DO FATO JURÍDICO DO DIREITO AO RECURSO – 7ª PARTE

24/09/2019

Dando sequência, depois de apresentada a problemática da recorribilidade, é momento de analisar os vários problemas que a compõem. Para cada um deles, um texto específico será dedicado. O de hoje é referente ao locus normativo próprio ao estabelecimento dela. Para facilitar a compreensão, a numeração seguirá a partir da última, sendo a (3.2.1) o marco deste reinício.

3.2.1. Da recorribilidade: locus normativo

Sabendo ser a recorribilidade uma qualidade atribuída a decisões, por óbvio já se deduz que isso tem uma causa, cuja ocorrência há de ser demonstrada.

Em termos mais próprios da Dogmática Jurídica, a ideia de recorribilidade é relativa à atribuição de algo a alguém, um direito subjetivo, mais especificamente. Não que ela seja por si só suficiente para tanto, já que se trata apenas de um dos elementos necessários a essa atribuição. Mas sua razão de existir, ao menos na estrita juridicidade, é a de possibilitar o direito ao recurso.

Tem-se, com isso, a ideia de atribuição como base da recorribilidade, algo que aponta para o caminho correto da descoberta de sua causa. Desse modo, sendo a atribuição uma forma de imputação[1], resta comprovado que a recorribilidade depende de uma previsão normativa, visto que a imputação é o dado substancial das normas (Lourival Vilanova). Resta saber, porém, que tipo de norma, mais especificamente jurídica, é hábil para tanto. Aqui, está-se no âmbito do locus normativo, tomando-se a expressão locus como previsão, especificação, delimitação, tendo a ver, assim, com a ideia de texto normativo, isto é: lei, costume, precedente, negócio jurídico etc.

Por isso, constitui-se tema de suma importância, que pode ser sintetizado na seguinte pergunta: que tipo de texto normativo pode prever recorribilidade?

A resposta não pode ser dada aprioristicamente, porque, tendo a ver com o fundamento da validade (no sentido ponteano do termo) das normas jurídicas, é matéria afeita aos sistemas jurídicos considerados individualmente.

No caso brasileiro, é algo que perpassa, obviamente, pelas disposições constitucionais acerca da regulação do processo, mais especificamente, do procedimento[2]. Ou seja, nos termos do art. 22, I, CRFB, é matéria afeta à lei federal.  

Alude-se à ideia de procedimento não por ser elemento dele o fato jurídico recursal, mas sim por este ser-lhe necessário. Consoante já se definiu, sendo o recurso ato de procedimento, notadamente quando princípio de um, caso da apelação, o direito a ele – efeito do fato jurídico recursal – somente pode ser matéria atinente ao âmbito procedimental, já que deste é verdadeira condição de possibilidade. Em termos normativos, os requisitos obrigatórios à regulação de algo devem também ser observados quando da regulação da causa desse algo. Logo, se é necessária lei federal para criar procedimentos, é, até com mais razão, necessário o mesmo tipo legislativo para estabelecer o direito ao procedimento, incluindo-se, por óbvio, o fato jurídico que o produz.     

Eis a fundamentação analítica da ideia de taxatividade recursal. Esta tem a ver com a recorribilidade, mais propriamente, com o tipo de locus normativo necessário a estabelecê-la. Por ela, enfim deve-se entender a reserva legal para a previsão de recursos.

Dito isso, alguns problemas apresentam-se: i) por que outros tipos de textos normativos, como o precedente, o costume e o negócio jurídico, não podem prever recursos ou, noutras palavras, qual o porquê dessa reserva legal? ii) leis estaduais não poderiam, de acordo com o art. 24, XI, CRFB? iii) de que modo a tipicidade se dá na taxatividade recursal?

Cada uma dessas perguntas será objeto de um texto próprio.  

 

Notas e Referências

[1] Nem toda imputação é atributiva. Explica-se. Posto que possa ser utilizado como sinônimo de imputar (a responsabilidade civil é atribuída ao causador do dano, e. g.), o verbo atribuir serve também para designar um ato de conferir, de dar. Nesse sentido, pode-se dizer que a lei atribui ao prejudicado por uma decisão o direito de recorrer ou, metonimicamente, a lei atribui à decisão recorribilidade. Atribuir, neste caso, está como função positiva da imputação: a norma incide para conferir algo – em geral, um direito ou poder – a alguém. Há, todavia, normas que incidem não para tal finalidade, mas sim, num (quase) exato oposto, retirar algo de alguém: é o caso, por exemplo, das regras que estabelecem preclusões. Por essa polissemia, não deve o jurista equiparar os termos imputação e atribuição, devendo reservar o último, tal como feito acima, a um dos tipos possíveis do primeiro. 

[2] Como dito alhures, no sentido de âmbito processual, a ideia de processo é muito mais ampla do que a de procedimento.

 

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