DIREITO ESPACIAL: DA INICIATIVA DE DEFESA ESTRATÉGICA (SDI) A CRIAÇÃO DA FORÇA ESPACIAL DOS ESTADOS UNIDOS (USSF) E AS NOVAS PERSPECTIVAS PARA O DIREITO

08/02/2020

O Direito Espacial é um ramo das Ciências Jurídicas multidisciplinar e interdisciplinar, pois na abordagem dos direitos de exploração espacial, relaciona-se com as Relações Internacionais, Ciência Política, Diplomacia e com o Direito Internacional Público.

Sob o prisma geopolítico e estratégico, tem como principais temas de análise a exploração pacífica do espaço sideral, sua militarização, segurança internacional e as relações diplomáticas entre os Estados que participam da conquista espacial.

O Direito Espacial, também conhecido como Astropolítica, tem seus princípios fundamentados no Direito Internacional, os quais, por sua vez, são baseados nos tratados internacionais estabelecidos para regrar a exploração e ocupação do espaço sideral, chancelados pela Organização das Nações Unidas (ONU).

A Astropolítica, por sua vez, ao contrário do que possa nos levar a pensar, não é uma ciência nova, tampouco surgiu no século XXI, mas sim, tem uma história que se confunde com a própria corrida espacial[ii], a qual remonta à década de 1960[iii].

Dentre os principais tratados neste sentido, podemos referenciar o Tratado do Espaço Sideral[iv] (1967), o Acordo Sobre Resgate de Astronautas, Retorno de Astronautas e de Objetos Lançados no Espaço Sideral (1967), a Convenção Sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais (1972), a Convenção Sobre o Registro de Objetos Lançados no Espaço Sideral (1976), o Tratado da Lua (1979) e o Tratado de Haia Sobre Governança de Recursos Espaciais, somente para citar os principais.

Em que pese os soviéticos terem tomado a vantagem na corrida espacial já na década de 1950, com algumas conquistas importantes, tais como: lançamento do primeiro satélite artificial, o Sputnik-1, em (04/10/1957), lançamento do primeiro ser vivo no espaço, com a cadela Laika (03/11/1957) e o primeiro voo orbital humano com o cosmonauta Yuri Gagarin (12/04/1961), formam os americanos os primeiros humanos a saírem da órbita terrestre e pisarem em outro corpo celeste (20/07/1969).

Apesar das conquistas espaciais das duas superpotências, foi a chegada do homem à Lua na missão Apollo 11, lançado pelo foguete Saturno V[v], (um desafio lançado pelo então presidente John F. Kennedy, em 1961), que é tido como o grande divisor de águas, pois assim como os navegadores europeus se lançaram ao mar durante o período da história conhecido como Grandes Navegações[vi] para conquistar novos continentes, assim os astronautas se lançaram da Terra rumo ao espaço para conquistar novos mundos.

É a partir desta conquista a Guerra Fria (1945 a 1991) se acirra e a comunidade internacional começa a debater a militarização do espaço, pois com o avanço das novas tecnologias derivadas do Projeto Apollo, os americanos começam a desenvolvê-las para o emprego de armas espaciais, tais como: mísseis balísticos intercontinentais armados com ogivas nucleares (ICBM[vii]), satélites armados, canhões espaciais a laser, satélites espiões, dentre outros.

Com a eleição do presidente Ronald Reagan em 1981, este dá início no ano de 1983, a Iniciativa Estratégica de Defesa[viii] (SDI[ix]), popularmente conhecido como Programa Guerra nas Estrelas (Star Wars), o qual consistia em um programa militar composto por um sistema defensivo de armas espaciais e radares capazes de interceptar mísseis balísticos intercontinentais soviéticos carregados de ogivas nucleares em pleno espaço sideral, antes deles fazerem suas reentradas na atmosfera terrestre sob território dos Estados Unidos.

Este projeto visita não somente defender o território americano de um ataque soviético vindo do espaço, mas também desestabilizar o equilíbrio de forças construído durante a Guerra Fria, através do conceito de Mutual Assured Destruction (MAD), ou seja, Destruição Mútua Assegurada, tendo por objetivo final, o estabelecimento do monopólio espacial, por intermédio da superioridade tecnológica e militar.

Apesar deste programa ser tecnologicamente viável e contar com o apoio do Congresso dos Estados Unidos para aprovar seu orçamento bilionário, este jamais foi implantado na prática, pois fez com que a URSS acreditasse na ameaça real desta iniciativa, fazendo com que a mesma se lançasse em uma corrida espacial desesperada (e fracassada[x]), a qual acelerou o fim do regime soviético e, consequentemente, o colapso da república em 1991.

Apesar do fim da ameaça soviética, este programa acabou sendo reativado e revitalizado durante o Governo George W. Bush (2001 a 2009), rebatizado de “Escudo Antimísseis”, com um orçamento bem mais modesto e com plataforma de sistemas de defesa antimísseis baseados em terra, em detrimento do espaço.

Em que pese o Tratado de Mísseis Antibalísticos ter sido assinado entre americanos e soviéticos em 1972, sua vigência era de 30 anos. Portanto, em 2002, com o fim deste tratado, os EUA puderam legalmente retomar este programa, mesmo que sob protestos dos russos e chineses.

Com a chegada do presidente Donald J. Trump à Casa Branca em 2017, a exemplo do que ocorrera na administração Ronald Reagan, este promove outra reforma no sistema de defesa dos Estados Unidos, proporcionando um salto qualitativo e quantitativo inéditos em termos mundiais, criando através de decreto presidencial, em 19 de fevereiro de 2019, a Força Espacial dos Estados Unidos (USSF), a qual em 2020, assumirá a responsabilidade das operações militares espaciais da Força Aérea dos Estados Unidos (USAF), construindo assim, o sexto braço das Forças Armadas deste País.

Em que pese haver vários tratados chancelados pela ONU regulando a Lei Espacial Internacional tutelando questões de direito difuso, tais como satélites, estação orbital, módulos e cápsulas espaciais, ônibus espaciais e milhares de peças metálicas espaciais, a maior ameaça atualmente não é militar, mas sim aquela referente aos detritos espaciais.

Segundo a Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (NASA)[xi] “existem cerca de 20 mil detritos espaciais rastreáveis com menos de 10cm em órbita da Terra e cerca de 1.500 satélites em operação”, o que, segundo a Agência Espacial Europeia (ESA), totaliza entre 100 e 150 toneladas de “lixo” espacial[xii]. Em outras palavras, mais de 90% dos objetos em órbita terrestre constituem resíduos espaciais, sendo que com a popularização das empresas que prestam os mais variados tipos de serviços espaciais, torna-se crescente o número de países e corporações privadas que lançam foguetes e satélites ao espaço, o que começa a causar preocupação aqui na Terra e a demandar direitos e deveres os quais precisam ser tutelados pelo Direito Espacial.

À luz da Convenção Sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais (1972), temos que fazer menção a alguns graves acidentes ocorridos envolvendo estes artefatos, quais sejam: explosão do Ônibus Espacial Challenger, nos EUA (1996), segundos após seu lançamento em Cabo Canaveral (Flórida), matando 7 astronautas; queda da Estação Espacial Russa Mir, em 2001[xiii], após missão de 15 anos no espaço; explosão do Ônibus Espacial Columbia, nos EUA (2003), ao reentrar na atmosfera terrestre sobre o espaço aéreo americano, mantando 7 astronautas, somente para citar os maiores desastres.

Quanto à ocupação militar do espaço, tratada anteriormente nos pontos sobre o SDI e USSF, há que considerarmos que as organizações internacionais terão que tratar desde assunto já a partir de 2020, poia haverá a presença permanente, física ou virtual, de militares no espaço.

De momento, podemos considerar que as leis e tratados internacionais aplicáveis seriam os mesmos empregado pelo Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA), os quais, dentre outros, estabelece as regras de engajamento (rules of engagement), os quais, via de regra, os crimes cometidos por seus militares, caso não tratados pelos governos das respectivas forças, seriam de competência do Tribunal Penal Internacional (TPI).

Outro ponto sensível a ser discutido pelos países membros das Nações Unidas seria a adequação ou ampliação dos tratados internacionais sobre a ocupação do espaço, pois ao contrário do Tratado da Antártida[xiv] (1959), apesar do espaço sideral a baixa altitude da órbita da Terra ser domínio internacional, dada a ocupação por militares e seu uso para fins bélicos, este se diferencia daquele, pois não haverá a intensão de suspender as pretensões de ocupação, não será utilizado tão somente para fins científicos e não haverá cooperação internacional.

Diante de todos os pontos analisados sobre Direito Espacial e a Lei Espacial Internacional, essa temática pode, a princípio, parecer futurista, remetendo-nos aos filmes de ficção. Todavia, vis-à-vis com os novos decretos presidenciais assinados pelo governo dos Estados Unidos e seus avanços tecnológicos, podemos afirmar que estamos em uma nova era da humanidade.

O que a princípio pode parecer novidade para alguns causídicos, ou seja, temas relacionados ao Direito Espacial e Leis Espaciais Internacionais, suas origens remontam a 1919, onde as leis internacionais reconheceram a soberania de cada País sobre o espaço diretamente acima de seu território, o que mais tarde, foi ratificado pela Convenção de Chicago, de 1944, a qual estabeleceu regras sobre a utilização do espaço aéreo e sua utilização.

Para aqueles que vivem com os pés no chão, mas tem que trabalhar com a cabeça nos céus, resta-nos refletir sobre os últimos acontecimentos geopolíticos mundiais e perquirir sobre as possibilidades de uma verdadeira “guerra nas estrelas”, sobre a possibilidade de colonização de outros planetas ou explorarmos este ramo fascinante do direito o qual poucos estarão qualificados para fazer parte desta grande oportunidade que se apresenta.

 

NOTAS E REFERÊNCIAS

[i] Ex-militar do United States Army, tendo cursado a United States Army Armor and Center School em Fort Knox, Estado do Kentucky (EUA) e a The Judge Advocate General's Legal Center and School em Charlottesville, Virginia (EUA). Graduado em Economia (Universidade Tuiuti do Paraná), Graduado em Direito, Graduado em Investigação Forense e Perícia Criminal, Graduado em Mediação (Universidade Estácio de Sá), Pós-Graduado em Direito Penal, Pós-Graduado em Direito Civil (Uniasselvi), Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho e Previdenciário (Universidade Estácio de Sá), Pós-Graduado em Direito Militar, Pós-Graduado em Análise Criminal (Faculdade São Braz), Pós-graduado em Ciência Política e Desenvolvimento Estratégico (IMEC), Pós-Graduado em Altos Estudos de Política, Planejamento e Estratégia (ESG), Mestrado em Direito e Negócios Internacionais (FUNIBER-Brasil) e Doutorando em Direito Econômico e Empresarial (FUNIBER-USA).

[ii] Do seu original em inglês “space race”, foi um período da geopolítica internacional, compreendido entre 1957 e 1975, envolvendo as duas superpotências, os EUA e a então URSS, os quais disputavam a supremacia da exploração e tecnologia espaciais para a conquista espacial, tendo suas origens na corrida armamentista iniciada entre ambos os países, com o fim da II Guerra Mundial (1939 a 1945).

[iii] Algumas correntes de pesquisadores consideram que a corrida espacial teria iniciado na Alemanha Nazista (1933 a 1945) com o início da utilização das bombas voadoras V-1 e V-2, desenvolvidas pela Luftwaffe (Força Aérea Alemã), consideradas, respectivamente, o primeiro míssil teleguiado e o primeiro míssil balístico da história, cujo, principal mentor do programa foi o cientista alemão Wernher von Braun (1912 a 1977).

[iv] Tecnicamente conhecido por Tratado Sobre os Princípios que Regem as Atividades dos Estados na Exploração e Utilização do Espaço Sideral, Lua e Outros Corpos Celestes. Em suma, é um tratado principiológico da Lei Espacial Internacional, tendo atualmente 98 países signatários.

[v] Algumas fontes de engenheiros espaciais afirmam que atualmente qualquer modelo de smartphone de 4ª geração possui tecnologia computacional mais avançada do que aquela embarcada utilizada no conjunto Saturno V-Apollo 11.

[vi] Também conhecido como Era dos Descobrimentos, ocorrida entre os séculos XV e início do século XVI, dando origem a vários tratados internacionais.

[vii] Do inglês, Intercontinental Ballistic Missile.

[viii] Este programa foi estimado pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos, entre 100 a 200 bilhões de dólares e, se iniciado efetivamente, levaria aproximadamente 20 anos para a sua conclusão.

[ix] Do inglês, Strategic Defense Iniciative.

[x] Evidenciado pela Polyus (arma desenvolvida pela URSS em resposta ao SDI dos EUA) e pelo Buran (ônibus espacial soviético).

[xi] Disponível em: https://super.abril.com.br/ciencia/mais-de-90-dos-objetos-em-orbita-sao-lixo-espacial/. Acesso em 02 jan 2020.

[xii] Disponível em: https://www.uol.com.br/tilt/ultimas-noticias/redacao/2013/12/17/clique-ciencia-quanto-lixo-espacial-ha-ao-redor-da-terra.htm. Acesso em 02/02/2020.

[xiii] Disponível em: https://www.terra.com.br/mundo/2001/03/23/013.htm. Acesso em 02/02/2020.

[xiv] Documento assinado em Washington, D.C, em 1º de dezembro de 1959, onde os países que reclamavam a posse de territórios na Antártida, se comprometiam a suspender suas pretensões coloniais por prazo indeterminado, utilizando o mesmo exclusivamente para fins pacíficos e científicos, através da cooperação internacional.

 

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