Direito autoral – Problemas para identificar o autor em obras oriundas de Inteligência Artificial.  

15/03/2019

 

 

A Lei n. 9.610/98 – LDA – Lei de Direitos Autorais - Embora legisle a respeito de direitos autorais e tenha essa nomenclatura, na realidade protege muito mais o titular do direito patrimonial - que nem sempre é o autor - do que o próprio autor. No seio de uma lei que vislumbra a proteção do autor, mas não é totalmente eficaz, nasce a problemática de se reconhecer quem é o autor, tarefa árdua em alguns casos como nos de obras oriundas de Inteligência Artificial.

A tecnologia que acompanha a vida contemporânea tornou a defesa pelos direitos autorais uma tarefa mais difícil. A chegada da internet e seu uso como poderoso meio de veiculação de obras enseja modificações no mecanismo de proteção autoral. O amplo acesso de grande parte da população mundial à rede mundial de computadores facilitou não somente o acesso, mas também a possibilidade de cópia, modificação das obras e divulgação de novas obras.

Os direitos autorais se exteriorizam através de leis criadas para garantir a circulação e veiculação da produção cultural. Tais direitos visam proteger duas bases que consubstanciam os direitos autorais, que são: os direitos patrimoniais e os direitos morais. O primeiro está ligado a titularidade/"propriedade". Esta titularidade pode ser transferida a qualquer terceiro, seja pessoa física ou jurídica. Os direitos patrimoniais estão intimamente relacionados com a questão pecuniária/econômica e visam fomentar o mercado. São esses direitos que em tese garantem aos artistas e divulgadores instrumentos para recuperar o capital investido. Noutro giro os direitos morais dizem respeito a autoria da obra, o autor é o criador e somente o ser humano pode criar – pessoa física. Os direitos morais são intransferíveis e irrenunciáveis, ainda que os direitos econômicos sejam transferidos, o autor continuará a ser o autor da obra para sempre. O direito moral do autor deverá sempre ser respeitado, ainda que já expirado o prazo de proteção ao direito patrimonial.

O prazo de proteção do direito patrimonial é de setenta anos contados a partir da morte do autor. Desta forma, após o prazo de 70 anos os herdeiros do autor não poderão impedir que a obra seja utilizada por terceiros. Uma vez a obra caindo em domínio público poderá ser livremente utilizada por terceiros sem a necessidade de autorização, pois não há mais direito patrimonial sobre a obra.

Há algumas exceções ao prazo supramencionado, por exemplo quando a obra for realizada em coautoria, neste caso sendo a obra indivisível o prazo de proteção patrimonial se finda com o falecimento do último coautor. Interessante é o fato que alguns países europeus estendem o tempo de proteção devido a primeira e segunda guerra mundiais. Na França o período de proteção patrimonial pode ser ampliado em até 14 anos, tempo adicional de proteção garantido às famílias para compensar perdas durante as guerras (oito anos para a Primeira Guerra e seis para a Segunda Guerra).

Contudo, ainda que expirado os prazos de proteção econômicas das obras e estas estejam em domínio público, os autores sempre deverão ter seus nomes divulgados, pois continuam a ser os criadores das obras. Neste escopo, a LDA em seu artigo 24 garante diversos direitos morais aos autores de obras.

 

O autor da obra – complicações no reconhecimento da autoria no decorrer da evolução da Inteligência Artificial.

O autor da obra é pessoa física criadora da obra, seja ela literária, artística ou cientifica, essa é a previsão legal contida no Art. 11º da LDA. Para as pessoas jurídicas, a autoria será concedida, de maneira restritiva, somente em poucos casos previstos pela lei. Há uma grande celeuma a respeito da autoria ser atribuída à pessoa jurídica, mas o avanço da Inteligência Artificial vem trazendo à tona novos desafios.

A quem atribuir a autoria de uma música produzida (letra e melodia) por algoritmos? Quem é o autor de uma pintura de Di Cavalcanti produzida por um computador e uma impressora 3D?

Essas são perguntas atuais, que existem e que as respostas não são simples à luz da nossa legislação. Nos exemplos citados, a quem pertencem os direitos autorais dessas obras caso elas fossem produzidas no Brasil? Seriam protegidas pela atual Lei de Direitos Autorais (LDA)?

Conforme já exposto o Brasil define autor – direitos morais – como pessoa física, prevendo poucas exceções que atribuem autoria as pessoas jurídicas. Neste sentido os computadores/robôs não se enquadrariam como autores. Porém por trás de toda forma de inteligência artificial há uma programação executada por humanos. Esta conclusão superficial trás uma falsa certeza de que há respostas rápidas e simples às indagações. Poderia ser a autoria do criador do código do programa, do operador do programa ou algo do gênero.

Falsa certeza, sim, pois desaba através de uma simples analise perfunctória do problema e da evolução da IA – inteligência artificial – esta pode se desenvolver e ultrapassar as instruções originais e, consequentemente, produzir novas obras. Há algoritmos "treinados" (com base de dados) a ouvir somente Beatles e que já produzem músicas sem a interferência humana, musicas com diversas características da banda, porém totalmente originais[1].

Nota-se que no caso supramencionado o autor do código original, deixa de ter controle sobre as ações e a produção elaboradas pela Inteligência Artificial. Se a obra não for resultado da ação original não se pode entender que o programador por exemplo é o autor da obra.

A Inteligência Artificial está mais propagada em alguns países do mundo. Na Inglaterra as obras produzidas por robôs são protegidas por direito autoral e a discussão já tem – ainda que possa não o entendimento acertado – uma resposta. Na Inglaterra a lei atribui a autoria “à pessoa que faz os arranjos necessários para a criação da obra” e não às máquinas.

No Brasil além da dúvida a respeito da autoria da obra, surge a indagação: Se não há um autor, teria essa obra proteção autoral? Pois, a LDA determina, em seu artigo 45, incisos I e II, que pertencem ao domínio público, entre outros casos, as obras de autores desconhecidos. Portanto, concluísse que as obras criadas pela Inteligência Artificial, por não possuírem autoria nos moldes da lei, estariam em domínio público?

Acredito que a saída – ainda que momentânea – seja recorrer ao direito alienígena, porém atribuindo uma espécie de autoria compartilhada entre: criador da inteligência artificial; àquele que a opera; e ainda com quem que insere as informações necessárias para gerar conteúdo.

Conferir a autoria a quem quer que seja será uma resposta momentânea sim, pois novos desafios surgirão à medida que a IA vem evoluindo a tomando espaço em nossas vidas.

Na realidade já há no Reino da Arábia Saudita o primeiro robô ao qual foi concedido o título de cidadão. Desenvolvida pela Hanston Robotics, com sede em Hong Kong, o robô Sophia possui um sistema de Inteligência Artificial capaz de aprender a expressar emoções como os humanos.

Portanto, logo teremos robôs com personalidade jurídica e direitos de personalidade reconhecidos que sem sombra de dúvidas serão capazes de produzir obras artísticas, porém ainda não serão pessoas físicas – não se enquadrando como autor na atual previsão da legislação pátria, ou seja, um novo problema!

 

A Lei n. 9.610/98 protege as obras exteriorizadas não protegendo ideias, ou seja, o que não saiu do plano de cogitação não tem proteção autoral.

A abrangência da LDA está prevista em seu Art. 7º[2], que em seu Caput trás a expressão obras intelectuais” que enseja um juízo de valor para que se possa entender a abrangência da proteção autoral em sede de LDA. O conceito de obra intelectual. Como o direito de autor pressupõe uma obra, é prudente que a análise se inicie pelo art. 7º da Lei de Direitos Autorais - LDA, que trata das obras intelectuais protegidas.

Obra intelectual protegida pela legislação em comento pode ser conceituada como:  "são as obras resultantes do trabalho (da atividade) intelectual, pessoal, de uma pessoa, que se exteriorizam de alguma forma.[3]" Urge destacar que sem obra intelectual não existe direito

autoral a ser tutelado, eis a importância de compreender o conceito de "obra intelectual" para a proteção e gestão dos direitos autorais.

O artigo 7º da LDA apresenta um rol exemplificativo, nesta senda importante enfatizar que visivelmente o legislador se preocupou com dois pontos: a necessidade de a obra ser uma criação do espírito já exteriorizada e que o meio que esta obra foi expressada não é relevante. Neste ultimo ponto, o meio que a obra foi expressada tem quase nenhuma importância, exceto para fins de comprovar a anterioridade, porém ressalta-se que a obra intelectual não necessita estar registrada para ter seus direitos protegidos. O registro, no entanto, serve como início de prova da autoria e, em alguns casos, para demonstrar quem a declarou primeiro publicamente.

Há ainda alguns requisitos necessários para que a obra seja protegida pelo direito autoral. A obra deve pertencer ao domínio das letras, artes, ou das ciências; a obra deve ser resultado do talento criativo do homem; a obra deve ser original e achar-se dentro do período de proteção, preenchidos os requisitos a proteção será reconhecida com independência do gênero da obra, sua forma de expressão, mérito ou destino.

Vale destacar que não é somente a LDA que protege os direitos autorais no brasil, pois há previsão na Constituição Federal. Tal é a relevância que a ordem jurídica brasileira empresta ao direito autoral que a Constituição de 1988 os tutela no âmbito dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, no seu artigo 5º, incisos XXVI e XXVII e no Código Civil onde há previsão referente à propriedade intelectual, ainda que indiretamente.

Conclui-se que o avanço na tecnologia que atualmente é um dos pesos na balança: Acesso e Proteção Autoral –, pois viabiliza o acesso de forma brutal - trará com seu desenvolvimento e novo braço chamado de Inteligência Artificial um novo elemento. Este "elemento" nada mais é do que a dúvida em identificar o beneficiário moral da proteção autoral (o autor – direito moral). Desta forma, a indagação sobre quem é o autor da obra parece ganhar força e espaço com a evolução de Inteligência Artificial e infelizmente parece que o Direito Brasileiro não irá apresentar uma resposta célere.

 

 

 

Notas e Referências

[1] A Sony CSL Research Labratory usaram a tecnologia para compor músicas. Chamada de “Daddy’s Car”, a primeira trilha composta é inspirada em músicas da lendária banda The Beatles.

[2] Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;

II - as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;

III - as obras dramáticas e dramático-musicais;

IV - as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;

V - as composições musicais, tenham ou não letra;

VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;

VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;

VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;

IX - as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;

 X - os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;

XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;

XII - os programas de computador;

XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.

§1º Os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis.

§2º A proteção concedida no inciso XIII não abarca os dados ou materiais em si mesmos e se entende sem prejuízo de quaisquer direitos autorais que subsistam a respeito dos dados ou materiais contidos nas obras.

§3º No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial.

[3] O direito da propriedade intelectual - subsídios para o ensino. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 1998, p. 45.

ASCENSÃO, J. O. Breves observações ao projeto substitutivo da lei de direitos autorais. Direito da internet e da sociedade da informação. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

BARBOSA, D. B. Uma introdução à propriedade intelectual. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

BRANCO JR., S. V. Direitos autorais na internet e o uso de obras alheias. Lumen Juris, 2007.

CERQUEIRA, J. G. Tratado de propriedade industrial. v. I. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1946.

Cf. BASSO, M. O direito internacional da propriedade intelectual. Porto Alegre: Livraria do advogado. 2000.

DANNEMANN SIEMSEN. Comentários à lei da propriedade industrial. Rio de Janeiro: Renovar. 2005.

LESSIG, L. Cultura livre. Trama universitário.

MORO, M. C. F. Direito de marcas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

 

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