Do limite para contratação decorrente da Lei de Responsabilidade Fiscal

13/05/2023

A prestação de serviços públicos exige um grande número de servidores, de modo que a despesa com o pagamento desses servidores é, quase sempre, a maior parcela de gastos dos entes federativos.

No que se refere à Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/00) o dispositivo legal a que nós devemos ater é o art. 21:

"Art. 21 - É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda:

I- as exigências dos art. 16 e 17 desta Lei Complementar, e o disposto no inciso XIII do art. 37 e no § 1º do art. 169 da Constituição;

II- o limite legal de comprometimento aplicado às despesas com pessoal inativo.

Parágrafo único - Também é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento de despesa com pessoal expedido nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido no art. 20." (grifamos).

De maneira diversa da Lei 9.504/97, a LRF não traz explicitamente exceções à regra do parágrafo único do art. 21. A norma é genérica, devendo, pois, ser interpretada de modo sistemático e teleológico, compreendendo, obviamente, a Constituição Federal e a legislação eleitoral, já que menciona mandato. É, porém, mais ampla, abrangendo os três Poderes, o Ministério Público e o Tribunal de Contas.

De antemão, já podemos afirmar que todas as exceções do inciso V, do art. 73, da Lei 9.504/97, cumpridas as exigências do inciso I, do artigo em comento, também são válidas para dito parágrafo único – isto porque bastaria tal norma genérica para inviabilizar, sem razão justificável, as exceções previstas na Lei Eleitoral. Ambas as legislações dispõem sobre vedações no segundo semestre de ano eleitoral (três meses que antecedem o pleito e até a posse dos eleitos é aproximadamente o mesmo que cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato).

Logo, no segundo semestre de ano eleitoral, atendido o inciso I, do art. 21, da LRF, é permitida a nomeação: dos aprovados em concursos públicos homologados até três meses antes do pleito; para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República; de cargos em comissão e designação de funções de confiança; e contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo.

Não faz sentido o Estado necessitar de pessoal para prestação de serviço público (caput, do art. 175, CF/88), com previsão orçamentária para tanto, e ser vedada, pura e simplesmente, a nomeação, tendo em vista a disposição do parágrafo único do art. 21 da LRF. A interpretação literal do preceito provocaria situações caóticas. Não é ocioso lembrar aqui do princípio da continuidade do serviço público.

Vamos imaginar um caso em que o prazo de validade de um concurso público homologado, já prorrogado uma vez, se esgotará no segundo semestre de ano eleitoral, e que, nesse momento, surja a oportunidade e necessidade da nomeação: seria ilícita a nomeação dos aprovados, mesmo havendo dotação orçamentária suficiente?

De modo algum. Não há impedimento legal (Lei Eleitoral e LRF). Pelo contrário, na correta interpretação, sobressaem os princípios da indisponibilidade do interesse público, da eficiência e da continuidade do serviço público.

A razão lógica da norma é evitar o endividamento no final do mandato (princípio da moralidade administrativa), porquanto diz o art. 1º da LRF que esta estabelece normas de finanças públicas com intuito de responsabilidade na gestão fiscal. Se há interesse público e orçamento suficiente, é o que basta.

Posto isto, vejamos a rara doutrina e exemplos concretos.

Esclarece a auditora Rosane Heineck Schimtt sobre o parágrafo único do art.21 da LRF, no brilhante Parecer 51/2001 do TCE/RS:

"A esta conclusão se chega quando se constata que o objetivo daquele dispositivo da LRF é impedir o endividamento em final de mandato, legando dívidas ao sucessor e subjugando-o a atos de império do gestor público anterior, praticados em seu exclusivo interesse pessoal, sendo objetivo daquela norma impor ‘maior seriedade no exercício do poder de gasto’, como bem assinala Carlos Pinto Coelho da Mota". (grifamos).

Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados: I – União: 50% (cinquenta por cento); II – Estados: 60% (sessenta por cento); III – Municípios: 60% (sessenta por cento).

GASTOS COM PESSOAL

Na LRF, há limites de gastos com pessoal, como percentual das receitas, para os três Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, assim distribuídos:

Nos Estados, os limites máximos para gastos com pessoal (60% da Receita Corrente Líquida) serão:

- 3% para o Poder Legislativo, incluindo o Tribunal de Contas

- 6% para o Poder Judiciário

- 2% para o Ministério Público

- 49% para as demais despesas de pessoal do Executivo.

Nos Municípios, os limites máximos para gastos com pessoal (60% da Receita Corrente Líquida) serão:

- 6% para o Legislativo, incluindo o Tribunal de Contas

- 54% para o Executivo.

Ultrapassado o teto efetivo de gastos com pessoal (54%), então o município terá 8 (oito) meses para corrigir os excessos e, para isso, a LRF previa que, dentre as atitudes a serem tomadas, seria possível, segundo o artigo 23, §§ 10 e 20, a redução de valores de cargos e funções, bem como redução temporária de jornada de trabalho e a consequente redução dos vencimentos.

A Lei Complementar 178/2021, estabeleceu um programa de estabilidade fiscal, de estados e municípios criando condições mais favoráveis para a quitação de dívidas com a União, amparado no preceito da transparência. Dentre os benefícios, houve uma ampliação de 6 para 9 anos no prazo do plano para reequilíbrio das contas, e além disso, a LC permite que governadores e prefeitos endividados voltem a contratar empréstimos com a autorização do governo federal.

O objetivo da lei foi de promover o equilíbrio fiscal de estados e municípios – principalmente considerando os impactos da COVID-19 nas contas públicas – e facilitar o pagamento de dívidas contraídas com a União Federal. O texto da Lei Complementar 178/2021 permitiu que estados e municípios com baixa capacidade de pagamento voltasem a contratar operações de crédito com o aval do governo federal. Novamente, a condição para que a prática seja possível é a adoção de medidas de ajuste fiscal pelos estados e municípios.

Observar a flexibilização da LRF pelo art. 15, da Lei Complementar 178/2021: “Art. 15. O Poder ou órgão cuja despesa total com pessoal ao término do exercício financeiro da publicação desta Lei Complementar estiver acima de seu respectivo limite estabelecido no art. 20 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, deverá eliminar o excesso à razão de, pelo menos, 10% (dez por cento) a cada exercício a partir de 2023, por meio da adoção, entre outras, das medidas previstas nos arts. 22 e 23 daquela Lei Complementar, de forma a se enquadrar no respectivo limite até o término do exercício de 2032”.

 

Notas e Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 07 de mai. de 2023.

BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm>. Acesso em: 07 de mai. de 2023.

BRASIL. Lei Complementar nº 178, de 13 de janeiro de 2021. Estabelece o Programa de Acompanhamento e Transparência Fiscal e o Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp178.htm>. Acesso em: 07 de mai. 2023.

 

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