inútil e, portanto, ineficiente.

Diante disso, entendemos que, em qualquer das hipóteses do art. 130 do CPC, o réu poderá, antes da audiência, requerer o chamamento ao processo dos coobrigados. Nessa ótica, o momento processual indicado no art. 131 (“na contestação”) deve ser interpretado como o limite[8] para que o réu se valha de tal instrumento, após o qual restará precluso seu direito.

Por óbvio, o chamamento ao processo deverá ser requerido com antecedência suficiente para que a citação se cumpra antes da data designada para a audiência. Eventual pedido de adiamento da data da audiência, considerando a exiguidade do prazo para concluir a citação dos chamados, poderá ser objeto de pedido fundamentado do réu original, sendo certo que eventuais intuitos meramente protelatórios deverão ser obstados, inclusive, v.g., pela aplicação do disposto no artigo 80 e 81 do CPC.


Notas e Referências:

[1] Por exemplo, situando o título referente à intervenção de terceiros na Parte Geral do Código e situando, dentro desse título, a assistência.

[2] Por exemplo, deixando claro que a denunciação da lide pelo autor deve ser feita na petição inicial e que o denunciado, neste caso, pode acrescentar novos argumentos, e não “aditar a petição inicial”.

[3] Por exemplo, definindo que o assistente será substituto processual do assistido revel, e não mero gestor de negócios, e restringindo a eficácia preclusiva da intervenção (art. 123 do CPC/2015, antigo art. 55 do CPC/1973) à assistência simples.

[4] O CPC/2015 deixa de determinar a suspensão do processo (antes prevista no art. 79 do CPC/1973). Contudo, na prática, essa suspensão continuará a ocorrer. Ora, se o réu requerer o chamamento na contestação, os chamados serão citados para, somente então, apresentarem também as suas contestações, de forma que o prosseguimento da demanda deverá ser sobrestado, não se iniciando a instrução processual, até que haja a integralização, em contraditório, de todos os chamados.

[5] O princípio da eficiência é norma fundamental do processo civil, conforme dispõe o artigo 8º do CPC: “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”.

[6] Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.

[7] “O chamamento existe por causa da economia processual, como vimos, para atender o interesse do réu coobrigado, não para facilitar o atendimento da pretensão material do autor que escolheu, entre os co-devedores, contra quem demandar” (GRECO FILHO, Vicente. Da intervenção de terceiros. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 96). No mesmo sentido: A incorporação do instituto do chamamento ao processo à ordem processual brasileira veio a simplificar as coisas, em benefício do fiador, ou do devedor solidário” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Intervenção de terceiros. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 158).

[8] A própria norma de direito material parece corroborar essa ideia de limite, ao estabelecer, no art. 827 do Código Civil, que o exercício do benefício de ordem pode se dar “até a contestação da lide”. Na doutrina, ademais, já se afirmou que o chamamento ao processo poderia preceder a contestação, muito embora concluindo-se a partir de outra premissa: “é possível, por causa da suspensão do processo, que se dá com a determinação da citação dos chamados, que o réu primeiro chame ao processo e depois, no prazo que ainda não havia escoado antes da suspensão, apresente sua resposta” (BUENO, Cassio Scarpinella. Partes e terceiros no processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 292/293).


 

Imagem Ilustrativa do Post: Nature’s symbiosis with man-made structures // Foto de: Noam Kostucki // Sem alterações.

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