Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan
A moda sempre foi debatida em alguma perspectiva na sociedade. Portanto, o principal objetivo aqui é trazer uma nova observação para o debate: a busca incessante pela diferenciação social por meio da moda, utilizando a lógica do quiet luxury e loud luxury. É importante destacar, primeiramente, a evolução na moda: desde a Alta Costura, uma perspectiva completamente elitista e autocrática, em que somente pessoas da nobreza teriam o poder aquisitivo e o “luxo” de poder se preocupar com suas vestimentas, até a revolução democrática do prêt-à-porter (ready to wear ou pronto para usar), em que o povo teve a oportunidade de consumir o que antes era inacessível.
No passado, com a moda de cem anos, funcionava como um sistema de “exclusão autoritária”. Entretanto, com a democratização da moda e a redução da importância social atribuída ao vestuário, inicia-se um novo regime baseado na imitação da moda. Durante séculos, a moda era ditada pela aristocracia e pela corte, resultando em uma situação de que as “camadas inferiores copiavam invariavelmente as maneiras e as toaletes das classes superiores”[1]. Agora, pergunta-se: hoje em dia, é diferente? As classes mais baixas sempre buscam o reconhecimento e ascensão social, de uma forma ou de outra, procurando a inclusão em uma classe superior à sua, seja através de suas roupas, seu carro ou até mesmo seu comportamento. No entanto, Lipovetsky[2] afirma que a moda é dotada não apenas para se distinguir das classes inferiores ou exibir posição específica, mas também para “mudar, agradar, exprimir uma individualidade”. Ele sustenta que a moda é cada vez menos um meio de distanciamento social e cada vez mais um instrumento de uma distinção individual e estética, de maneira que seu pensamento está muito ligado ao narcisismo e a busca pela a individualidade pessoal. Até certo ponto, concorda-se com ele. A moda está intimamente ligada à busca pela estética, pela novidade, pelo diferente. Contudo, ainda se nota cada vez mais que a moda atual é uma maneira de haver um distanciamento social entre pessoas. A busca pela inclusão em uma classe social superior pode ser feita através da moda, buscando o luxo, a grife e a ostentação, de forma a procurar ao mesmo tempo o reconhecimento e a diferenciação social de seus iguais. A partir disso, surge a “loud luxury”.
Loud luxury é quando os produtos têm sinais visíveis e facilmente reconhecíveis da marca de luxo pelo público em geral. A motivação para a compra desse tipo de luxo é pela busca de status social e reconhecimento, engrandecendo a sua imagem perante seus iguais[3]. Nessa lógica, a incessante busca do povo por inclusão no mundo da elite é explorada pelas marcas de luxo em suas coleções de prêt-à-porter, que utilizam os logos de forma exuberante, com a necessidade de mostrar a todos que determinada peça é de uma marca de luxo. Isso está ligado a parte da sociedade que tem a denominação de “new money”. Os new money necessitam dessa constante afirmação de status e poder, pois são “novos” no mundo elitizado. Por outro lado, o chamado quiet luxury refere-se a um luxo discreto, de alta qualidade, no qual os consumidores, chamados de "old money", não precisam destacar seu status, pois já fazem parte da elite há décadas. Seus pares conseguem identificar o produto sem a necessidade de deixar a marca completamente evidente.
O consumo do quiet luxury está em ascensão, por conta de que muitas marcas de luxos estão adotando uma nova estratégia chamada de “masstige luxury”, que tornam os produtos de luxo mais acessíveis e democráticos para um público mais amplo. Assim, em busca de diferenciar-se novamente das massas e recuperar a exclusividade e a superioridade, os consumidores de elite agora procuram por um luxo discreto que sejam sutis, mas distintos, em contraste com o consumo exibicionista e ostentatório do loud luxury[4].
Lipovetsky[5] apresenta uma evolução de como a moda é observada, destacando a importância da individualidade e autonomia pessoal em vez da busca pela diferenciação social. Nesse ponto, há uma discordância parcial em relação ao autor. Atualmente, a moda está muito mais vinculada à busca pela diferenciação e distanciamento social do que à individualidade e autonomia pessoal. Seja através da loud luxury ou da quiet luxury, ambas transmitem uma mensagem de como o individuo deseja ser percebido pela sociedade e pelos seus pares. Existe a necessidade de ascender socialmente com marcas de luxo, a fim de demonstrar um status econômico e obter o reconhecimento de possuir o capital suficiente para adquirir esse loud luxury, ou a busca pelo distanciamento das massas e a negação de querer usar marcas de grife que “gritem” que são marcas de grife com a quiet luxury.
Existem exemplos interessantes na cultura pop para dar concretude ao que foi dito nessa coluna. Um desses exemplos é a séria da HBO MAX intitulada de “Succession”. A trama retrata a história de uma família bilionária que é proprietária de uma empresa responsável por grande parte da mídia norte-americana. É uma realidade incomensurável para pessoas dadas como “comuns”, em que a normalidade para eles é pegar um helicóptero para qualquer lugar ou um jato particular para visitar conhecidos. Nessa série, o conceito de quiet luxury é muito bem ilustrado, onde todas as roupas são de luxo, porém não exibem vestígio algum do logo da marca, pois não há necessidade e nem desejo de exibi-la.
No primeiro episódio da 4º temporada, no minuto 19:34, os personagens “Greg” e “Tom”, que estão inseridos no mundo dos bilionários, observam a acompanhante de Greg usando uma bolsa de loud luxury. Tom ironiza a bolsa de luxo, comentando que ela é “desproporcionalmente grande” e brinca dizendo que ela provavelmente carrega “sapatos para o metrô” e “marmitas” dentro da bolsa. Ele completa que todos estavam rindo da acompanhante de Greg.[6] Essa cena demonstra o cenário ideal de tudo que foi debatido nessa coluna. Para as massas, a bolsa mostrada é um produto de luxo, de uma marca conhecida por seu design e cores, e provavelmente custou milhares de dólares. É a busca incessante do público massa em demonstrar o luxo como uma forma de ascensão social e reconhecimento. As marcas de luxo se aproveitam desse desejo e criam produtos grandes com seus logotipos de forma "chamativa", atendendo à necessidade das massas de serem incluídas na elite. No entanto, há um paradoxo. Para a “elite da elite” esse tipo de produto é motivo de piadas e deboches. Essa necessidade de mostrar a todos que se possui um produto de luxo é uma construção social das massas para perseguir um lugar e reconhecimento na elite, mas na verdade é apenas uma forma de se destacar entre seus pares, pois os verdadeiros burgueses (os que detêm os meios de produção) não sentem a necessidade real de mostrar o luxo, pois eles já fazem parte da "verdadeira elite".
Por fim, após todas as observações feitas nesta coluna, percebe-se um desejo constante das diferentes classes sociais de se diferenciarem umas das outras, e as marcas de luxo perceberam essa demanda, capitalizando ainda mais seus lucros. Através da loud luxury, as marcas proporcionaram uma oportunidade consumo mais democrático, embora ainda extremamente elitista, de seus produtos. As marcas de grife capitalizaram a loud luxury para uma parcela das massas que anteriormente não tinha acesso aos produtos de luxo. Dessa forma, criaram um novo mercado de quiet luxury para a verdadeira elite, que buscava recuperar a exclusividade que sempre desfrutou, não desejando mais consumir produtos que, mesmo sendo de luxos, outra parte da população também passou a usar. Consequentemente, a nova abordagem de ser discreto em relação às roupas e produtos permitiu que a verdadeira elite se distanciasse novamente das pessoas consideradas "comuns". Cada vez mais, observa-se a necessidade das elites de se distanciarem dos demais e, portanto, criarem novas formas de serem exclusivos. A moda desempenha um papel fundamental nesse processo, servindo como uma ferramenta auxiliar para concretizar esse objetivo.
Notas e referências
[1] LIPOVETSKY, Gilles. Império Efêmero: A moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. E-book. Pág. 128. Disponível em: https://www.academia.edu/33596055/O_Imperio_do_Efemero_Gilles_Lipovetsky.
[2] LIPOVETSKY, Gilles. Império Efêmero: A moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. E-book. Pág. 129.
[3] JIANG, Yi; CUI, Geng; SHAN, Juqin. Quiet versus loud luxury: the influence of overt and covert narcissism on young Chinese and US luxury consumers’ preferences. Journal of Business Research, v. 138, nº 2, p. 309-334, 2022. Pág. 312-313. Disponível em: https://doi.org/10.1108/IMR-02-2021-0093.
[4] ECKHARDT, Giana M.; BELK, Russell W.; WILSON, Jonathan A.J. The rise of inconspicuous consumption. Journal of Marketing Management, v. 35, p. 1-20, 2015. Pág. 4. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1080/0267257X.2014.989890; JIANG, Yi; CUI, Geng; SHAN, Juqin. Quiet versus loud luxury: the influence of overt and covert narcissism on young Chinese and US luxury consumers’ preferences. Journal of Business Research, v. 138, nº 2, p. 309-334, 2022. Pág. 313.
[5] LIPOVETSKY, Gilles. Império Efêmero: A moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. E-book.
[6] OS MONSTROS. SUCCESSION, [série de TV]. Nova York: HBO MAX, 2022. Episódio 1, temporada 4.
ECKHARDT, Giana M.; BELK, Russell W.; WILSON, Jonathan A.J. The rise of inconspicuous consumption. Journal of Marketing Management, v. 35, p. 1-20, 2015. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1080/0267257X.2014.989890.
JIANG, Yi; CUI, Geng; SHAN, Juqin. Quiet versus loud luxury: the influence of overt and covert narcissism on young Chinese and US luxury consumers’ preferences. Journal of Business Research, v. 138, nº 2, p. 309-334, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1108/IMR-02-2021-0093.
LIPOVETSKY, Gilles. Império Efêmero: A moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. E-book. Disponível em: https://www.academia.edu/33596055/O_Imperio_do_Efemero_Gilles_Lipovetsky.
OS MONSTROS. SUCCESSION, [série de TV]. Nova York: HBO MAX, 2022. Episódio 1, temporada 4.
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