Direito do Trabalho: Impressões e considerações a partir do documentário “The True Cost”

06/04/2018

O emprego da Arte para despertar interesses e estimular debates se apresenta como método enriquecedor, provocativo inovador. Evidencia ainda que a conexão entre o Direito e a arte é factível e eficaz, além de promover o enriquecimento da cultura jurídica de modo proficiente, utilizando-se de experiências sensoriais.

Formação puramente positivista limita a amplitude do fenômeno jurídico. Aproximar as ciências jurídicas do mundo cultural proporciona interpretações criativas e amplas.

Essa concepção no estudo e ensino jurídico tem grande importância, oferta enriquecimento do Direito e instituições a ele conexas, aflora a sensibilidade e suscita questionamentos em relação ao papel da razão e das emoções.

Ao sensibilizar o ser humano, o retira da inércia do hábito. As reflexões advindas desta ruptura têm a capacidade de inovar e quebrar estruturas e instituições draconianas.

Nesta perspectiva, buscou-se aproximar a arte de um ramo específico do Direito:  o Direito do Trabalho, com a escolha, observação e percepção de um documentário que retrata dentre outros, relações laborais.

O documentário “The True Cost” é uma produção de 2015, do diretor e roteirista Andrew Morgan.

Em síntese aborda a mudança consumerista ocorrida nas últimas décadas, com o foco especial nos produtos da moda, contemporaneamente denominada de “moda descartável”, onde algumas camisetas são vendidas por poucos dólares nos Estados Unidos, levando a sociedade a consumir cada vez mais itens de vestuário que deveriam ter uma vida útil bem mais duráveis.

Identifica-se um ciclo vicioso criado pelos grandes empresários da indústria “fashion”, que buscam, de um lado, incentivar o consumo exacerbado com técnicas de marketing e preços de venda pífios nos países onde encontram-se seus públicos alvos e, de outro lado, a exploração do trabalho terceirizado em países subdesenvolvidos para se sustentar a descartabilidade de tais produtos de moda, sendo este segundo cada vez mais empurrado para se achatar com o objetivo de permitir a amplificação do primeiro.

O referido ciclo é temperado por uma cruel ironia: o fato de que tais produtos, por mais baratos e desvalorizados que sejam nos países onde são comercializados, jamais poderão ser adquiridos pelos próprios trabalhadores que os fabricam, uma vez que estes por vezes recebem remuneração, pelo trabalho de um mês inteiro, de valor inferior ao de uma camiseta.

Em um determinado momento o telespectador se depara com uma cena chocante: o Trabalho mensal por 10 dólares/mês!!! Foi o que uma das trabalhadoras entrevistadas no documentário disse já ter recebido numa fábrica em Bangladesh.

Utilizar o numeral um, para uma cena, de fato seria ignorar as dezenas de cenas que são capazes de envolver o telespectador em sofrível comoção, seria minorar a “riqueza” de aberrações de tantas ações e omissões repugnantes e desprezíveis!!! Seria ainda se harmonizar com a indiferença de perceber e constatar que o capital pode ferir de morte o princípio da dignidade da pessoa humana.

É chocante observarmos as considerações de algumas pessoas que sustentam a tese de que tais países são beneficiados com tais condutas, mesmo sendo consabidas as baixíssimas remunerações recebidas, a inexistência de direitos humanos básicos e as condições totalmente inseguras de trabalho que permeiam a relação laboral nesses países.

Não é possível identificar se tal posicionamento é derivado de cegueira, ignorância ou simples descaso com o ser-humano, mas a realidade é que, enquanto isso, a indústria da moda, como um todo, fatura trilhões de dólares anualmente, restando tão claro que não haveria necessidade de tantas práticas comerciais desbalanceadas.

Constata-se, então, a ganância daqueles que teriam o poder de trazer mais humanidade ao mercado, equilibrando      tais relações comerciais, mas não o fazem.

Embora estejamos falando de um problema social, que transcende completamente as delimitações geográficas dos Estados, já que o núcleo da presente análise são as pessoas, ou seja, os seres humanos em geral, e não as sociedades territorialmente separadas, não se está a sugerir que o equilíbrio de relações seja feito por meio de caridade. 

O “trabalho” é a forma mais nobre e digna de se equilibrar as riquezas, e é exatamente isso que os mais fortes nessa relação comercial estão privando os mais vulneráveis, tentando amparar tais práticas com a pseudo-justificativa de que a qualidade de vida nos países subdesenvolvidos seria pior se não fosse desse jeito. 

É neste ponto que podemos trazer a presente análise ao Direito do Trabalho, haja vista que, ante a todos os itens abordados até aqui, é inconteste a necessidade de um poder imparcial que possa mediar as relações, freando o mais forte e trazendo equilíbrio, com a finalidade de democratizar o resultado do trabalho, qual seja, o lucro, garantindo a equidade em todas as pontas das relações.

Embora emergente, o Brasil é país de terceiro mundo, tal como os citados no documentário e, assim sendo, percebemos a importância do Direito do Trabalho, posto que o mesmo foi o responsável por impedir, até o momento, que fôssemos explorados da mesma forma.

O preâmbulo de nossa Constituição Federal mais recente menciona que o objetivo do Estado é “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”. O Direito do Trabalho, em sua essência, carrega exatamente os mesmos valores com o mesmo objetivo. Não poderia ser diferente, afinal, os impactos negativos de grandes forças somente são mitigados por grandes ideologias.  

As impressões e considerações acerca do documentário nos remetem a uma reflexão sobre o futuro do Direito do Trabalho, principalmente na era pós Reforma, em que o patamar mínimo civilizatório nos parece ameaçado por figuras inseridas como do autônomo sem vínculo empregatício e uma das maiores perversidades: trabalhador intermitente.

Por fim, destaca-se ainda que a arte imitou a vida ao retratar a exploração do trabalho em Bangladesh através do documentário. É inevitável o sobressalto provocado pelas fortes cenas da tragédia do Rana Plaza, colapso do prédio que abrigava trabalhadores da indústria têxtil e que vitimou mais de mil pessoas em 2013. O prédio desabou com tantos trabalhadores que entregavam seu suor em busca do pão! O que se vislumbrou foi a ocorrência por total descaso com um meio ambiente seguro de trabalho. Episódio fatídico que destruiu famílias, sonhos! Ruiu com qualquer esperança, mutilou membros do corpo e almas!

A cena de do abraço da morte, que nos remete a ideia de que são pai e filho ainda fica tilintando num pulsar sem parar de indignação e inconformismo.

(imagem enviada pelos autores)

Repensamos os períodos de fluxos e refluxos do Direito do Trabalho, que da Republica Pindorama progrediu, e indagamos, retrocedeu ou encontra-se em tal estágio a ponto de nos margear as agruras vistas em Bangladesh?

 

Imagem Ilustrativa do Post: Niños en la fábrica // Foto de: xisco serra // Sem alterações

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