Direito & Cinema no Brasil: um campo de estudo em formação

22/05/2015

Por Luis Carlos Cancellier de Olivo e Renato de Oliveira Martinez - 22/05/2015

“O direito, como o ar, está em todos os lugares”, nos diz Carlos Santiago Nino no início de sua obra Introdução à Análise do Direito. E essa onipresença, aliada à complexa relação do direito com outros fenômenos, é o que torna tão difícil isolá-lo conceitualmente para explicar sua estrutura e funcionamento.[1]

Muitos acadêmicos da área jurídica, conscientes ou não da dificuldade que têm diante de si, esforçam-se em buscar esse isolamento conceitual para melhor compreender o direito, sendo tal postura a predominante na ciência jurídica. Mas esse não é, certamente, o único meio de que dispomos para refletir a respeito de tão intrigante fenômeno.

Com efeito, justamente em razão do reconhecimento do caráter ubíquo do direito, nos últimos anos ampliou-se o campo de investigação sobre o seu sentido e o seu alcance, e surgiram tendências que procuram confrontar o fenômeno jurídico em sua dinâmica atuação com outras manifestação culturais. Basta um rápido passeio no site Empório do Direito para se ter alguns exemplos dessas novas e inusitadas abordagens: “Direito e Arte”, “Direito e Literatura”, “Direito e Música”, “Direito e Rock”, “Direito e Cinema” etc.

Como não poderia deixar de ser, dentre tais propostas, umas têm se afirmado mais do que outras. “Direito e Literatura” é a empreitada que mais ganhou visibilidade nos últimos anos, o que se deve não apenas ao empenho de grandes autores nacionais em sua divulgação, mas sobretudo ao arejamento que conferiu ao estudo do Direito, muitas vezes encerrado na árida leitura de leis e doutrinas. E algumas léguas atrás, uma iniciativa semelhante já parece conter elementos suficientes para que seja considerada ao menos um campo de estudo em formação: falamos da proposta “Direito e Cinema”.

Quando nos referimos a um campo de estudo, temos em mente uma área de investigação que compartilha o interesse por um mesmo tema, e que se desenvolve por meio de um conjunto inter-relacionado de práticas, técnicas, informações e experiências.[2] E se dizemos que “Direito e Cinema” é um campo de estudo em formação, isso se deve ao fato de que, embora crescente a produção bibliográfica sobre o tema, não existe ainda um senso de conjunto e de integração, sendo diminuto o diálogo entre os trabalhos realizados nessa área.[3]

Enquanto nas publicações sobre “Direito e Literatura” comumente são feitas referências às origens do movimento e aos seus principais marcos teóricos, nos trabalhos sobre “Direito e Cinema” não se constata, via de regra, a mesma preocupação. Esse caráter disperso acaba sendo um entrave para o desenvolvimento do campo de estudo como um todo, pois o desconhecimento sobre a produção bibliográfica na área, nacional e internacional, em algumas situações leva à repetição de argumentos, o que por sua vez conduz a conclusões já alcançadas. Mais ainda: o mitigado intercâmbio entre as experiências realizadas sobre o tema desacelera o confronto teórico entre as diversas possibilidades do entrecruzamento Direito-Cinema, atrasando, assim, o desenvolvimento da área.

Diante desse cenário, com o objetivo de tornar mais conhecidas na comunidade acadêmica as iniciativas que procuram conjugar o Direito e o Cinema, e assim possibilitar um maior diálogo entre todos os que se interessam pelo assunto, compartilhamos a seguir as referências bibliográficas levantadas na elaboração da dissertação de mestrado “Direito e Cinema no Brasil: perspectivas para um campo de estudo”,[4] que representam praticamente toda a bibliografia nacional sobre a empreitada “Direito e Cinema” até o final de 2014.

Evidentemente, o rol não é exaustivo, e considerando o vertiginoso aumento de publicações na área, não tardará a se desatualizar. De todo modo, ele reflete o atual estágio do campo de estudo “Direito e Cinema” no Brasil, e oferece uma orientação mínima para quem pretender se embrenhar em tão instigante terreno.


Notas e Referências: 

I – Livros

GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito, Literatura e Cinema: inventário de possibilidades. São Paulo: Quartier Latin, 2011.

GONÇALVES NETO, João da Cruz. O Direito a partir do Cinema: o Burro de Nietzsche e Outros Textos. Curitiba: Juruá Editora, 2013.

LACERDA, Gabriel. Nazismo, cinema e direito. Rio de Janeiro: Elsevier: FGV, 2012.

______. O Direito no Cinema: relato de uma experiência didática no campo do direito. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.

MAGALHÃES, José Luiz Quadros de; BARROS, Juliano Napoleão (coords.). Direito e Cinema. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2013.

MAGALHÃES, Juliana Neuenschwander et al (orgs.). Construindo memória: seminários direito e cinema. Rio de Janeiro: Faculdade Nacional de Direito, 2009.

MARQUES, Verônica Teixeira; OLIVEIRA, Ilzver de Matos; SILVA, Waldimeiry Corrêa (orgs.). Direito e Cinema: filmes para discutir conceitos teorias e métodos. Salvador: EDUFBA, 2014.

MEDEIROS, Morton Luiz Faria de. O Direito na Arte: diálogos entre o Cinema e a Constituição. Mossoró: Sarau das Letras, 2014.

MODRO, Nielson Ribeiro. O mundo jurídico no cinema. Blumenau: Nova Letra, 2009.

OLIVEIRA, Mara Regina. Cinema e Filosofia do Direito: um estudo sobre a crise de legitimidade jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Editora Corifeu, 2006.

SEMANA NACIONAL DE CINESOFIA, 3. ed., 2000, Chapada dos Guimarães. Anais. Cuiabá: Entrelinhas, 2001.

SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz (coord.). Direito e Casos Reais, Cinema, Literatura e Música: uma nova forma de ver o Direito Civil. São Paulo: LTr, 2014.

II - Trabalhos de conclusão de curso (Graduação e Mestrado)

BERBEL, Vanessa Vilela. A legitimação da democracia: observações do cinema na modernidade brasileira. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

MATOS, Marcus V. A. B. de. Direito e Estado de Exceção: dispositivos, arquétipos e semelhanças nas imagens de tortura e vigilância do cinema contemporâneo. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

MIRANDA, Luana Fernandes. Interação história, cinema e direito: um olhar histórico-cinematográfico sobre as origens da legislação trabalhista. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Brasília, 2013.

PEREIRA, Felipe Chaves. Pixotes e falcões, meninos e pivetes: observando o direito por meio do cinema. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

SILVA, Nádia Teixeira Pires da. A produção de direito no cinema: um estudo sociológico. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

 

III - Artigos científicos

ALMEIDA, José Rubens Demoro. Cinema, Direito e Prática Jurídica: uma introdução. Revista do Curso de Direito da Faculdade Campo Limpo Paulista, Porto Alegre, v. 7, n. 52, p. 38-47, 2009.

AMARAL, Larissa Maciel. A arbitrariedade que marca: a transversalidade entre o Direito, a Literatura e o Cinema a partir da obra Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos. In: II Encontro Internacional de Direitos Culturais, 2012, Fortaleza. Anais... Fortaleza: UNIFOR, 2012.

BRESSAN, Luiza Liene; MENDES, Marioly-Oze. Cinema, argumentação jurídica e ensino do direito: reflexões sobre uma práxis educacional emancipatória. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v. 7, n. 3, p. 2158-2174, set./dez. 2012. Disponível em: <www6.univali.br/seer/index.php/rdp/article/viewFile/5578/2984>. Acesso em: 01 dez. 2014.

______. O cinema como ferramenta no ensino da argumentação. Ponto de Vista Jurídico: Revista Científica do Núcleo de Pesquisa em Direito da UNIARP, v. 1, n. 1, p. 106-116, 2012.

______. O cinema como ferramenta no ensino da argumentação. Revista Jurídica da Universidade do Sul de Santa Catarina, ano 3, n. 6, p. 185-195, jan./ jun. 2013.

CARVALHO, Ivan Lira de. Direito, cinema e literatura: uma abordagem jurídica pontual da peleja de Araújo para transformar-se em Ojuara, o homem que desafiou o diabo. Revista de Filosofia do Direito, do Estado e da Sociedade - FIDES, Natal, v. 2, n. 1, p. 115-129,  jan./jun. 2011.

CARVALHO, Valeria de Sousa; COSTA, Rodrigo Vieira. A arte como ferramenta do ensino jurídico: experiência através do cinema. In: XIX Encontro Nacional do CONPEDI, 2010, Fortaleza. Anais... Florianópolis: Fundação Boiteux, 2010.

______. O cinema como ferramenta do ensino jurídico. In: VI ENECULT – Encontro de estudos multidisciplinares em cultura, 2010, Salvador. Anais... Salvador: Cult, 2010.

CASTELLANO, Soraia. A experiência do cinema como mecanismo influenciador no estudo filosófico-jurídico. Direito em Foco, Revista Eletrônica Online, UNISEPE, 2013. Disponível em: <unifia.edu.br/revista_eletronica/revistas/direito_foco/artigos/ano2013/exp_cinema.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2014.

COLLAÇO, Gabriel Henrique. O cinema como elemento mobilizador na construção de textos no curso de Direito. UNISUL de fato e de direito – Revista Jurídica da Universidade do Sul de Santa Catarina, v. 1, n. 1, p. 23-33,  2010.

DOBARRO, Sergio Leandro Carmo. Luz! Câmera! Direito! A sétima arte como recurso didático à compreensão do Direito. Revista Direito e Liberdade – RDL - ESMARN, Natal-RN, v. 16, n. 1, p. 155-169,  jan./abr. 2014.

______. Reflexões sobre o cinema como recurso didático no ensino do direito com base no filme Amistad. Revista do Instituto do Direito Brasileiro, Lisboa, ano 3, n. 3, p. 1859-1884, 2014.

FRANÇA, Andréa. O cinema, seu duplo e o tribunal em cena. Revista FAMECOS, Porto Alegre, n. 36, p. 91-97,  ago. 2008.

FREITAS, Gustavo Pereira; SOUZA, Nathalia Karollin Cunha Peixoto de. Cinema para quê? Sensibilização artística para a práxis social e jurídica. Revista Universo & Extensão, Belém, v. 1, n. 1, 2013.

LACERDA, Gabriel. Direito e Cinema – uma novidade que se renova. Cadernos FGV Direito Rio, Educação e Direito, Rio de Janeiro, v. 6, p. 43-56, dez. 2011.

LIMA, Alexandre Costa. Direito e Cinema: a dialética da Ética e da Arte. Revista da Faculdade de Direito de Caruaru / Asces, Caruaru-PE, v. 42, n. 1, jan./jun. 2010.

MATOS, Marcus V. A. B. de. “...And justice for all”: discursos, personagens e teorias do direito no cinema americano. In: XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, 2009, São Paulo. Anais... Florianópolis: Fundação Boiteaux, 2009.

______. Direito e Cinema: os limites da técnica e da estética nas teorias jurídicas contemporâneas. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 60, p. 231-267, jan./jun. 2012.

MEDEIROS, Morton Luiz Faria de. Direito e Cinema: conciliação possível? Revista Bonijuris, Curitiba, Ano XXIV, n. 587, v. 24, n. 10 , p. 32-34,  out. 2012.

MELO, Laila Viana de A.; QUIRINO, Marcia Glebyane Maciel. Direito, cinema e justiça na UFPB. Disponível em: <www.prac.ufpb.br/enex/trabalhos/3CCJDIPPROBEX2012721.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2014.

NASCIMENTO, Grasiele Augusta Ferreira; SOUSA, Ana Maria Viola de. Direito e Cinema – uma visão interdisciplinar. Revista Ética e Filosofia Política, Juiz de Fora-MG, n. 14, v. 2, p. 103-124,  out. 2011.

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______. Abuso de poder normativo e subversão: análise do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo-SP, v. 108, p. 697-737, jan./dez. 2013.

______. Direito e moral na pós-modernidade: análise interdisciplinar do filme “A pele que habito”. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo-SP, v. 106/107, p.  591-612, jan./dez. 2011/2012.

OLIVO, Luis Carlos Cancellier de; MARTINEZ, Renato de Oliveira. Direito e Cinema: repercussões no ensino jurídico. In: XXII Congresso Nacional do CONPEDI - UNINOVE, 2013, São Paulo. Anais… Florianópolis: FUNJAB, 2013.

______. Direito, Literatura e Cinema: o movimento “Direito e Literatura” como modelo teórico para os estudos “Direito e Cinema”. In: III Colóquio International de Direito e Literatura, 2014, Passo Fundo (a ser publicado nos anais do evento).

PEREIRA, Felipe Chaves. Luzes! Câmera! Direito! Reflexões sobre uma aproximação direito e cinema a partir da matriz teórica de Niklas Luhmann. Revista dos Estudantes de Direito da Universidade de Brasília, Brasília, v. 10, p. 79-117, 2012.

PIANCASTELLI, Ada Bogliolo; ZAMBONATO, Carolina Duarte; CAUME, Marina. Direito e arte: uma abordagem a partir do cinema e da literatura. Discenso – Revista de graduação do PET-DIREITO-UFSC, Florianópolis, n. 1, p. 143-170, 2009.

PINHO, Ana Carla de Oliveira Mello Costa. O cinema como prática didático-pedagógica no ensino jurídico: quebrando paradigmas. Cadernos de Educação, Universidade Metodista de São Paulo, São Paulo, v. 13, n. 25, p. 30-42,  jul./dez. 2013.

PINHO, Ana Carla de Oliveira Mello Costa; DEMARTINI, Zeila de Brito Fabri. O cinema como prática didático-pedagógica no ensino jurídico. Revista Pedagógica - UNOCHAPECÓ, Chapecó-SC, ano 17, n. 30, v. 1, p. 561-594,  jan./jun. 2013.

RIBEIRO, Fernando J. Armando. Direito e Cinema: uma interlocução necessária. Migalhas, 17 dez. 2007. Disponível em: <www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI50883,21048-Direito+e+Cinema+uma+interlocucao+necessaria>. Acesso em: 05 dez. 2014.

WARAT, Luis Alberto. La cinesofia y su lado oscuro: la infinita posibilidad surrealista de pensar com la cinesofía. In: WARAT, Luis Alberto. Territórios desconhecidos: a procura surrealista pelos lugres do abandono do sentido e da reconstrução da subjetividade. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. p. 549-562.

ZAMBONATO, Carolina Duarte; SOUZA, Marcel Soares. Projeto Espreita: o cinema como prática pedagógica no curso de Direito da UFSC. Direito e Práxis, Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 100-109,  2010.

[1] NINO, Carlos Santiago. Introdução à análise do direito. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010, p. 1-2

[2] Cf. MARTINEZ, Renato de Oliveira. Direito e Cinema no Brasil: perspectivas para um campo de estudo. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015, p. 75.

[3] Conforme diagnóstico realizado em: MARTINEZ, Renato de Oliveira, op. cit., p. 26-62.

[4] Dissertação defendida por Renato de Oliveira Martinez no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSC, sob a orientação do professor Doutor Luis Carlos Cancellier de Olivo.


Renato de Oliveira MartinezRenato de Oliveira Martinez é graduado em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2004). Especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (2009). Analista Judiciário no Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região.                                                                                                                                                                                                                                                                                  


Luis Carlos Cancellier de Olivo

Luis Carlos Cancellier de Olivo é graduado em Direito (1998), mestrado em Direito (2001) e doutorado em Direito (2003), todos pela Universidade Federal de Santa Catarina. É professor em regime de Dedicação Exclusiva, Associado I da UFSC. É professor de Direito Administrativo e Instituições de Direito Público da Universidade Aberta do Brasil(UAB), desde 2006. É professor de Direito Público e Administrativo no Programa de Pós-Graduaçao em Administração Universitária da UFSC (PPGAU).                                                                                                                                                                


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