Direito e entropia  

23/12/2018

 

Entropia é um conceito físico ligado ao de ordem de um dado sistema, e também ao limite de energia que pode ser convertido em trabalho. A segunda lei da termodinâmica estabelece que a entropia de um sistema isolado sempre aumenta, indicando o limite de energia disponível para realizar trabalho, conceito que engloba noções de força e deslocamento.

No entanto, é bom esclarecer que não existem sistemas isolados no mundo real, e o próprio Universo está sujeito a flutuações do vácuo quântico, havendo sérias dúvidas se o Universo como um todo é um sistema físico isolado, tornando a segunda lei da termodinâmica um tanto quanto artificial, parcialmente válida, mas com sérias limitações em níveis mais complexos do mundo e do conhecimento.

Ligada à entropia está a entalpia, que significa a máxima energia de um sistema termodinâmico passível de alteração por meio de reações químicas, indicando a energia atrelada ao sistema e à sua vizinhança.

Fazendo uma construção intelectual, é possível conectar os termos entropia com desordem e entalpia com ordem, de modo que criemos ideias como a de uma função entrópica, significando a capacidade de aumento da desordem, conforme a segunda lei da termodinâmica, e a de função entálpica, cujo sentido é a capacidade de aproveitamento útil da energia de um sistema. Temos assim dois polos conceituais, um indicando incremento da desordem e outro associado à construção da ordem.

Daí se conclui que simbolicamente o Direito tem uma associação ideológica com os conceitos físicos de entropia e entalpia, e das citadas funções entrópicas e entálpicas, porque também trata com noções de ordem e desordem.

Podemos falar, igualmente, em agentes entálpicos e agentes entrópicos, os primeiros aumentando a ordem do sistema jurídico e social e os últimos promovendo a desordem pública. Na Natureza, e na Vida, os dois agentes atuam, havendo uma Ordem mais ampla que transcende ordens e desordens locais, sendo cabível associar aquela Ordem ao conceito de Vida, a qual se mantém, apesar da morte, ou desordem, ocorrida em organismos individuais.

Existem, portanto, agentes de vida e de morte que atuam nos indivíduos, tidos como sistemas, que integram sistemas mais amplos; também sendo possível inferir que há agentes de Vida e de Morte, trabalhando contrariamente ou a favor do sentido da Ordem, da Vida, o sentido que parte da matéria “inanimada” em direção à consciência, a consciência da Ordem, da Lei, o que permitirá, ou não, o exercício de função entálpica ou entrópica pelo indivíduo, em relação a si mesmo e ao meio a que pertence.

A ideia de ordem está presente na Natureza, na ordem atômica, na ordem molecular orgânica, incluindo organismos dentro de organismos, como ocorre com nós humanos, que temos em nosso interior uma quantidade maior de bactérias do que de células propriamente humanas, e nossas vidas dependem desses micro-organismos, de sua ordem dentro de nós.

Há, pois, ordem interna e externa, que se refere àquela existente dentro de um corpo, vivo ou não, e nos seus arredores. Pode-se dizer que há uma ordem planetária, que inclui, dentre outras, questões políticas, econômicas e ambientais; ordem cósmica, associada à cosmologia. David Bohm, por sua vez, desenvolveu os conceitos de ordem implicada e ordem manifesta, ideia esboçada no artigo “A Ordem Implicada” (http://emporiododireito.com.br/leitura/a-ordem-implicada-por-thiago-brega-de-assis). No Direito está a ordem jurídica, ordem do relacionamento do indivíduo humano com sua espécie, e que por isso se vincula à citada Ordem da Vida.

O conceito de Ordem da Vida remete à Filosofia Primeira ou Teologia, remete a Deus, enquanto Logos, ou Ordem do Princípio que se mantém, sendo transcendente à aparente entropia, à morte aparente. É a Ordem que permanece.

Daí porque o Direito tem origem na Religião, na Teologia, que trata da Ordem eterna, possuindo, assim, função entálpica, de manutenção ou construção da Ordem, de desenvolvimento da Ordem da Vida, pressupondo que haja uma Ordem. De outro lado, mesmo para aqueles que entendem não existir Ordem, a função entálpica do Direito igualmente se faz presente e seria, no mínimo, para reduzir a desordem.

A função entálpica do Direito tem duplo aspecto, ainda que sua natureza seja essencialmente unitária, possuindo uma perspectiva corpuscular, material ou imanente e outra, a ela associada, ondulatória, espiritual e simbólica ou transcendente, fazendo incidir localmente – ao estabelecer os corretos comportamentos a serem adotados pelos indivíduos e ao prever e impor indenizações, prisões, penas, restituições, obrigações de fazer ou não fazer – a ordem maior, não local (mas também local) ou transcendente, que é o Logos ou Sabedoria coletiva, materializada na Constituição, na Lei, como concretude temporal da razão uniplurissubjetiva, da vontade geral ou universal.

O homem, destarte, tem a opção de ser agente entálpico ou entrópico, possui liberdade para exercer uma função entálpica ou entrópica, promover a vida ou causar morte, construir ou destruir, e adotar ambos os posicionamentos.

É importante reconhecer que a morte integra o processo vital, de modo que a Ordem da Vida inclui a morte de indivíduos, e da destruição faz surgir uma nova realidade.

Em verdade, em verdade, vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muito fruto. Quem ama sua vida a perde e quem odeia a sua vida neste mundo guardá-la-á para a vida eterna” (Jo 12, 24-25).

Pode-se dizer que até a chegada da humanidade no Universo a liberdade na Ordem da Vida era restrita, e com no homem essa a liberdade se tornou plena, para matar, destruir a maior parte da vida na Terra, ou salvar, dando-se, perder sua vida neste mundo, em favor daquela Ordem. Nesse sentido, um Cristo ou Messias é um agente entálpico, que atua em favor da Vida. Jesus Cristo, outrossim, exerceu perfeitamente a função entálpica, promovendo plenamente a Ordem, o Cosmos, em sua vida, e assim realizou a própria Vida.

Deus, ou Logos, atua no Universo desde o Princípio, e está presente no homem, na medida em que este é templo de Seu Espírito, podendo encarnar a Ordem, sendo Vida, como Jesus Cristo. Em Deus, no Logos, há equilíbrio entre ordem e desordem, funcionando esta como um instrumento da Ordem, tendo a espécie humana a habilidade para seguir o Logos, que determinou e determina a evolução dos seres vivos até nós e além, ou para Dele se afastar, negando o Caminho evolutivo, podendo os homens adotarem uma rota de involução, bestializando-se, comportando-se como animais desprovidos da sensibilidade do Espírito, contrariando o Logos. Por essa razão é função do Direito regular o comportamento humano para promoção da Vida, em seu sentido evolutivo rumo à consciência da Ordem.

Para o desenvolvimento da Ordem é preciso trabalho, que a energia seja exercida, individual e coletivamente, em uma atividade que promova a Vida. Deus faz sua parte, mas cabe também a nós fazermos a nossa, sendo agentes entálpicos, agentes da evolução da humanidade, da espécie, seguindo o exemplo, o Método, Cristo. Nesse sentido, é preciso sacrifício, trabalho pelo futuro da espécie, com solidariedade, em favor dos outros, para e pela eternidade, sendo mister haver trabalho de contenção dos instintos animais e egoístas, para resistir com energia à inércia instintiva animal.

É necessário, para o sucesso dessa empreitada, conhecimento da Ordem, que se dá do nível individual para o coletivo, porque é primeiramente alcançado por um membro do grupo que, então, o difunde, propaga esse conhecimento, até que alcance o nível do grupo, da nação e, finalmente, o plano planetário, da humanidade.

O trabalho entálpico é exercido por líderes, bons líderes, bons pastores, por cristos, pelos reis e sacerdotes de Jesus Cristo, aqueles com conhecimento da Ordem que transcende a aparente entropia corporal, que encarnam a Vida.

Esse processo pode ser exemplificado pelos trabalhos de Abraão, que orientou sua família em direção ao Deus Vivo, ao Logos; depois o fazendo Moisés, não mais em relação a uma família, pois a parentela de Abraão já havia se desenvolvido, e sim quanto a uma nação; até que se manifestou Jesus, o Cristo, o Messias e Rei dos reis de todas as nações, conduzindo esse processo, em curso, para o nível planetário, para a humanidade. Assim, Abraão teve uma função entálpica, assim como a nação de Israel, culminando com Jesus Cristo, agente de uma Ordem que ainda não se manifestou, cujo desenvolvimento depende de destruições conceituais, filosóficas e teológicas, pontuais, que impedem o florescimento daquela Ordem, para que a Vida emerja na coletividade das nações.

O trabalho de desenvolvimento e propagação da Ordem na humanidade está em andamento, em vários níveis ao mesmo tempo, dentro de nós, em nossas famílias, nas nações e no âmbito da humanidade, na Filosofia, na Teologia e no Direito internacional. Esse trabalho depende de cada e um todos nós, depende de que sejamos agentes entálpicos, promovendo a Ordem em nós e no nosso entorno, na nossa vizinhança, perante nossos próximos, de modo que a Vida seja o fundamento do nosso comportamento, e de nossa família, da assembleia, da igreja, da nação, das Nações, enfim, que a própria Humanidade, como espécie, exerça plenamente a função entálpica que lhe cabe, sendo, finalmente, habitação do Deus vivo, anunciando que “Iahweh é reto: nosso Rochedo, nele não há injustiça” (Sl 92, 16).

 

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