Discussões sobre uma possível inconstitucionalidade da coleta de material genético para identificação criminal

05/05/2016

Por Bruno Cavalcante Leitão Santos e Mirna Ludmila Lopes Castanha de Souza - 05/05/2016

A identificação criminal sempre fora uma das questões mais problemáticas no procedimento de apuração das condutas delitivas, desde enquanto procedimentos administrativos – inquérito policial -, até a sua judicialização, momento em que se busca a conversão dos indícios – em que o in dubio pro societate já obriga a atuação do Ministério Público - em prova, confirmando, ou não, o opinio delicti do referido órgão.

A produção do conteúdo probatório perpassa por uma zona nebulosa de interesses distintos, o que não torna necessário transformar o polo passivo da lide criminal em inimigo de Estado – discurso típico do Direito Penal do Inimigo[1] -, mas sim como polos autorreguladores, em que sociedade e vítima, buscam comprovar suas alegações, em que o ponto nodal é a busca pelo equilíbrio na efetividade da coerção, ao passo em que se respeitam direitos fundamentais individuais.

A Constituição Federal de 1988 declara expressamente que o civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei, o que passa a se materializar com eficácia plena com a Lei de Identificação Criminal (Lei nº 12.037/09), trazendo as modalidades específicas, bem como as exceções não previstas no texto da Carta Magna.

Ocorre que com a Lei nº 12.654/2012, é acrescida a modalidade de identificação por material genético, que em um de seus discursos fundamentadores, busca trazer mais segurança jurídica, evitando hipóteses de erro judiciário.

Contudo, tal argumento demonstra clara fragilidade quando atrelado a coleta invasiva, em confronto a princípios processuais penais, tendo em vista a banalização da intervenção corporal, o que representaria uma grave violação a privacidade, a integridade física, o direito de não produzir prova contra si mesmo, e consequentemente o núcleo hermenêutico de todos esses direitos, a dignidade da pessoa humana.

A identificação criminal por perfil genético, indiscutivelmente, apresenta-se como método inovador e eficaz no auxílio da justiça penal, o que contribui significativamente nas investigações criminais, contudo sua eficácia está condicionada a uma comparação entre o material encontrado no local do delito e aquele a ser oferecido pelo suspeito.

Uma das grandes problemáticas dessa obrigatoriedade se refere às provas invasivas (administração de substâncias ou introdução de instrumentos em cavidades naturais do corpo humano), visto que se chocam o direito de não produzir prova contra si mesmo, que decorre da presunção de inocência e do direito de defesa negativa, em que se consagra o estado de inocência como uma imunidade natural – expresso na CF/88, e assimilado pelo Pacto de São José da Costa Rica e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos -, em não se autoacusar, transferindo ao órgão acusatório ônus da prova.[2]

A inconstitucionalidade dessa coleta de provas não se dá pela mera técnica invasiva quanto a sua coleta, mas sim quando não estiver vinculada ao consentimento prévio do acusado, não podendo ser constrangido a contribuir ativamente com as investigações, sobretudo mediante o fornecimento de material biológico que possa vir a incriminá-lo posteriormente, afrontando diretamente o princípio do nemo tenetur se detegere, ao passo que não serviria para fundamentação judicante para confissão tácita dos fatos alegados.[3]

Outro fato que corrobora a preocupação, é que a lei não prevê por quanto tempo esses dados ficarão disponíveis para consulta, gerando uma condição estigmatizante de natureza perpétua para o apenado, baseados no discutível “princípio da eficiência” de uma lei de contornos claramente inquisitórios, o que deve ser trabalhado a uma analogia in bonan partem associado mesmos efeitos do instituto da prescrição do crime.

Um dos defensores da coleta de material genético, Eugênio Pacelli, critica o cadastro genéticos nacional de condenados, em virtude “transcendência exponencial da Segurança Pública, incompatível com o Estado de Direito e as liberdades públicas. A pessoa, em semelhante cenário, passaria do estado (situação) de inocência para o estado de suspeição” [4].

Que o instituto é um avanço? Sem dúvida! Que sua regulamentação foi adequada? Definitivamente não!

O que se espera, minimamente, de um Estado de Direito, é o respeito a garantias individuais contra o excesso de procedimentos inquisitórios, em virtude da essência fragmentária do Direito Penal, ou seja, deve haver a compatibilidade entre as pretensões pro societate e pro reu, em que o último, em virtude de sua posição inferior na relação verticalizada de poder, frente aquele que detém a exclusividade da violência, deve sempre ter normas contrapostas a seus interesses que passem previamente pelo filtro da Constituição Federal.

A lei, em essência, pode ser constitucional, desde que se desvincule a coleta da obrigatoriedade de provas invasivas (aceitando aquelas não invasivas, inclusive de material genético encontrado no local do delito), e de um banco de dados vinculado ao lapso temporal dos efeitos da pena, em que fora coletados tais elementos probatórios.


Notas e Referências:

[1] JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ, Manuel. Derecho Penal del inimigo. Madrid: Civitas, 2003. p. 48.

[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 247.

[3] LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 647-648.

[4] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 399.


Bruno Cavalcante Leitão Santos. Bruno Cavalcante Leitão Santos é Doutorando em Direito pela PUCRS. Mestre em Direito Público pela UFAL. Coordenador Adjunto do IBCCrim em Alagoas. Professor de Direito Penal do Centro Universitário Cesmac e Faculdade de Maceió – FAMA. E-mail: brunoleitao.adv@hotmail.com. . .


Mirna Ludmila Lopes Castanha de Souza. . Mirna Ludmila Lopes Castanha de Souza é Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Cesmac. Membro associada do IBCCrim. E-mail: milacastanha@hotmail.com . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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