DIREITO PENAL (E) A TRAGÉDIA RODRIGUEANA EM DOIS ATOS

20/03/2020

Coluna Direito e Arte / Coordenadora Taysa Matos

Ato 1

Em 26 de novembro de 1929, Sylvia Sefarim ingressa na redação do jornal crítica, matando com um tiro o jornalista Roberto Rodrigues. Motivo: a dama estava insatisfeita com uma publicação no jornal, tratando do seu “desquite”. O jovem Nelson Rodrigues assiste ao episódio (e à posterior morte do irmão). Talvez, a partir daí, morte, intrigas, traições e os valores vigentes na sociedade de então integrariam a narrativa Rodrigueana. 

O Código Penal entra em vigor, no dia 07 de dezembro de 1940. O artigo 130 do Código traz o crime de “perigo de contágio venéreo” , consistente em “Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado”

De acordo com Bitencourt[1], “(...)na época em que proliferavam os bordéis no Brasil, justificava-se a preocupação do legislador, principalmente diante da escassez de medidas preventivas para evitar a propagação de doenças venéreas”.

 

Ato 2

Em 1943, pouco após a entrada em vigor do Código Penal, é encenada a peça “Vestido de Noiva”, escrita por Nelson Rodrigues. No primeiro ato, a personagem principal, Alaíde, sofre um grave acidente, sendo levada, às pressas, para uma mesa de cirurgia. Inconsciente, e entre a vida e a morte, aquela não se encontra com nenhuma divindade. Ao contrário, vai parar num bordel, deparando-se com uma antiga proprietária do estabelecimento, Madame Clessi, morta por um estudante da alta sociedade, numa prática que, hoje, seria tipificada como feminicídio.

A narrativa deixa transparecer a presença de “figurões” da sociedade carioca, que frequentavam o bordel e, acaso contraíssem doenças venéreas e contaminassem as suas esposas, sem dúvida, não seriam alcançados pelo braço da lei penal.

Dialogando com a psicanálise, a peça se desenrola alternando planos de luz e trevas, tendo como pano de fundo um  dos dogmas da sociedade de então: o casamento. Sem querer dar o spoiler, mas, já dando, o enredo deixa claro que é preferível cometer um homicídio a viver de modo contrário aos valores da sociedade do século passado, dentre esses, a impossibilidade de “separar o que Deus uniu” via o dogma do casamento. É preferível a morte física à moral.

Desacordada ou, talvez, com acesso ao inconsciente, Alaíde revive as memórias de um diário encontrado no sótão da casa dos pais, diário este pertencente à Madame Clessi. E o bordel, universo criminalizado pelo Direito Penal (no plano das luzes, das instituições e valores), pôde ser vivido por Alaíde somente no plano das trevas, do inconsciente, à beira da morte.

Tal como na vida de Nelson Rodrigues, quando do homicídio do seu irmão, o contraponto ao dogma casamento, o “desquite”, trazia consigo uma pulsão trágica, de morte, na obra “Vestido de Noiva”. Mas, o mal, se é que se pode assim dizer, agia, mesmo, era no plano da luz, institucional. Ao menos, na obra aqui referenciada.

 

Notas e Referências

[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. São Paulo, Saraiva, v.2, p. 208-209.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Lady Justice // Foto de: Dun.can // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/duncanh1/23620669668/

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura