Discriminação estética e suas implicações no Direito do Trabalho

25/09/2018

Coluna Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini

Prezado (a) Leitor (a),

Imagem! Esta parece ser uma das palavras que prevalece no mundo contemporâneo, com o advento das redes sociais.

Afinal, uma imagem muitas vezes tem o poder de substituir qualquer palavra, não é mesmo?

Antes de tudo é importante enfatizar a teoria proposta por Pierre Bourdieu, sociólogo francês, a qual considera o corpo como materialização das disposições aprendidas devido à localização do agente na estrutura social.

Então, indaga-se: as relações de trabalho, o empregador pode pregar este culto à aparência?

Lá vem você, Anita, com o dom das interrogações.

Caríssimo (a), respondo agora mesmo, calma:

Não, salvo se com razoabilidade.

# Discriminação estética

A estética é um fator de discriminação se utilizada como critério imprescindível no âmbito da relação laboral. Nela exige-se a “boa aparência”.

Com a discriminação estética a capacidade intelectual não é valorizada e sim como a pessoa se apresenta esteticamente.

Sim, Anita. E o poder diretivo do empregador, morreu foi? Qual é o problema do empregador só querer “pessoas impecáveis” trabalhando para ele.

Um dos problemas é a “aschimofobia”, querido (a)!

É o que , menina?

Bom, talvez o senhor (a) ainda não tenha lido o artigo do Miziara que trata sobre o tema. Recomendo fortemente :

http://ostrabalhistas.com.br/aschimofobia-o-que-hooters-e-abercrombie-tem-ver-com-isso/

Se já leu, ótimo! Pois aqui darei apenas uma “pincelada” no conceito

# “Aschimofobia”

Aschimofobia é o preconceito com o feio. Aschimos, significa "feio", em grego. É uma forma de discriminação estética. Na seara laboral, é percebida quando na seleção e mantença do emprego, é utilizado o critério da aparência pessoal para contratação ou manutenção da vaga. Insta esclarecer que este tipo de discriminação engloba outras.

# Poder diretivo

Então, Dileto Leitor (a), de fato existe no direito do trabalho o poder diretivo do empregador. Este se caracteriza pela faculdade atribuída ao empregador de determinar o modo como a atividade do empregado, em decorrência do contrato de trabalho, deve ser exercida.

O fato de o empregador exigir determinada aparência configura abuso do poder diretivo. Este deve se coadunar com a intimidade, privacidade e liberdade do empregado. A subordinação é de natureza jurídica (em relação ao contrato de trabalho) e não se confunde com a subordinação pessoal (vida particular do empregado - artigo 5°, X, CF).

Nota-se, portanto, que o mencionado poder detém limites constitucionais, ou seja, alguns princípios impedem que este poder seja exercido de forma indiscriminada. Dentre eles está o da dignidade da pessoa humana, não discriminação e igualdade. Frise-se que estes vão ser abordados de maneira muito breve nas linhas a seguir.

# Princípio da dignidade da pessoa humana

Nunes (2007) estabelece que a “dignidade humana é um valor a ser preenchido a priori, isto é, todo ser humano tem dignidade só pelo fato de ser pessoa” e acrescenta que é garantia ilimitada se não ferir outra, não se pode violar a dignidade de outrem.[1] Barcellos (2011) completa que a dignidade da pessoa humana “descreve uma realidade complexa[...] Um aspecto da dignidade humana poderá ter consequências não apenas sobre o aspecto diretamente manipulado, mas também sobre outros”.[2]

No mesmo diapasão Sarlet (2008) afirma que a dignidade da pessoa humana é:

A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante ou desumano, como venham a lhe garantir condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. [3]

# Princípio da não discriminação

No ordenamento jurídico pátrio o princípio da não discriminação esta assegurado no texto constitucional e na lei infraconstitucional. Este é importante no Direito Laboral e veda a discriminação estética.

# Princípio da igualdade

Está disposto no artigo 5°, caput, CF, segundo o qual todos sem iguais perante a lei. Sendo assim, não pode existir discriminação em razão da idade, sexo, cor, origem da pessoa inclusive no que tange ao trabalho, tal exigência é inconstitucional.

 Anita!

Oi, pode dizer.

Depois da explanação destes princípios acho que agora captei. Veja, quer dizer que o empregador não pode ser “preconceituoso” com as suas escolhas.

Isso! É mais ou menos por aí.

Ah, criatura! Mas será que você não pode falar mais um pouquinho sobre estes “fatores de discrímen”?

Claro, acho este tema interessantíssimo. “Vamos nessa”.

São fatores que caracterizam a discriminação estética: proibição de contratar ou de continuar a relação de trabalho com pessoas que tenham tatuagens, cabelos coloridos, em virtude da vestimenta religiosa, dentre outras.

# Tatuagem e piercings

Este assunto ainda é tratado com tabu no mercado de trabalho. Inúmeras pessoas criticam o uso destes acessórios e acreditam que estes são capazes de retirar a credibilidade do profissional.

O tema é tão polêmico que até foi debatido pelo Supremo Tribunal Federal.

Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), julgou inconstitucional a proibição de tatuagens a candidatos a cargo público estabelecida em leis e editais de concurso público. Foi dado provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 898450, com repercussão geral reconhecida, em que um candidato a soldado da Polícia Militar de São Paulo foi eliminado por ter tatuagem na perna. “Editais de concurso público não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais, em razão de conteúdo que viole valores constitucionais”, foi a tese de repercussão geral fixada.[4]

Sugere-se, portanto, que este também deve ser o entendimento adotado nas relações privadas.

# Peso

Em dezembro de 2014 decisão do Tribunal Europeu foi veiculada pela mídia, esta tratava a obesidade já pode ser tipificada como deficiência. O acórdão, em princípio, protegeria os obesos contra qualquer forma de discriminação em decorrência do peso. O entendimento nasceu em virtude de um empregado de 160 kg ter sido o único encarregado dispensado e sem justificativa.[5]

No Brasil, não é raro ver apelidos e a discriminação contra os que estão acima do peso. Vale ressaltar que no âmbito laboral a discriminação também se faz presente.

A título de exemplo:

DANO MORAL. FASE PRÉ-ADMISSIONAL. OBESIDADE. DISCRIMINAÇÃO. A empresa não é obrigada a admitir candidato que se apresenta para submeter-se a teste seletivo. Entretanto, excluí-lo do procedimento pré-admissional fundado na sua condição física (obesidade) pratica ato discriminatório que justifica a sua condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Recurso de Revista de que não se conhece.

(TST - RR: 4103007920085090654 410300-79.2008.5.09.0654, Relator: João Batista Brito Pereira, Data de Julgamento: 15/06/2011, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/06/2011)

# Religião

O Brasil estabelece que o Estado configura-se como laico (aquele que não pertence ao clero nem a uma ordem religiosa; leigo). De outro modo, não é raro ver empregados não serem contratados em virtude de suas crenças. Seja pela vestimenta, pelos rituais que adotam ou em virtude de não poder trabalhar aos sábados.

  # Cabelo

A modernidade trouxe diversos tons aos cabelos. Entretanto alguns empregadores deixam de contratar em virtude de colorações não convencionais.

Exemplificando:

 A reclamada, em contestação, admitiu que a autora fora dispensada pela existência de mecha azul em seu cabelo, inclusive, aduzindo que a reclamante, depois das reiteradas penalidades, não se adequou ao Código de Ética da empresa.A confissão perpetrada pela reclamada, de imediato, denota a reiterada punição da reclamante por conta de sua apresentação pessoal, pois no dia 11/3/, aplicou-se advertência; no dia imediatamente subsequente, 12/3/2015  a autora foi suspensa por 3 (três) dias; seguidamente após o término da suspensão, em 17/3/2015 foi novamente suspensa por 5 (cinco) dias e, ao retornar desta última suspensão, foi demitida por justa causa.Em verdade, as reiteradas e seguidas penas aplicadas pela reclamada à reclamante ultrapassam os limites do poder disciplinar e dos preceitos basilares da pena, porquanto se tratam de penas sucessivas e amparadas no mesmo fato, caracterizando o abuso de direito na forma do art. 187,CC [6]

 

Conclusão

A estética é tema debatido e presente na sociedade desde a antiguidade. Não há na legislação (CLT) dispositivos específicos tratando sobre estes tipos de discriminações estéticas, tema pautado em entendimento doutrinário e jurisprudencial. Vale salientar que existindo grau de razoabilidade, o empregador não está proibido de fazer algumas exigências. Ademais, a conduta discriminatória do empregador é capaz de gerar indenização por dano moral.

 

Notas e Referências

[1]NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2007,p.52.

[2]BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. 3° ed. Revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2011,p.237.

[3] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 6ed. rev.atual.Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2008, p.63.

[4] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=323174

[5]http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI213970,31047-A+obesidade+como+deficiencia+no+ambiente+de+trabalho

[6] https://www.jusbrasil.com.br/diarios/110265637/trt-15-judiciario-02-03-2016-pg-2358

Para complementar o conhecimento veja também este vídeo:

 

 

 

 

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