Direitos Humanos: inclusive do “inimigo” - Por Leonardo Isaac Yarochewsky

21/10/2017

Hodiernamente tem sido lugar comum atacar os Direitos Humanos ou, debochadamente e preconceituosamente, os “direitos dos manos”.[1] Sendo inconcebível e lamentável que pessoas ignorantes, autoritárias e fascistas – até mesmo profissionais do direito - tracem um equivocado e esdrúxulo conceito de Direitos Humanos, inclusive, distinguido os Direitos Humanos, apenas e tão somente, para quem consideram “homens de bem”. 

Ao elaborar a Declaração Universal de Direitos Humanos e os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Organização das Nações Unidas deu uma classificação abrangendo os “cinco grandes campos em que se desenvolve toda a ação humana, onde se dão os fatos que levam à formação do Direito: o civil, o político, o econômico, o social e o cultural”.[2] 

É necessário observar que os chamados direitos de personalidade, como os Direitos Humanos também recebem outras diferentes nomenclaturas, tais como: Direitos Fundamentais, Direitos do Homem, Direitos Inatos, Direitos Essenciais da Pessoa, Liberdades Fundamentais entre outros.[3] 

Os Direitos Fundamentais da Pessoa, chamados Direitos Humanos, se classificam em: i) Direitos individuais, que se relacionam à vida, à liberdade, à propriedade, à segurança e à igualdade; ii) Direitos sociais que compreendem os direitos relativos à saúde, à educação, à previdência e à assistência social, ao lazer, ao trabalho, à segurança e ao transporte; iii) Direitos econômicos são aqueles contidos em normas de conteúdo econômico que viabilizarão a política econômica (o direito ao pleno empregos, o direito ambiental e os direitos do consumidor) e iv) Direitos políticos que são direitos à participação popular no poder do estado. São aqueles que se referem ao direito de votar e ser votado, do referendo, do plebiscito e da iniciativa popular das leis.[4] 

Os constitucionalistas costumam distinguir os Direitos Humanos em três, ou até quatro, gerações: a primeira corresponde aos direitos individuais; a segunda aos direitos sociais, de natureza trabalhista e os que não têm relação de emprego, como por exemplo, os direitos à educação, à moradia, ou à saúde; e os Direitos Humanos de terceira geração são os direitos da humanidade, como a preservação do meio ambiente. 

Como bem assinala CANÇADO TRINDADE, 

O Direito dos Direitos Humanos não rege a relação entre iguais; opera precisamente em defesa dos ostensivamente mais fracos. Nas relações entre desiguais, posiciona-se em favor dos mais necessitados de proteção. Não busca obter um equilíbrio abstrato entre as partes, mas remediar os efeitos do desequilíbrio e das disparidades. Não se nutre das barganhas da reciprocidade, mas se inspira nas considerações de ordre public em defesa de interesses superiores, da realização da justiça. É o direito de proteção dos mais fracos e vulneráveis, cujos avanços em sua evolução histórica se têm devido em grande parte a mobilização da sociedade civil contra todos os tipos de dominação, exclusão e repressão.[5]  

Quando o assunto é Direitos Humanos não há que se fazer distinção entre “homens de bem” ou “homens do mal”. Direitos humanos, como o nome já diz, são os direitos que nascem com a pessoa, trata-se de direitos fundamentais e universais inerentes a qualquer ser humano, considerados tanto no seu aspecto individual como comunitário. É o direito do branco, do preto, do pardo, do amarelo, do albino... É o direito do homem, da mulher, do velho, da criança, do homossexual, do bissexual, do transexual, do metrossexual... É o direito do nacional e do estrangeiro. É o direito do católico, do protestante, do evangélico, do umbandista, do judeu, do ateu... É o direito dos livres e daqueles que, também, estão presos. É o direito das vítimas, mas, também, dos considerados criminosos.  

Talvez o considerado “criminoso/perigoso” e, portanto, tratado como “inimigo” quem mais precise da acolhida dos direitos humanos, porque é o “inimigo” quem mais sofre com violações de Direitos Humanos. 

Referindo-se ao inimigo no direito penal, RAÚL ZAFFARONI assevera que: 

O poder punitivo sempre discriminou os seres humanos e lhes conferiu um tratamento punitivo que não correspondia à condição de pessoas, dado que os considerava apenas como entes perigosos ou daninhos. Esses seres humanos são assinalados como inimigos da sociedade e, por conseguinte, a eles é negado o direito de terem suas infrações sancionadas dentro dos limites do direito penal liberal, isto é, das garantias que hoje o direito internacional dos direitos humanos estabelece universal e regionalmente.[6] 

Aqueles que sob o vil pretexto de combater o crime e em nome do discurso falacioso da impunidade defendem a flexibilização ou relativização dos Direitos Humanos, chegando, em determinados caso, a negá-los, são, verdadeiramente, os assaltantes dos direitos humanos, são os violadores do Estado Constitucional. 

No que se refere à complexa relação dos Direitos Humanos com o direito penal, mas precisamente a ciência do direito penal, JOSÉ RAFAEL CARPENTIERI observa que: 

A genealogia do Direito Penal consiste justamente nos constantes movimentos de avanços e regressões na efetivação dos direitos humanos intimamente relacionados com a dignidade da pessoa humana e a liberdade. Significa dizer que cada método historicamente construído representa maior ou menor compromisso com a dignidade da pessoa humana. É possível também afirmar o oposto: quanto mais determinada corrente de pensamento se aproxima da legitimação do poder punitivo ilimitado, de seu arbítrio e de sua violência, mais longe se encontra dos direitos humanos.[7] 

Mais adiante, CARPENTIERI após reconhecimento de um sistema penal essencialmente violador dos Direitos Humanos e ineficaz na solução dos conflitos, conclui que “o papel do direito penal como discurso científico é constituir barreiras capazes de conter ou reduzir o poder punitivo”. 

Nesse diapasão o direito penal deve, sob uma perspectiva dos Direitos Humanos, atuar de forma a proteger o individuo contra o poder punitivo estatal impondo limites ao avanço do Estado Penal. 

Não se pode olvidar que o direito penal possui um caráter repressivo, seletivo e estigmatizante que atinge, principalmente, os mais vulneráveis. São, portanto, os miseráveis e vulneráveis que mais necessitam do socorro e da proteção dos Direitos Humanos, incluído aqui, os etiquetados como “inimigos” ou “bandidos”. 

Não é despiciendo lembrar – especialmente para os defensores da pena de morte - que Relatório da Anistia Internacional revelou que 8.466 pessoas foram assassinadas somente pela policia do Rio de Janeiro entre 2005 e 2014. Uma média de duas pessoas assassinadas por dia. Já outro estudo da Anistia Internacional de 2011, concluiu que as polícias do Rio de Janeiro e de São Paulo mataram 42% mais do que todos os países em que existe a pena de morte. Necessário, também, salientar, conforme informa MÁRCIO SOTELO FELIPPE, que “o BOPE ofereceu aulas de tortura até 2006 (...) Teoricamente as aulas não são mais ministradas. Teoricamente”. [8] Mais adiante, SOTELO FELIPPE observa que “não existe pena de morte no Brasil, mas a polícia tem o poder de aplicá-la informalmente, sob a complacência histórica e generalizada da sociedade. Quando intervém o poder institucionalizado, temos o horror e a barbárie dos presídios”. [9] 

Como bem observou, há mais de três décadas, o penalista HELENO CLAUDIO FRAGOSO: “a igualdade de todos perante a lei é apenas um mito. A justiça toda é desigual...” vaticinando que “os direitos humanos só serão observados nos países do Terceiro Mundo quando houver justiça social e sociedades autenticamente democráticas”. 

Desgraçadamente o Brasil, com o aval de muitos – inclusive de políticos, promotores de Justiça, procuradores da República e magistrados (estadual e federal) - vem violando amiúde os Direitos Humanos. Os fascistas de hoje um dia irão perceber que até eles poderão precisar de se socorrer das garantias e dos direitos fundamentais próprias dos que defendem os Direitos Humanos. 

Por tudo, em “tempos sombrios”, urge que a sociedade e, por conseguinte, os governantes entendam o real significado dos Direitos Humanos para que assim se consolide o tão aclamado Estado democrático de direito.


[1] “Muita gente costuma usar o termo “direitos dos manos” com a premissa de que os grupos de defesa dos Direitos Humanos têm o costume de privilegiar os “direitos dos bandidos” sobre os de suas vítimas – e falam como se o bom trato legal e penitenciário de detentos não influenciasse na diminuição da criminalidade e no desempoderamento da cultura de violência vigente. Não percebem, no entanto, que estão incidindo em racismo e preconceito de classe ao associar uma tribo urbana majoritariamente de negros pobres, a tribo dos manos e minas, à autoria de crimes como assaltos, narcotráfico e homicídios”. (Disponível em:< http://consciencia.blog.br/2014/02/sobre-o-uso-da-expressao-direitos-dos-manos-por-opositores-dos-direitos-humanos.html ).

[2] OLIVEIRA, Almir de. Curso de direitos humanos. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.75.

[3] MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito constitucional: curso de direitos fundamentais. 3ª ed. São Paulo: Método, 2008.

[4] MAGALHÃES, José Luiz Quadros, ob. cit.

[5] Cf. Antônio Augusto Cançado Trindade na apresentação da obra Direitos humanos e direito constitucional internacional. Flávia Piovesan. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

[6] ZAFFARONI, Eugenio Raùl. O inimigo no direito penal. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 11.

[7] CARPENTIERI, José Rafael. Direitos humanos e direito penal: pensamento como forma de resistência ao poder. In Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 22, n. 108, maio-junho de 2014, p. 191-222.

[8] FELIPE, Márcio Sotelo. “Direito penal e lua de classesin Brasil em fúria: democracia, política e direito. Giane Ambrósio Alves et al. Belo Horizonte: Letramento: Casa do Direito, 2017.  

[9] Idem,

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