DIREITO DE SER ESQUECIDO À LUZ  DE UM DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL  

20/09/2018

 

 

Coluna Espaço do Estudante

A sociedade pós-moderna encontra-se em uma estado de intensa ligação. Embora presente uma verdadeira retropia[1], na qual o futuro transforma-se em um local de pesadelos, propiciando um pavor de perder emprego, posição social casa e pertences móveis, bem estar e prestígio, ainda assim é possível vislumbrar inúmeras guerras de anseios positivos e negativos entre os sujeitos.

Dentre esses interesses, denota-se na era da internet um verdadeiro choque entre os direitos à informação e a privacidade. Por conseguinte, constata-se uma tensão na proteção dos direitos da personalidade, sendo tal problemática fundamental para fins de debate.

O referido embate possui origem no próprio exercício da liberdade de expressão, direito imprescindível no Estade Democrático de Direito, sendo pressuposto para uma participação ativa do cidadão no desenvolvimento de um país. Porém, atualmente, eventual prática desta garantia vem propiciando flagelos individuais, vindo a ser necessário trazer à baila o direito ao esquecimento à luz de um Direito Civil Constitucional.

Conforme depreende-se do caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, a liberdade, junto à vida, segurança, propriedade e igualdade, constitui um conjunto de direitos fundamentais de brilhante relevância na ordem constitucional vigente. Fruto de intensa guerra histórica, a liberdade amplia-se com a evolução humana, e, segundo José Afonso da Silva “[...] o homem torna-se cada vez mais livre na medida em que se amplia seu domínio sobre a natureza e sobre as relações sociais”.[2]

Cumpre salientar que o direito à informação encontra-se englobado na própria liberdade de comunicação, sendo decorrência de um dos aspectos externos da liberdade de expressão, isto é, a liberdade de manifestação do pensamento. Nos moldes do artigo 5º, IV, da Constituição Federal “é livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato”.

Por “informação” entende-se conhecimento de fatos, acontecimentos, situações de interesse geral, implicando em duas consequências lógicas jurídicas, quais sejam: a) o direito de informar, por qualquer meio de difusão; b) o direito de ser informado, imprescindível em um Estado Democrático de Direito. Portanto, a liberdade de informação compreende aquela procura, acesso, percebimento, e difusão de informações ou ideias, independente do meio, gerando responsabilidades em caso de abuso.[3]

Possível destacar três elementos básicos que a manifestação deve conter para cumprir com seu real aspecto valorativo, de modo a não conceder margem para eventual ilícito civil, quais sejam: a) atualidade; b) veracidade; c) animus narrandi. Esse último, caracteriza-se como uma empressão heterogênea, sem conteúdo ofensivo com a finalidade de difundir fatos verdadeiros e atuais para a sociedade em geral ou determinado público previamente estipulado.

Depreende-se então que, não obstante seja um direito constitucional, a manifestação de pensamento, principalmente exercida por intermédio do direito à informação, deve manter cautela e respeitar seus pressupostos e finalidades, deste modo, evitando consequências jurídicas futuras e elevando em grau máximo a liberdade de expressão. Afinal, não pode ser considerada de modo absoluto, podendo ferir, principalmente, os direitos da personalidade consagrados na vigente ordem constitucional.

Dentre esses, vislumbra-se o direito ao esquecimento, consagrado doutrinariamente na edição do Enunciado 531[4], da VI Jornada de Direito Civil, pelo qual se afirma que “a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade de informação inclui o direito ao esquecimento”.

Esse, por sua vez, não consiste em apagar o passado ou reescrever a História[5], mas sim naquele direito de impedir que o sujeito seja sempre identificado por intermédio daquele dato passado, incompatível com o que de fato é no período atual. No brasil, foi interpretado como “um direito de não ser lembrado contra sua vontade”[6]. Contudo, tal epistemologia pode remeter a equívocos, levando a crer na própria patrimonialização de um direito da personalidade, quando, na verdade, por intermédio do Direito Civil Constitucional, busca-se sua despatrimonialização.

Atualmente, é possível delimitar três correntes doutrinárias tratando sobre o tema, quais sejam: a) pró-informação: não da margem ao direito ao esquecimento, pois não consta expressamente na legislação brasileira, sendo contrário a memória e História do próprio povo; b) pró-esquecimento: o direito esquecimento além de existir, deverá prevalecer sempre, respeitando a dignidade da pessoa humana e reservando a intimidade e privacidade; c) intermediária: a Constituição brasileira não permite hierarquia entre a liberdade de informação e privacidade, sendo necessária a aplicação do método de ponderação no caso concreto.[7]

Contudo, possível extrair o referido direito de modo cristalino da atual legislação. Afinal, a norma não está sozinha, vez que exerce uma função unida ao ordenamento e o seu significado muda com o dinamismo do ordenamento pertencente.[8] Nesse sentido, o Direito Civil Constitucional ensina que a interpretação é lógico-sistemática e teleológica-axiológica, com o escopo de atuar com fidelidade na busca dos valores constitucionais.[9]

Dessa senda, nota-se a necessidade de interpretação do artigo 20 e 21, do Código Civil nesse sentido. Pois, não só neste diploma encontra-se a guarida da intimidade e privacidade, mas também no artigo 5º, X, da Constituição Federal.  A privacidade consiste no “conjunto de informações acerca do indivíduo que ele pode decidir manter sob seu excluviso controle, ou comunicar, decidindo a quem, quando, onde e em que condições, sem a isso poder ser legalmente sujeito”.[10] Por sua vez, intimidade pode ser definida como aquela esfera secreta, pessoal do cotidiano do indivíduo, permitindo a exclusão do conhecimento de outrem de quanto se refira à pessoa.

Não obstante, o rol de direitos da personalidade não é taxativo, sendo plenamente possível o reconhecimento de outros posteriores. No mesmo norte, Carlos Alberto Bittas ensina “os direitos naturais são inerentes à pessoa, e, por isso, caso o Estado não os reconheça, cabe aos indivíduos e aos grupos sociais organizados buscarem seu reconhecimento, lutando com isso contra a violência, a injustiça e a desigualdade”.[11]

Portanto, embora seja respeitável o posicionamento da corrente “pró-informação”, depreende-se ser cristalina a proteção da legislação no que concerne ao direito ao esquecimento. Isso porquê com o desenvolvimento da rede mundial de computadores há uma ameaça à privacidade das pessoas. Como pontua José Afonso da Silva “O amplo sistema de informações computadorizadas gera um processo de esquadrinhamento das pessoas, que ficam com sua individualidade inteiramente devassada”.[12] Eventual abuso no direito da informação geraria essa invasão na privacidade e intimidade do indivíduo, e, por conseguinte, daria azo para lesionar sua honra e imagem.

Nota-se, então ser necessário considerar o direito ao esquecimento, exercendo esse concreta contribuição com desenvolvimento da existencia humana, coibindo preconceitos, discriminação, compensando a lesão à honra/imagem e resguardando a privacidade/intimidade. Contudo, importante também afastar-se da corrente “pró-esquecimento”, pois, assim como outros direitos fundamentais, sua incidência dependerá das peculiaridades do caso concreto, tendo em vista a ausência de hierarquização de normas fundamentais.

Dessarte, o “direito de estar só” ou, para o direito americano “right to be let alone”, ou até mesmo para o espanhol “derecho al olvido” tem o condão de possuir plena autonomia, sendo, de modo irrefragável, a partir de uma leitura Civil Constitucional, um direito da personalidade, apto a desenvolver o aspecto existencial da vigente legislação.

 

Notas e Referências

BAUMAN, Zygmunt, Retropia, Trad. Renato Aguiar, Zahar, Rio de Janeiro, 2017;

BITTAR, Carlos Alberto, Os direitos da personalidade, 8ª edição, São Paulo, Saraiva, 2015;

PERLINGIERI, Pietro, Perfis do Direito Civil, 3ª edição, Renovar, São Paulo, 2007;

PEREIRA, J. Matos, Direito de Informação, Lisboa: Associação Portuguesa de Informática, 1980, p. 15;

SCHEREIBER, Anderson, Manual de Direito Civil Contemporâneo, Saraiva, São Paulo, 2018;

SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros, São Paulo, 2018.

[1] BAUMAN, Zygmunt, Retropia, Trad. Renato Aguiar, Zahar, Rio de Janeiro, 2017, p. 12.

[2] SILVA, José Afonso da, Curso de Direitos Constitucional Positivo, 41ª edição, Malheiros, São Paulo, 2018, p. 233.

[3] SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros, São Paulo, 2018, p. 250.

[4] O enunciado possui a seguinte justificativa: Os danos provocados pelas novas técnologias de informação vêm-se acumulando nos diais atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.

[5] SCHREIBER, Anderson, Manual de Direito Civil Contemporâneo, Saraiva, São Paulo, 2018, p. 143.

[6] STJ, 4ª Turma, Resp 1.334.097/RJ, rel. Ministro Luis Felipe Salomão, j. 28-05-2013.

[7] SCHEREIBER, Anderson, Manual de Direito Civil Contemporâneo, Saraiva, São Paulo, 2018, p. 144.

[8] PERLINGIERI, Pietro, Perfis do Direito Civil, 3ª edição, Renovar, São Paulo, 2007, p. 72.

[9] PERLINGIERI, Pietro, Perfis do Direito Civil, 3ª, edição, Renovar, São Paulo, 2007, p. 72.

[10] PEREIRA, J. Matos, Direito de Informação, Lisboa: Associação Portuguesa de Informática, 1980, p. 15.

[11] BITTAR, Carlos Alberto, Os direitos da personalidade, 8ª edição, São Paulo, Saraiva, 2015, p. 38.

[12] SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros, São Paulo, 2018, p. 212.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Book Shelves Book Stack Bookcase Books // Foto de: Pixabay // Sem alterações

Disponível em: https://www.pexels.com/photo/book-shelves-book-stack-bookcase-books-207662/

Licença de uso: https://www.pexels.com/creative-commons-images/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura