Direito, sustentabilidade e desenvolvimento sustentável: pleonasmos ou oximoros? - Por Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino

12/11/2015

Por Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino - 12/11/2015

A ideia de desenvolvimento sustentável revela, mais e mais, o seu caráter messiânico. Vejam: palavras como Justiça, Direito, Democracia, Constituição deveriam indicar a força utópica da transformação, da necessidade de se rever, perenemente, os deveres e devires de nossos tempos. Não! O desafio é impossível para ser viabilizado por meio da condição e natureza humana.

Insiste-se na elaboração de pensamentos e ações os quais exigem a inversão da lógica que impera no momento presente: capitalismo, consumismo, indiferença, fome, miséria, desigualdades, no mais amplo sentido da expressão, posturas excessivamente egoístas, políticas de imediato descarte - sejam de “sujeitos” (Humanidade e Natureza, por exemplo), ideais ou práxis -, entre outros. Trata-se do efeito imagético projetado para o futuro desejável sem que haja a inconveniência ou as dificuldades para se promover a mudança no momento presente.

As etapas que devem ser vivenciadas na constituição de um convívio harmônico entre todos os seres não são interessantes, não são úteis. Todas as que apresentam excessivas cargas de angústias, ambivalência, ambiguidade, sofrimento, tristeza, perdas – algumas, inclusive, irreparáveis – precisam ser eliminadas. Deseja-se, tão somente, o resultado imediato, a salvação instantânea causada por essas expressões: Eis a síntese desse eclipse da Razão[1]: Livrai-nos de nossa própria humanidade. Amém!

O efeito estético de expressões como Direito, Sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável não propicia, para a maioria, um olhar introspectivo a fim de se compreender o que é e exercer de modo equilibrado - não obstante haja a pluralidade de adversidades existenciais – atitudes as quais favoreçam, pouco a pouco, as desejáveis mudanças no nosso cotidiano.

No entanto, esse cenário inexiste, pois a resposta da indagação O que existe no fundo das aparências? Não se revela como convite para a aventura do desconhecido que habita no Outro, mas tão somente de, imediatamente, se tornar a própria imagem desejada sem que haja qualquer preocupação de como mantê-la no decorrer do tempo.

Por esse motivo, Direito, Sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável são expressões as quais sintetizam a força dos argumentos anteriormente sinalizados. Tratam-se, sob o ângulo da linguística, de pleonasmos, de redundâncias que favorecem a legitimidade de seu uso, de sua propaganda como slogan de um século mais limpo, livre das amarras e promessas (românticas) de tempos passados.

Sob igual critério, o conteúdo dessas palavras se manifesta como oximoro, ou seja, composições de sentidos opostos que, no contexto as quais são aplicadas, reforçam o seu significado. Trata-se de como harmonizar, na perspectiva da linguística, um sentido positivo com outro aparentemente excludente. A expressão Desenvolvimento Sustentável não teria essas características?

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Veja-se como Sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável são pleonasmos e oximoros do século XXI. A primeira expressão denota uma profunda – senão enraizada – compreensão acerca de como a Terra empreende manifestações que favorecem o equilíbrio dos sistemas vivos. A vida, nessa linha de pensamento, se torna possível, com todos os seus obstáculos, porque se percebe uma sintonia entre as dimensões físicas, químicas e biológicas entre as espécies, os ecossistemas e a diversidade genética que habitam o Planeta.

Essa percepção estimula, nos seres humanos, a reflexão de como é possível contribuir para a manutenção desse (frágil) cenário que possibilita vida em abundância para todos os seres. Não obstante Desenvolvimento Sustentável seja um termo com maior conexão ao mundo humano, ao mundo da atitude, da práxis, o seu primeiro pressuposto é a Sustentabilidade. Entretanto, o adjetivo não pode ser vazio. Sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável, na verdade, são expressões indissociáveis, pois a segunda já está contida na primeira.

Toda manifestação da Sustentabilidade condiciona o existir ao equilíbrio. Não se trata de algo perfeito, de um equilíbrio arquemídico. A evolução biológica da Terra, ao se considera-la como organismo vivo[2], comprova que o nível satisfatório de temperatura e condições favoráveis à reprodução e manutenção da vida surgiram de cenários inóspito, impróprios se se observar os ciclos de seu surgimento.

A cada esclarecimento acerca da Sustentabilidade, promovida, insistida pela ação humana, observa-se algo de novo sobre esse envolvimento de todos os seres numa rede de comunicação a qual traduz novas dimensões de cognição, cuja origem e destinatários não são apenas os seres humanos, mas, ao contrário, revela como a atividade mental, espalhada pela biodiversidade terrestre, se manifesta, também, como processo de viver[3].

Em outras palavras: Toda percepção sobre a Sustentabilidade gera uma ação de desenvolvimento. Por esse motivo, Desenvolvimento sustentável não pode ser classificado como espécie de instrumento de melhoria à tecnologia e ciência humanas, de um rol (exaustivo, para alguns) de tecnologias limpas, porém é a própria Sustentabilidade que reivindica, desde a criação da Terra, o que os homens e mulheres devem enfatizar nas suas atitudes de cuidado[4] e responsabilidade[5] com outros seres que habitam a mesma Casa Comum[6].

Na perspectiva do Direito, a advertência é similar. Quando Sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável se assemelham à ideia de Justiça, retoma-se, novamente, o pleonasmo e o oximoro. Ao se rememorar as lições de Aristóteles[7], a Justiça é uma virtude porque representa esse caminhar insistente no território do meio termo. Sustentabilidade possui semelhante significado a essa categoria.

No entanto, insiste-se: Qualquer noção acerca de Sustentabilidade, direcionada ao desenvolvimento ou atitudes justas, não precisam enfatizar essa condição a partir de adjetivos. Trata-se daquilo que o filósofo estagirita já mencionava: A Sustentabilidade é algo bom em si, ou seja, não necessita de condições para sua ocorrência. Não é o imperativo hipotético descrito por Kant.

No mês de Dezembro será publicado oficialmente o relatório do Programa das Nações Unidas do Desenvolvimento – PNUD – de 2015 intitulado O caminho para a dignidade até 2030: acabando com a pobreza, transformando todas as vidas e protegendo o planeta. Nesse documento, destacam-se os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) que expressam várias diretrizes excelentes para se planejar e executar condições favoráveis de cenários mais democráticos, equitativos, éticos, fraternos, justos e socialmente úteis.

Todas essas expressões denotam a presença da Sustentabilidade, embora a descrição acerca da Natureza permaneça, ainda, como objeto, cujos beneficiários são, apenas, os humanos, aqui representados pelas presente e futuras gerações. É diferente daquela visão sul-americana de comunhão e participação na preservação da Terra como “ser próprio”. Veja a figura abaixo no item “Planeta”:

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Novamente: pleonasmos e oximoros. A Sustentabilidade, por si, expressa todas as práticas, ideais, projetos para uma vida qualitativa a todos os seres vivos. Não é necessário destacar, tributar, premiar, aquilo que, pelo seu significado – primeiro natural e, depois, expresso na dimensão artificial – remonta a maturidade humana diante das diferentes mensagens enunciadas por esse organismo vivo denominado Terra. Outro exemplo a ser citado é a Economia Verde, o qual é, também, relatório produzido pelo Programa das Nações Unidas do Desenvolvimento – PNUD. Qual é o objetivo de incentivar uma produção “verde”, destacada como “Desenvolvimento Sustentável” se, ainda, a lógica é a do consumismo, da obsolescência programada, da eliminação daquilo que não é “moderno”?

O artigo 225 da Constituição Federal de 1988 descreve: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A compreensão mais enraizada acerca da Sustentabilidade e Justiça reforçam a necessidade de ações – públicas ou privadas – para que haja esclarecimentos suficientes a fim de assegurar para todos – humanos e não humanos – vida sadia.

Não é o que se observa pela leitura do texto normativo. O dever ali descrito não ocorre sem se saber o que é Sustentabilidade e Justiça. Mais: de identificar que nenhuma dessas questões está “à venda”, seja pelo seu caráter puramente negocial e/ou disfarçado de procedimentos administrativos para se determinar a (in)viabilidade do uso da Natureza aos interesses humanos, como é o caso das licenças ambientais.

Nem sempre a imagem desejada – de perfeição, harmonia, equilíbrio – conduz à vida na sua integralidade porque o que se quer, repete-se, é tão somente a imagem e a sensação de bem-estar produzida. Não se deseja arcar, diariamente, com a responsabilidade de nossas decisões repletas de angústias, ansiedades, incertezas. Quer-se, sim, o resultado final. Nada mais!

Desenvolvimento Sustentável, Economias Verdes, Tecnologias Limpas, Direito Ambiental, quando não sintetizam a maturação da compreensão sobre Sustentabilidade como critério global de respeito pela existência de um “ser próprio” que abriga rica biodiversidade serão apenas pleonasmos na forma dos discursos e oximoros no seu conteúdo. Nessa linha de pensamento, eis a atual importância de uma sociedade do desenvolvimento sustentável pautada pelas suas redundâncias e contrariedades as quais são mais discursivas e pouco pragmáticas na sua matriz de significalidade:

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Notas e Referências:

[1] Horkheimer rememora os efeitos produzidos pela referida expressão: “A redução da razão a um mero instrumento afeta finalmente até mesmo o seu caráter como instrumento. O espírito antifilosófico que é inseparável do conceito subjetivo de razão, e que na Europa culminou com a perseguição totalitária aos intelectuais, fossem ou não os seus precursores, é sintomático da degradação da razão. Os críticos tradicionalistas e conservadores da civilização cometem um erro fundamental quando atacam a civilização moderna sem atacarem ao mesmo tempo o embrutecimento que é apenas outro aspecto do mesmo processo. O intelecto humano, que tem origens biológicas e sociais, não é uma entidade absoluta, isolada e independente. Foi declarado ser assim apenas como resultado da divisão social do trabalho, a fim de justificar esta última na base da constituição natural do homem.”. HORKHEIMER, Max. Eclipse da razão. São Paulo: Centauro, 2000, p. 61.

[2] Gaia e Pachamama designam a Terra como organismo vivo. A primeira expressão é europeia e a segunda sul-americana. Nas palavras de Zaffaroni, Pachamama es la naturaleza y se ofende cuando se maltrata a sus hijos: no le gusta la caza con armas de fuego. Aparecen acólitos o descendientes de ella en forma de enanos que defienden a las vicuñas en las serranías y a los árboles en las selvas. No impide la caza, la pesca y la tala, pero si la depredación, como buena reguladora de la vida de todos los que estamos en ella. Pacha les permitió vivir, sembrar, cazar (aunque no en tiempos de veda), construir sus terrazas para aprovechar las lluvias, y les enseñó a usar de la naturaleza, es decir de ella misma –que también somos nosotros-, pero en la medida necesaria y suficiente. La ética derivada de su concepción impone la cooperación. Se parte de que em todo lo que existe hay un impulso que explica su comportamiento, incluso en lo que parece materia inerte o mineral y, con mayor razón, en lo vegetal y animal, de lo que resulta que todo el espacio cósmico es viviente y está movido por una energía que conduce a relaciones de cooperación recíproca entre todos los integrantes de la totalidade cósmica. Esta fuerza es Pacha, que es todo el cosmos y también es todo el tiempo. Así como Pacha es la totalidad, también es la poseedora del espíritu mayor: Pacha y su espíritu son uno solo aunque todos participamos de su espíritu. ZAFFARONI, Eugenio Raul. La pachamama y el humano. Buenos Aires: Colihue, 2012, p. 48/49.

[3] “A ideia central da teoria de Santiago é a identificação da cognição, o processo de conhecimento, com o processo do viver. [...] cognição é a atividade que garante a autogeração e a autoperpetuação das redes vivas. Em outras palavras, é o próprio processo da vida. A atividade organizadora dos sistemas vivos, em todos os níveis de vida, é uma atividade mental. As interações de um organismo vivo – vegetal, animal ou humano – com seu ambiente são interações cognitivas. Assim, a vida e a cognição tornam-se inseparavelmente ligadas. A mente – ou melhor, a atividade mental – é algo imanente à matéria, em todos os níveis de vida”. CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Cultrix, 2005, p. 50.

[4] “Cuidar é mais do que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro; entra na natureza e na constituição do ser humano. O modo de ser cuidado revela de maneira concreta como é o ser humano. Sem cuidado, ele deixa de ser humano. Se não receber cuidado desde o nascimento até a morte, o ser humano desestrutura-se, definha, perde sentido e morre. Se, ao largo da vida, não fizer com cuidado tudo que empreender, acabará por prejudicar a si mesmo por destruir o que estiver a sua volta. Por isso, o cuidado deve ser entendido na linha da essência humana”. BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. Petrópolis, (RJ): Vozes, 2003, p. 34

[5] É a estrutura primária da subjetividade. Essa última palavra não existe em si mesma, mas direciona-se ao Outro. “[...] Entendo a responsabilidade como responsabilidade por outrem, portanto, como responsabilidade por aquilo que não fui eu que fiz, ou não me diz respeito [...]”. LÉVINAS, Emmanuel. Ética e infinito: diálogos com Phillipe Nemo. Tradução de João Gama. Lisboa: Edições 70, 2000, p. 87/88.

[6] "Quando falamos de 'meio ambiente', fazemos referência também a uma particular relação: a relação entre natureza e a sociedade que a habita. Isto impede-nos de considerar a natureza como algo separado de nós ou como uma mera moldura da nossa vida. Estamos incluídos nela, somos parte dela e compenetramo-nos. As razões, pelas quais um lugar se contamina, exigem uma análise do funcionamento da sociedade, da sua economia, do seu comportamento, das suas maneiras de entender a realidade. Dada a amplitude das mudanças, já não é possível encontrar uma resposta específica e independente para cada parte do problema. É fundamental buscar soluções integrais que considerem as interações dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais. Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socioambiental. As diretrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza". FRANCISCO. Laudato si: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulus/Loyola, 2015, p. 86.

[7] Justiça significa “[...] excelência moral perfeita, embora não seja de modo irrestrito, mas em relação ao próximo. Portanto a justiça é freqüentemente considerada a mais elevada forma de excelência moral. [...] Ela é perfeita porque as pessoas que possuem o sentimento de justiça podem praticá-la não somente em relação a si mesmas como também em relação ao próximo”. ARISTÓTELES. Ética a nicômacos. Tradução de Mário da Gama Kury. 3. ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília - UnB, c1985, 1999, par. 1130a.


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Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino é Mestre e Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) – Mestrado – do Complexo de Ensino Superior Meridional – IMED.

E-mail: sergiorfaquino@gmail.com


Imagem Ilustrativa do Post: Mendoza 032 // Foto de: Catriel Torres // Sem alterações.

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/hualichu/5139095461

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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