O Direito Canônico é o conjunto de normas jurídicas que regulam as relações entre os membros da Igreja Católica. Assim é denominado em razão da palavra grega “canon”, que significa regra. No período da idade média o Direito da Igreja Católica teve predominância por duas razões: i) por ser escrito, vez que em muitos locais da Europa a oralidade era imperava, e; ii) em razão do caráter universal e domínio absoluto da Igreja entre os séculos VIIII e XV. Há de ressaltar que o direito canônico existe até a atualidade e a Igreja Católica Apostólica Romana adapta às novas realidades, a grande mudança está no âmbito de influência das normas canônicas que se restringe ao ambiente eclesiástico[1].
O Direito Processual Canônico é a parte do Direito Canônico que regula o processo judicial, ou seja, o conjunto de atos e procedimentos que visam à solução de um conflito de interesses.
As provas processuais são elementos de convicção que as partes apresentam ao juiz para que ele possa formar seu juízo de certeza sobre os fatos controvertidos. Mas, pode-se observar que as normas processuais canônicas existem como veículo de proteção do fiel, logo, “o direito de cada fiel carece de uma proteção. Esta proteção é o processo.”[2] No Direito Canônico, as provas são disciplinadas pelos cânones 1546 a 1691 do Código de Direito Canônico.
Princípios do Direito Probatório Canônico
O Direito Probatório Canônico é regido por alguns princípios tipicamente canônicos que correspondem às peculiaridades processuais do instituto e princípios tipicamente técnicos.
Entende-se como princípios tipicamente canônicos:
Subordinação do Processo: A subordinação do processo no direito canônico estabelece o dever de obediência à lei. Tal princípio é corolário do princípio da legalidade. Significa que o juiz canônico deve aplicar a lei ao processo, respeitando os seus limites e princípios. O princípio da subordinação do processo encontra-se expresso no Código de Processo Canônico que estabelece que o juiz deve aplicar a lei ao processo "de acordo com os princípios da justiça e do direito" (cân. 1752). Desse modo:
“Ainda que o processo fosse um mal, seria melhor usá-lo para não manter uma situação injusta. A justiça deve ser salvaguardada, subjetivamente é entendida (não se pode permitir um acordo extraprocessual do qual resulte piorada a situação da parte mais fraca nas suas possibilidades de defesa) e objetivamente (não se pode permitir um acordo extraprocessual que desse uma solução contrária à lei objetiva.”[3]
O princípio da subordinação do processo garante a justiça e a equidade no processo canônico. Este princípio assegura que as partes no processo sejam tratadas de forma igual, e que seus direitos sejam protegidos
Finalidade: tal princípio estabelece que o processo deve ter uma finalidade definida, isso significa que o juiz canônico deve aplicar o processo de forma a atingir o seu objetivo. Logo, o juiz não pode utilizar o processo para fins ilícitos ou abusivos. O princípio da finalidade encontra-se expresso no Código de Processo Canônico, que estabelece que o processo deve ser "justo, rápido e eficaz" (cân. 1709).
Natureza Institucional: estabelece que o processo canônico é um instrumento da Igreja Católica para a realização de sua missão. Este princípio decorre da natureza jurídica da Igreja Católica, que é uma instituição divina.
São considerados princípios tipicamente técnicos:
O contraditório: é o princípio que estabelece que as partes no processo têm o direito de ser ouvidas e de apresentar suas alegações e provas O princípio do contraditório encontra-se expresso no Código de Processo Canônico, que estabelece que "as partes têm direito a ser ouvidas e a apresentar suas alegações e provas" (cân. 1719).
Inquisitório e Dispositivo: da perspectiva sistêmica-prático “um processo está inspirado no princípio inquisitório quando o protagonista da vicissitude processual pertence ao juiz; no entanto, o princípio dispositivo remete ao protagonismo das partes”[4]. Tal princípio está insculpido no c. 1452 (DC art. 71) que pode ser considerado como cânon programático de outras normas processuais.
A autoridade: é o princípio que estabelece que a autoridade eclesiástica deve ser respeitada e obedecida. O princípio da autoridade encontra-se expresso no Código de Direito Canônico, que estabelece que "os fiéis devem obedecer às prescrições e ordens dos legítimos pastores" (cân. 212, § 1).
Publicidade das Decisões: com este princípio as partes veem garantido o direito de defesa que, se negado, gera nulidade absoluta do processo e da sentença, c. 1620, 7; a tramitação de processos em segredo de justiça é tratada como exceção, logo, a “tensão equilibra-se com as normas disciplinares do processo que estabelecem concretamente as regras sobre segredo (c. 1455) e a publicidade (c. 1470 – 1475).”[5]
Com exceção ao princípio do contraditório, tanto os princípios tipicamente canônicos quanto os princípios técnicos tem forte vinculação com as especificidades do Direito Canônico.
Classificação da Provas Processuais
No direito canônico, as provas processuais são classificadas em duas principais categorias: i) provas documentais e ii) provas testemunhais. Essas categorias são semelhantes às utilizadas no Código de Processo Civil de 2016:
Provas Documentais: Essas provas são baseadas em documentos escritos ou registros que são relevantes para a questão em disputa. Podem incluir documentos como contratos, correspondências, certidões, extratos bancários, entre outros. As provas documentais são consideradas fornecem evidências tangíveis e objetivas dos fatos em análise:
“Em direito processual documento é cada objeto apto a provar, mostrando ou ensinando (docere), as circunstâncias de um fato relevante na causa. Esta definição toma o conceito de documento em sentido lato (instrumentum). Em sentido estrito documento é um escrito que representa um ato humano de inteligência ou vontade. Para tornar-se prova processual, o documento deve ser levado ao juiz de modo a constituir um legitimo argumento para sua convicção sobre o objeto da controvérsia.”[6]
A prova documental, conforme o artigo 368 do Código de Processo Civil 2015, consiste em "qualquer escrito ou imagem impressa que represente o conteúdo de um ato jurídico ou de declaração unilateral de vontade e que tenha eficácia probatória". No mesmo sentido, o Código de Processo Canônico assevera que “Em qualquer género de juízo admite-se a prova por documentos, tanto públicos como privados.” (c. 1539).
Provas Testemunhais: são provas em que se leva em consideração os depoimentos de testemunhas que têm conhecimento direto e pessoal dos fatos em questão. As testemunhas são submetidas a questionamentos pelas partes envolvidas no processo e pelo juiz[7].
A prova testemunhal, conforme o artigo 442 do CPC/15, consiste no depoimento de pessoa que presenciou ou tem conhecimento de fato que é objeto de prova no processo. Assevera Marinoni que:
“A prova testemunhal refere-se sempre a alegações de fato. Mais: refere-se sempre a alegações de fatos passados, ainda que o objetivo da prova seja simplesmente autorizar o juiz a concluir que algo provavelmente vai ocorrer no futuro, quiçá com a finalidade de outorga de tutela jurisdicional preventiva (por exemplo, tutela inibitória). Nesse sentido, a testemunha referencial, que é aquela que relata algo que ouviu de outra pessoa, a rigor, nada prova quanto à alegação de fato debatida no processo, provando apenas o relato em si. O depoimento da testemunha referencial serve ao processo como indício. A testemunha, de resto, apenas tem de enunciar o fato em juízo, abstendo-se de qualificá-lo, valorá-lo ou demonstrar o seu significado no contexto do litígio.”[8]
No direito canônico a matéria está disciplinada nos cânones 1547 – 1573 em que o legislador direciona para a correta aplicação da colheita da prova.
Conclusão
As provas no Direito Canônico são os meios pelos quais as partes no processo apresentam ao juiz os fatos que alegam para fundamentar suas pretensões. As provas são essenciais para que o juiz possa formar sua convicção sobre o caso e proferir uma decisão justa[9].
O principal ensinamento que o direito canônico pode apresentar está na busca pela decisão justa e equânime aplicada para as partes.
Notas e referências
CASTRO, Flávia Lages de. História do direito geral e Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 13. ed., 2017.
Código de processo civil: Lei n. 13.105, de março de 2015.
CONDE, Manuel J. Arroba. Direito processual canônico. Paulus Editora, 2017.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.
SAMPEL, Edson Luis. Direito processual canônico. Revista de Cultura Teológica, n. 43, p. 133-142, 2003.
SCHULTZ, Estevão Campos et al. Por uma interpretação do Direito Privado a partir do contratualismo rawlsiano. 2023.
[1] CASTRO, Flávia Lages de. História do direito geral e Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 13. ed., 2017, p. 132
[2] SAMPEL, Edson Luis. Direito processual canônico. Revista de Cultura Teológica, n. 43, p. 133-142, 2003, p. 134
[3] CONDE, Manuel J. Arroba. Direito processual canônico. Paulus Editora, 2017, p. 38 – 39.
[4] CONDE, Manuel J. Arroba. Direito processual canônico. Paulus Editora, 2017, p. 347.
[5] CONDE, Manuel J. Arroba. Direito processual canônico. Paulus Editora, 2017, p. 340.
[6] CONDE, Manuel J. Arroba. Direito processual canônico. Paulus Editora, 2017, p. 523.
[7] CONDE, Manuel J. Arroba. Direito processual canônico. Paulus Editora, 2017, p. 537.
[8] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, p. 386.
[9] SCHULTZ, Estevão Campos et al. Por uma interpretação do Direito Privado a partir do contratualismo rawlsiano. 2023.
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