DO MOMENTO DA OITIVA DO COLABORADOR NA INSTRUÇÃO CRIMINAL

30/08/2019

Coluna Não nos Renderemos / Coordenadores: Daniela Villani Bonaccorsi Rodrigues e Leonardo Monteiro Rodrigues

Com o advento da Lei 12.850/2013, o instituto da Colaboração Premiada firmou-se no ordenamento e na praxe processual penal brasileira, mesmo existido ainda inúmeras aporias acerca de sua disciplina em nossa legislação, o que sempre suscita problematizações acerca de seus contornos, tanto no âmbito doutrinário quanto jurisprudencial. Um desses aspectos desprovidos de uma base normativa e ainda carente de discussão diz respeito ao momento da oitiva do Colaborador na Instrução Criminal.

Pois bem, uma vez requerida a oitiva do Colaborador em Juízo, é fundamental atentar-se para os contornos de seu depoimento, especificamente para o momento processual de realização desta oitiva, pois o Colaborador “deve ser analisado no processo penal como uma categoria própria, pois não se encaixa adequadamente como testemunha (por ter interesse no caso) ou informante (por prestar compromisso de veracidade)”[1], de modo que seu status processual deve ser sempre de Colaborador, uma categoria própria que possui uma natureza sui generis, o que impõe o estabelecimento de uma ordenação específica para sua oitiva em relação às testemunhas propriamente ditas, até para se possibilitar na medida devida a busca da corroboração ou fragilização de suas declarações, do que depende a própria aplicação dos benefícios acordados.

Entende-se que o Colaborador não pode ser tratado como se testemunha fosse, pois não possui a imparcialidade para tanto e, ainda que preste o compromisso de veracidade por imposição do § 14 do artigo 4º da Lei 12.850/2013, “isso não afasta sua condição de interessado, o que se ressalta em razão da promessa de concessão de benefício (inclusive condicionada a tais declarações)”[2].

Este é o ponto nevrálgico da discussão: o Colaborador é um sujeito processual distinto dos demais, uma categoria própria, suis generis, pois é motivado pela recompensa, pelo prêmio e, logo, interessado e parcial, de modo que o seu compromisso serve apenas como forma de oposição às Garantias Fundamentais que, no Acordo de Colaboração, ele é obrigado a renunciar. Enfim, Colaborador não é testemunha, Colaborador não é “informante”, ou seja, Colaborador é Colaborador, ainda que denunciado, pois abre mão de todas as Garantias Fundamentais que aparam os imputados. Colaborador é Colaborador, este é o ponto e é isto que não pode deixar de nortear a estruturação das oitivas na Instrução Criminal.

 

Com efeito, é pacífico na Doutrina o Direito dos acusados incriminados pela Colaboração ao Confronto sobre as declarações do Colaborador, bem como à Ampla Defesa que se estende sobre eventuais provas por ele indicadas em sua oitiva Judicial. Para além da Doutrina “é farta a jurisprudência dos Tribunais superiores brasileiros, consolidando a imprescindibilidade do direito ao confronto na colaboração premiada”[3].

Essa é a razão pela qual exsurge com extremo relevo a necessidade de se ordenar a Instrução Criminal, de modo fixar a oitiva do Colaborador como primeiro ato da Instrução Criminal. Ora, o Colaborador não é um simples acusado, tampouco uma simples testemunha, e suas declarações podem constituir prova com potencial de condenação, e se é prova com potencial de condenação, tem que ser colocada primeiro. Essa é a única forma de se dar efetividade ao Direito ao Confronto e assegurar a Ampla Defesa.

Sabe-se que a Defesa tem o direito de produzir contraprova sobre toda prova com potencial de condenação. Assim, tal como o próprio Acordo de Colaboração tem que ser aberto quando o Processo começa, no primeiro momento, conforme artigo 7º, § 3º da Lei 12.850/2013, de mesmo modo a oitiva do Colaborador deve ocorrer na abertura da Instrução, como primeiro ato, antes da oitiva de qualquer testemunha, tanto de Acusação quanto de Defesa. Tal raciocínio decorre da própria inteligência do artigo 7º, § 3º da Lei 12.850/2013, sendo o simples desdobramento de sua disciplina recaindo sobre a Instrução Criminal.

Ora, a disciplina legal do Instituto da Colaboração Premiada fixa que só há benefício para o Colaborador se alcançados os resultados. Mas os resultados devem ser causalmente vinculados à Colaboração. Se o Colaborador não é o primeiro a ser ouvido, essa aferição fica prejudicada. Em havendo Colaboração a Instrução servirá para corroborar ou fazer desmoronar o conteúdo das declarações do Colaborador, por isso sua oitiva há de ser o primeiro ato da Instrução.

Acaso não se observe rigorosamente este critério, pode-se acabar gerando algo inaceitável. Acaso se proceda à oitiva do Colaborador após o início da produção da prova testemunhal, gerar-se-á para este a oportunidade de refutar ou tentar refutar o depoimento das testemunhas que eventualmente desconstruam suas declarações fornecidas quando da celebração do Acordo. Data venia, ao Colaborador não é reservado tal Direito. O Direito ao Confronto e à Garantia da Ampla Defesa não amparam ao Colaborador, mas sim aos imputados que tenham sido incriminados em sua Colaboração.

De mesmo modo, a oitiva do Colaborador posterior à oitiva de alguma testemunha que eventualmente corrobore os relatos previamente prestados por este quando do ajustamento do Acordo, possibilitará a este meramente reproduzir o que tal testemunha tenha afirmado para, assim, já conhecendo a prova produzida em Juízo, fixar-se nesta e homiziar-se em relação aos demais questionamentos, criando um simulacro de corroboração.

Com efeito, primeiro se procede à oitiva do Colaborador para depois, através da Instrução Contraditória, verificar se a prova produzida em Juízo corroborará ou não o que ele disse. Não se produz primeiro a prova em Juízo para que depois possa o Colaborador guiar-se pela mesma para parecer coerente. Se suas declarações precisam ser corroboradas (ou desacreditadas), obviamente deve ela ser o primeiro ato da Instrução.

Ouvir o Colaborador depois de já inquiridas as testemunhas, impedirá que o exercício da Ampla Defesa se estenda sobre eventuais provas por ele indicadas em sua oitiva, pois não terá a Defesa a possibilidade de produzir provas ou contraprovas orais em confronto ao declarado pelo Colaborador, vez que já operada a preclusão consumativa em relação às testemunhas já inquiridas. Isto cria uma verdadeira e ilegal “cilada processual” para os delatados, que veem a Ampla Defesa ser mandada às favas com tal expediente.

Quando ocorre a situação em que o Colaborador também é codenunciado pode surgir discussão sobre o momento de sua oitiva: se como primeiro ato da Instrução em Audiência específica para tanto, se no Interrogatório ao término da Instrução, ou se em ambos os momentos. Porém, realizando-se sua oitiva como primeiro ato da Instrução assegura-se inclusive para o próprio Colaborador a possibilidade de efetivo Contraditório, na medida em que terá toda a Instrução Criminal para produzir prova que corrobore suas declarações.

Por estas razões, quais sejam, por não ser o Colaborador mera testemunha e pela imprescindibilidade de realizar sua oitiva como primeiro ato da Instrução Criminal é que não se aplica à oitiva do Colaborador e, portanto, à Carta Precatória expedida para ouvi-lo fora da sede do Juízo, o raciocínio do 222, § 1º do Código de Processo Penal, destinado à oitiva de testemunhas. Trata-se o Colaborador uma categoria própria de natureza sui generis, cuja posterior oitiva das testemunhas se destina, como já pontuado, a corroborar ou não o que o mesmo disser em Juízo.

Com estas suscintas considerações, visando contribuir para o amadurecimento do debate acerca do regramento do Instituto da Colaboração Premiada, sustenta-se que em Juízo, acaso requerida por qualquer das Partes da oitiva do Colaborador, tal oitiva deve se ocorrer como primeiro ato da Instrução criminal, em audiência específica para tal fim.

 

Notas e Referências

[1] VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração Premiada no Processo Penal, 2ª ed., São Paulo: Thomson Reuters, 2018, p. 76.

[2] Idem, ibidem, p. 75.

[3] Idem, ibidem, p. 124.

 

 

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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