Dilemas, posicionamentos e reflexos sobre os dez anos da Lei de Drogas

21/05/2016

Por Mayara Pellenz e Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino - 21/05/2016

Neste ano de 2016, a Lei nº 11.343 de 2006 – a qual institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas e outras medidas – completa dez anos. Percebeu-se, no decorrer dessa década, que o problema com as drogas traz inúmeras adversidades – institucionais e sociais -, bem como demanda questionamentos e reflexões diante dos efeitosdo uso dessas substâncias nocivas ao corpo humano.

Não obstante hajam significativos avanços sociais que se trouxe junto à promulgação desta Lei, novos problemas surgem e oportunizam questionamentos por juristas, penalistas, filósofos, criminólogos, cientistas políticos e tantos outros. De fato, o debate vai muito além da esfera jurídica, mas se refere a todas as pessoas no mundo, as quais sofrem, direta ou indiretamente, os efeitos violentos pela atitude deste mercado, incitado, ainda, pelos Estado nacionais.

Ocorre que debater sobre o problema das drogas, a sua proibição ou regulamentação, sobre sua descriminalização e suas consequências sociais, significa também debater a falência do Direito Penal[1], dos mecanismos de controle, da pena de prisão e das instituições que são ligadas ao sistema penal. Diante de um controle estatal o qual não cumpre as suas funções sociais e da permanente circulação, bem como uso de substâncias ilícitas, verifica-se, mais e mais, a ineficiência legal na medida em que Estado e Sociedade Civil organizada não conseguem, muitas vezes, estabelecer as comunicações necessárias para aperfeiçoar e aplicar os preceitos contidos na Lei 11.343/2006.

Indaga-se: o que estamos produzindo? Quais são os próximos passos no combate às drogas? Quais seriam as alternativas para superação deste problema social? Criminalizar em excesso? Descriminalizar? Regulamentar o uso? Tratar o problema como de interesse à saúde pública ou ao ente de controle repressivo?

No decorrer desses dez anos desde a promulgação da Lei de Drogas, as perguntas têm surgido em progressão geométrica, mas as nossas atitudes, seja como Estado ou Sociedade, são muito limitadas, especialmente quanto à centralidade desse debate: a Dignidade Humana. Quanto mais o tempo passa, o debate fica ainda mais evidente diante das notícias sobre tráfico, usos e abusos que se noticiam diariamente sobre o tema nos veículos de informação, a perda de sensibilidade moral com os efeitos produzidos, seja pelo consumo excessivo ou a troca pelo trabalho nesses “mercados” a fim de assegurar, de um lado, possível elevação de outro status comunitário, ou, de outro, a própria substância para uso pessoal.Diante de um panorama de crise, as respostas precisam ser buscadas e esclarecidas a partir de uma perspectiva interdisciplinar.

Destaca-se que a droga está presente em toda a história da Humanidade, quanto ao seu consumo, ao mercado, quanto à elaboração do produto. Nessa linha de pensamento, as drogas são mercadorias, mas, também, favorecem a “coisificação” do ser humano, seja pela necessidade do consumo, seja pela venda de seu esforço a fim de recebe-la ao trabalha-la ou lucrar com o seu transporte.

Essas substancias provocam (intensas) modificações psicocorpóreas e causam diferentes tipos de dependência. A sua difusão e a criação de um espaço para a comercialização transnacional obrigaram os Estados nacionais a criminalizar algumas dessas substâncias. No entanto, a adoção dessa postura tem demonstrado pouca – ou nenhuma – eficácia para a mitigação desse cenário porque tanto Sociedade Civil quanto Estado

Dentre os problemas verificados, cita-se a questão do mercado, que hoje, é global e transnacional. A perspectiva transfronteiriça abarca a criminalidade e, por esse motivo, o controle internacional do tráfico, por exemplo, demanda cooperação entre diversos países, que não podem ou não seriam capazes de realizar o controle sem iniciativas globais[2].

Ter clareza para encarar esse cenário real é um dos pontos de partida para que se possa compreender a integralidade desse cenário. É necessário insistir nesse argumento, pois, numa escala global, as trocas ilícitas não recaem apenas ao objeto “drogas”, mas sim, às pessoas, armamentos, animais silvestres, sexo, dentre outros. Não se trata, como se percebe, de tão somente centrar-se no objeto “drogas”, mas da própria “coisificação” do ser humano diante das conseqüências trazidas pelo consumo, pela venda, pela organização de uma “subclasse[3]” a qual opera negócios, recolhe lucros, elimina pessoas, torna cega nossa responsabilidade moral e institucional, torna fragilizada a Sociedade e as famílias.

A criminalidade, na sua dimensão transnacional, organizou-se e formou uma rede que obriga o Estado a operar de forma integrada, pois os limites das fronteiras do Estado nada significam para os criminosos organizados. A questão do tráfico internacional de drogas extrapola a capacidade de controle do Estado, desvelando seu enfraquecimento e suas dificuldades em controlar estes fluxos ilegais.

Observa-se, nesse cenário, como não há mecanismos de controle 100% eficazes, ou seja, o Estado está incapacitado para enfrentar a problemática das drogas de forma externa ou interna, a partir da organização de um mercado transnacional sustentado por categorias ilícitas de demanda planetária.

É preciso estabelecer novos posicionamentos contra esse “mercado mundial”, como, por exemplo, pela sua descriminalização. Essa tendência mundial já é observada no Uruguai (especialmente em relação à maconha), em Portugal (com sua política de redução de danos) e nos Estados Unidos (diante do aparato carcerário caríssimo observado na Califórnia, por exemplo).

A luta no Brasil contra as drogas, na esfera jurídica, iniciou na primeira metade do Século XX. A Lei de Drogas de 1976 (momento político conturbado, de Ditadura) foi substituída pela de 2006, e sua principal modificação foi a penalização do usuário. Antes, o usuário poderia ter sua liberdade privada, mas, atualmente, configura porte de droga para uso pessoal no JECRIM por transação penal, não cabendo prisão, ressalvadas as quantidades legais. Por outro lado, o tráfico de drogas passou a ter maior rigor da lei, com o aumento da pena mínima de 3 (três) para 5 (cinco) anos, não cabendo pena alternativa.

Inicialmente, o discurso legitimado era de que o usuário não é criminoso, não comete ilícito penal, e, por esse motivo, a reprimenda deve ser abrandada. Entretanto, o problema das drogas é tão grave que o tráfico, como vetor do consumo, deve ter uma pena pesada. Essa linha de pensamento sinalizava para a diminuição do tráfico, na prática, mas essa situação ocorrida somente na dimensão da teoria. Passado dez anos da Lei, observa-se que o problema das drogas ainda é gravíssimo e estimula diferentes modos de expressão da violência[4] – seja aquela determinada pelas instituições ou pelas relações pessoais do cotidiano.

Além de ser um problema de saúde pública e demandar políticas para seu atendimento, o que falar dos altos índices carcerários por conta do crime de tráfico de drogas? Hoje, são em média 700 mil presos no Brasil, índice que cresce de forma ininterrupta, contínua e crescente. 35% destes estão presos por tráfico de drogas, e 40% são presos provisórios. Questiona-se: que efeito essa medida tem no mercado da droga? Quem são aqueles que estão encarcerados? Ao ter a liberdade privada, a peça da engrenagem da organização criminosa é rapidamente substituída. No mercado da droga, no lugar do preso, alguém certamente ocupará o lugar que era seu, aqui do lado de fora.

Não obstante haja a vigência da Leis, essa possibilita a atuação policial no que se refere ao usuário e traficante, mas, qual o papel da polícia, em sua essência? Resumidamente, trata-se de uma prestadora de serviço público e uma instituição fundamental para a garantia da segurança enquanto direito do cidadão. Por esse motivo, não pode ser privatizada. Não se pode desconsiderar, no entanto, que o papel da polícia é, em verdade, controlar. O controle recai sobre as periferias, sobre o “perfil” do criminoso, sobre as classes “perigosas”, sobre os pobres e mal instruídos. Não se trata de uma polícia que garante, única e exclusivamente, o direito dos cidadãos.

O tempo demonstra que o controle pela força é exercido pela polícia, em seu sentido mais amplo, especialmente nas periferias, logo após a abolição da escravatura. Mesmo libertos, permanecia a situação de exclusão. Essa sujeição criminal é histórica e permanente, e, por esse motivo, a Sociedade brasileira vive muito mal. As desigualdades são muito gritantes.

De certo modo, a droga serve para legitimar o controle e a segregação: age no sentido de criminalizar uma parcela da população e de transformá-la em mercadoria política se ao instituir as drogas como exclusiva conduta tipificada pelo Direito Penal.

O uso da força, do controle, é algo que precisa ser moderado a partir das premissas de um Estado Democrático de Direito. Sem esse critério, torna-se uma autorização para que a polícia possa agir em nome da ordem da elite e do poder, e não sob os rigores da lei. A dinâmica do controle na Sociedade atual favorece a negociação de crimes, de suborno, de eleição do perfil do criminoso, da invasão de casas, da não observância de direitos e garantias mínimas do cidadão. Trata-se, literalmente, da legitimação de um Estado de Exceção[5].

Essa abertura -socialmente aceita -, se refere ao exercício do controle de forma violenta e excessiva, como nenhum outro lugar no mundo: vidas se perdem em acertos de contas, vidas ser perdem porque algo deu errado na relação de simbiose, vidas se perdem por corrupções baratas. Eis o sentido produzido pelos interesses do Mercado em detrimento à sadia oxigenação oportunizada pela Constituição à interpretação da Lei das Drogas[6]. Insiste-se: não existem Cidadãos, mas consumidores.

Estas negociações, publicamente conhecidas e não coibidas, são exemplos de promiscuidade entre o sistema e a criminalidade. O Estado possui essa natureza e negocia com condutas ilícitas, colocando a polícia como intermediária entre ente estatal e Sociedade: esse é o motivo, o porquê essa instituição torna-se desmoralizada, sem credibilidade, malvista, ou seja, sem qualquer possibilidade de estabelecer formas de comunicação com a Sociedade para assegurar tempos de paz.

Em relação a pena cominada ao tráfico, não nos parece razoável seu aumento, embora este seja o posicionamento de alguns legisladores. Se o gravame ocorrer, essa atitude se referirá ao aumento do valor da “mercadoria política”, ao aumento do valor do produto droga, ao valor da negociação que inevitavelmente ocorre nas esferas de poder e, mais e mais, o encarceramento recairá sobre a parcela mais pobre da população[7], dentro deste tipo penal.

O resultado desse cenário jurídico é o agravamento de uma crise institucional da disseminação de discursos populistas e punitivos que clamam pela segurança da Sociedade, mas não possuem condições de efetivar essa segurança, diante dos graves problemas de um sistema falido. Novamente, Estado e Sociedade são incapazes de debaterem, de criarem uma razão pública para averiguar os efeitos biológicos, sociais e políticos sobre o uso e mercantilização de substâncias entorpecentes.

A referida Lei torna mais branda a punição ao usuário de drogas e torna mais severa a conduta em relação ao traficante. Não é novidade também que a Lei de Drogas de 2006 deixa dúvidas no seguinte sentido: qual a distância entre o usuário e o pequeno traficante? Quem diz se é usuário ou traficante? Como mensurar a conduta e o animus do agente, nesse ponto? Cabe destacar que, num primeiro momento, o porte para uso pessoal não configura crime[8].

No entanto, a linha tênue entre aquele que é considerado usuário e aquele que é considerado traficante é geralmente desfeita pela definição da posição social. A mesma quantidade de droga apreendida com alguns trocados no bolso de um garoto pobre, pode, num garoto rico, figurar como uso pessoal, enquanto para o primeiro, sinaliza condução por tráfico de drogas[9].

Este tipo de situação além de revelar as graves deficiências do sistema jurídico e prisional, considerando inclusive a atuação judicial ineficaz, em muitos casos, diminuiu os casos de porte para uso pessoal e aumentou os flagrantes de tráfico. Na engrenagem, o resultado é a superlotação pelo encarceramento por tráfico de drogas. Por esse motivo, quando se debate a questão das Drogas no Brasil, significa, obrigatoriamente, discutir quais tipos penais caberia o encarceramento para se evitar o cenário descrito.

É preciso refletir sobre o sistema, como um todo, mas também o perfil do encarcerado, os “pequenos varejistas”, pois os grandes chefes do tráfico raramente são punidos pelas condutas. Vejamos: numa apreensão de 1 tonelada de cocaína, por exemplo, quem está por trás? Dificilmente o responsável por uma organização criminosa, desse porte, é descoberto.

Essa é uma das razões porquê o impacto da Lei de Drogas nos estabelecimentos prisionais é considerável: o pequeno varejista, iniciante no tráfico, que vende pequenas quantidades aos usuários é preso, mas o impacto no mercado do crime é nenhum, pois logo este é substituído. Porém, na cadeira superlotada, o impacto é considerável.

A resposta da falência total do sistema não é recente. O subproduto de toda a problemática da reprimenda penal é o surgimento e a organização de elementos em facções criminosas. Diante do clima insustentável na equação “Liberdade versus Segurança”, a Sociedade apoia um sistema prisional evidentemente inconstitucional. Essa linha de pensamento vai de encontro às máximas: “bandido bom é bandido morto” ou “Direitos Humanos é para quem entende”. Assim, há um clamor popular no sentido de apoiar o encarceramento, aumentar as penas e rever a questão da maioridade penal.

Estes discursos retroalimentam um sistema precário, falido e sem credibilidade, ou seja, a Sociedade deseja mais a ineficiência penal para expiar sua culpa e direcioná-la ao Estado. O que é preciso esclarecer é que a criminalidade é também um produto da situação carcerária. Pessoas são empilhadas nos estabelecimentos prisionais e são obrigadas a organizarem-se e especializarem-se, vinculando a alguma facção ou religião para garantir sua sobrevivência dentro dos muros e grades do cárcere. Para o Estado ou a Sociedade, pensado numa consequência impremeditada[10], tem-se, de modo institucional, a eliminação dos pobres. Esse é o ponto mais arrepiante de nossa cegueira moral.

É preciso chamar atenção do fato de que existem indivíduos que ingressam no sistema pela prática de crimes ocasionais, mas saem de lá devendo favores, com dívidas ou sendo cobrados em relação ao seu posicionamento do lado de fora. Acaba, vinculado ao crime novamente, diante da estigmatização[11] do preso, que está sem emprego e precisa sobreviver. A criminalidade pode ser um único caminho, se partirmos da premissa que o estabelecimento prisional em nada tem a ver com ressocialização com a função da pena, em sua concepção ideal. Essa situação não é novidade.

O que é novidade é que se produz criminosos em escala industrial. A Sociedadebaliza essa engrenagem sem ter noção do que realmente significa e de quais os impactos disso tudo a longo prazo.  Por esse motivo, os dilemas precisam ser enfrentados sob novas lentes, e, passados dez anos da Lei de Drogas, uma análise, nesse sentido, precisa ser incentivada. Qual a opção hoje, frente à essa realidade? Qual o caminho a ser trilhado para se mitigar esse cenário de violência?

Cabe lembrar sempre que, num Estado Democrático de Direito, as regras do jogo valem para todos: Estado, maiorias, minorias, entre outros. A Democracia, como regime de vontade das maiorias e das minorias, precisa ser preservada pelo Judiciário, Ministério Público e Sociedade Civil. Caminhamos nesse sentido? É possível acreditar que sim. No entanto, é preciso estar permanentemente refletindo sobre estas questões, repensar a função da pena e o funcionamento do sistema prisional.

Quando se inicia a reforma nessa linha de pensamento é preciso observar, num primeiro momento, que a destinação das vagas no sistema prisional efetivamente a quem precisa cumprir a pena no regime de privação de liberdade, considerando que não há vagas para todos. Da forma como o sistema se apresenta, a demanda punitiva e o foco punitivo são demandas sem fim e, muitas vezes, com objetivos poucos claros, eficazes e eficientes.

Logo, não há mais pessoas presas porque não há mais espaço nas instituições penitenciárias. Mesmo longe dos grandes centros, os estabelecimentos estão abarrotados de apenados, o que obriga o Judiciário, muitas vezes, a não decretar pena de prisão por falta de vagas e lançar mão de medidas alternativas para a contenção da população carcerária no Brasil.

Outro questionamento se refere à construção de novos estabelecimentos prisionais para satisfazer o numero cada vez maior de criminosos. Além de conter uma faceta política, esse discurso é invocado como bandeira de candidatos por meio do atendimento àquilo que preconizam os Direitos Humanos, no que se refere à novas vagas e instalações que atendam as estas premissas.

No entanto, até onde vamos em termos de demanda carcerária? Quais são as possibilidades de cumprimento de preceitos estabelecidos pelos Direitos Humanos Fundamentais, pela legislação infraconstitucional para se assegurar, minimamente, a Dignidade da Pessoa Humana[12]?

Longe da pretensão de se esgotar o tema, buscou-se, nestas linhas, refletir a respeito de uma questão tão importante para a Sociedade. Passado dez anos da promulgação da Lei de Drogas, percebe-se que ainda há muito a avançar sobre o tema, o que implica em discutir também questões como saúde e segurança pública, políticas carcerárias e de inclusão, cidadania e direitos fundamentais. Sem questionamentos a respeito do sistema, em seu sentido mais amplo, caminha-se para o agravamento do sistema penal, que já está falido, mas que pode ser tornar totalmente inviável.

É preciso repensar a função social das instituições. Não há controle da questão carcerária no Brasil e esse fato precisa ser encarado. Esse debate não se limita, no entanto, à esfera administrativa ou jurídica, mas, merece destaque na mídia, nas associações, nas comunidades e nas periferias. A responsabilidade pela eficácia e eficiência dessas políticas não se exaure tão somente nos ombros do Estado, mas da participação das pessoas a fim de tornar mais permanente a tão desejada – entendida, aqui, quase como fetiche – segurança.

A questão da impunidade precisa ser debatida, o porquê de a lei valer para uns e não para outros. Construir políticas nesse sentido é uma necessidade emergente. Quais escolha a Sociedade irá realizar? É preciso avançar por meio de um Direito justo e universal. Como compatibilizar esses questionamentos? Esse é o grande desafio do nosso tempo e que, de modo estrondoso, grita aos nossos ouvidos na expressão de Herrera Flores: é preciso humanizar a humanidade[13].


Notas e Referências:

[1] “O direito penal há de ser usado apenas nas situações mais graves, de forma subsidiária, necessária e excepcional. O que se observar, entretanto, é a sua reiteração, a sua utilização de forma pronta, rápida   e desmesurada. O que se vê é um direito penal de emergência, um direito penal mitológico, capaz de realçar a falsa relevância das condutas não ofensivas aos bens jurídicos mais importantes”. CALLEGARI, André Luís; WEDY, Miguel Tedesco. Uso de drogas, eficiência e bem jurídico. In:CALLEGARI, André Luís; WEDY, Miguel Tedesco (orgs.) Lei de Drogas: aspectos polêmicos à luz da dogmática penal e da política criminal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 19.

[2]A Transnacionalidade, a partir desse argumento, mostra as severas limitações de atuação do Estado nacional, bem como do Direito. É necessário, nesse momento, rememorar as palavras de Staffen: “[...] a força motriz do Direito já não se configura mais como os anseios de limitação jurídica dos poderes domésticos absolutos; mas, sobremodo, a regulação de dinâmicas policêntricas relacionadas com a circu­lação de modelos, capitais, pessoas e instituições em espaços fí­sicos e virtuais. Nessa medida, necessário se faz reconsiderar as relações existentes entre Direito e Estado, entre público e priva­do, entre os diferentes cenários jurídicos e as autoridades legais, sob pena da exaustão dos modelos decorrentes de fraturas infin­dáveis. É preciso ter essa clareza: as relações e responsabilidades humanas não gravitam, nem se prendem, apenas nos contornos territoriais do Estado-nação, mas caminham, de modo trans­fronteiriço, para outros horizontes de integração e convivência. Nesses termos, o declínio do Estado Constitucional nacional e a ascensão de um paradigma global de Direito decorrem, subs­tancialmente, da penetração de critérios de governança nos as­suntos e políticas públicas dos Estados, logisticamente apoiados pelos avanços tecnológicos”. STAFFEN, Márcio Ricardo. A tutela jurídica global da alimentação. In: TRINDADE, André Karam; ESPÍNDOLA, Ângela Araújo da Silveira; BOFF, Salete Oro. Direito, Democracia e Sustentabilidade: anuário do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Faculdade Meridional. PassoFundo, (RS): Editora IMED, 2015, p. 114.

[3]“[...] ‘Subclasse’ evoca a imagem de um agregado de pessoas que foram declaradas fora dos limites em relação a todas as classes e à própria hierarquia de classes, com poucas chances e nenhuma necessidade de readmissão: pessoas sem um papel, que não dão uma contribuição útil às vidas dos demais, e em princípio além da redenção. Pessoas que, numa sociedade dividida em classes, não constituem nenhuma classe própria, mas se alimentam das essências vitais de todas as outras, erodindo, desse modo, a ordem da sociedade baseada em classes. Isso ocorre da mesma maneira como na imagística nazista de uma espécie humana dividida em raças os judeus não eram acusados de ser outra raça, mas uma ‘não-raça’, um parasita no corpo de todas as outras raças ‘próprias e adequadas’, uma força erosiva que diluía a identidade e a integridade de todas as raças e assim solapava e minava a ordem do mundo baseada em raças. Permitam-me acrescentar que o termo ‘subclasse’ foi escolhido com primor. Ele evoca e arrola associações com o submundo - Hades, Seol, esses arquétipos primais profundamente enraizados do mundo subterrâneo, essa escuridão nebulosa, úmida, mofada e sem forma que envolve aqueles que se aventuram para fora do mundo dos vivos, bem-ordenado e saturado de significado...”.BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 156.

[4] “Estamos numa era de violência. Sob os pretextos mais elevados e com a desculpa de assegurar condições mais favoráveis à promoção dos valores humanos sacrificam-se esses mesmos valores,às vezes, os adeptos da violência partem da consideração absurda de que sacrificam os valores de um pequeno número para favorecer a de um número maior. Entretanto, os que não chegam a perceber é que os valores fundamentais de cada homem são valores de toda humanidade, não sendo admissível, nesse área, uma consideração meramente quantitativa. Além disso, como já foi ressaltado, as soluções de força são, quase que inevitavelmente, falsas soluções, pois a solução real ou aparente de cada problema significa a criação de muito outros, numa sucessão interminável. Os profissionais do direito, os que de qualquer forma, em qualquer setor, são responsáveis pelo funcionamento dos mecanismos jurídicos da sociedade, não podem, em hipótese alguma, sucumbir às tentações da violência e concordar com ela, mesmo quando pareça justa e necessária”. DALLARI, Dalmo de Abreu. O renascer do direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 24/25.

[5] “Diante do incessante avanço do que foi definido como uma "guerra civil mundial", o estado de exceção tende cada vez mais a se apresentar como paradigma de governo dominante na políticacontemporânea. Esse deslocamento de uma medida provisória e excepcional para uma técnica de governo ameaça transformar radicalmente - e, de fato, já transformou de modo muito perceptível - a estrutura e o sentido da distinção tradicional entre os diversos tipos de constituição. O estado de exceçãoapresenta-se, nessa perspectiva, como um patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo”.AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004, p. 13.

[6] “[...] Cria-se, assim, um novo princípio jurídico: ‘o do melhor interesse do mercado’. O Direito é um meio para atendimento do fim superior do “crescimento econômico”. É necessário simbolicamente para sustentar a pretensa legitimidade da implementação dos ajustes estruturais mediante reformas constitucionais, legislativas e normativas executivas”. ROSA, Alexandre Morais da; LINHARES, José Manuel Aroso. Diálogos com a law&economics. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2011, p. 54.

[7]“[...] O novo consenso geral, [...], não é tornar mais leve o fado dos pobres, mas para nos livrarmos deles, apaga-los ou fazê-los desaparecer da agenda das preocupações públicas”. BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, p. 187.

[8] “A nova Lei das Drogas (11.343/06 – art. 28), pune e define como crime a conduta de quem ‘adquire’, ‘guarda’, ‘tem em deposito’, ‘transporta ou traz consigo’, para ‘consumo pessoal’, ‘substancia entorpecente’. Na verdade, o que resta alvejado pelo usuário, seja dependente ou consumidor esporádico, é a sua própria saúde individual. [...]. Vê-se, claramente, uma opção por um direito penal de características expansivas e antigarantistas, violador da lesividade ou ofensividade e até do princípio constitucional da intimidade e da privacidade, previsto no art. 5º, X, da Constituição Federal”. CALLEGARI, André Luís; WEDY, Miguel Tedesco. Uso de drogas, eficiência e bem jurídico. In:CALLEGARI, André Luís; WEDY, Miguel Tedesco (orgs.) Lei de Drogas: aspectos polêmicos à luz da dogmática penal e da política criminal. p. 18.

[9] “Pelo contrário, dado o estímulo do ‘fruto proibido’, o porte de drogas, a partir da nova lei, revelar-se-á em ‘interessante’ instrumento de contestação do ‘poder Estatal’, pois mesmo na remotíssima hipótese do usuário ser flagrado (me virtude da consabida deficiência policial no combate ao crime), ele sabe que, se vier a ser condenado, a sanção penal não lhe provocará nenhuma ‘dor’, não tendo porque teme-la, o que rende ensejo ao escárnio  de todo um sistema de repressão estatal, afinal, o usuáriosabe, desde o início, que não ‘vai dar nada’. Vale dizer, entre a descriminalização e a despenalização, optou-se pela ‘desmoralização’ do sistema penal”. MARTINS, Charles Emil Machado. Uso de Drogas: Crime? Castigo? In:CALLEGARI, André Luís; WEDY, Miguel Tedesco (orgs.) Lei de Drogas: aspectos polêmicos à luz da dogmática penal e da política criminal. p. 79.

[10]“[...] A durée da vida cotidiana ocorre como um fluxo de ação intencional. Entretanto, os atos têm consequências impremeditadas; e, [...], estas podem sistematicamente realimentar-se para constituírem as condições não reconhecidas de novos atos. Assim, uma das consequências normais de eu falar ou escrever de um modo correto em inglês é contribuir para a reprodução da língua inglesa como um todo. O fato de eu falar inglês corretamente é intencional; a contribuição que dou para a reprodução da língua não é”. GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. Tradução de Álvaro Cabral. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 8.

[11]“Estigma é um sinal ou marca que alguém possui, que recebe um significado depreciativo. No início era uma marca oficial gravada a fogo nas costas ou no rosto das pessoas. Entretanto, não se trata somente de atributos físicos, mas também da imagem social que se faz de alguém para inclusive poder-se controlá-lo e até mesmo de linguagem de relações, para empregar expressão de Erving Goffman, que compreende que o estigma gera profundo descrédito e pode também ser entendido como defeito, fraqueza e desvantagem. Daí a criação absurda de duas espécies de seres: os estigmatizados e os “normais”, pois, afinal, considera-se que o estigmatizado não é completamente humano”. BACILA, Carlos Roberto. Estigmas: um estudo sobre os preconceitos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 24/25.

[12]“É justamente no pensamento de Kant que a doutrina jurídica mais expressiva - [...] – ainda hoje parece estar identificando as bases de uma fundamentação e, de certa forma, de uma conceituação de dignidade da pessoa humana. Até que ponto, contudo, tal concepção efetivamente poderá ser adotada sem reservas ou ajustes na atual quadra da evolução social, econômica e jurídica constitui, sem dúvida, desafio fascinante [...]. Assim, poder-se-á afirmar [...] que tanto o pensamento de Kant quanto todas as concepções que sustentam ser a dignidade atributo exclusivo da pessoa humana – encontram-se, ao menos em tese, sujeitas à crítica de um excessivo antropocentrismo, notadamente naquilo em que sustentam que a pessoa humana, em função de sua racionalidade [...] ocupa um lugar privilegiado em relação aos demais seres vivos. Para além disso, sempre haverá como sustentar a dignidade da própria vida de um modo geral, ainda mais numa época em que o reconhecimento da proteção do meio ambiente como valor fundamental indicia que não está em causa apenas a vida humana, mas a preservação de todos os recursos naturais, incluindo todas as formas de vida existentes no planeta, ainda que se possa argumentar que tal proteção da vida em geral constitua, em última análise, exigência da vida humana e de uma vida humana com dignidade, tudo a apontar para o reconhecimento do que se poderia designar de uma dimensão ecológica ou ambiental da dignidade da pessoa humana”. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 42/43.

[13]HERRERA FLORES, Joaquín. A reinvenção dos direitos humanos. Tradução de Carlos Roberto Diogo Garcia, Antonio Henrique Graciano Suxberger e Jefferson Aparecido Dias. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009, p. 42.


MAYARA

Mayara Pellenz é Mestre em Direito pela Faculdade Meridional – IMED – e Advogada. Graduada em Direito pela Universidade de Passo Fundo. Pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal na Faculdade Meridional de Passo Fundo e Docente do Curso de Direito na mesma instituição. Atualmente, cursa especialização em Ciências Penais pela UNIDERP e especialização em Psicologia Jurídica na Faculdade Meridional. Mestre em Direito pela Faculdade Meridional – Área de Concentração: Direito, Democracia e Sustentabilidade e Linha de Pesquisa Fundamentos Normativos da Democracia e da Sustentabilidade. Integrante dos Grupos de Pesquisa: Ética, Cidadania e Sustentabilidade; Direitos Culturais e Pluralismo Jurídico; e Temas Emergentes em Criminologia Crítica. Associada ao Conselho Nacional de Pós-Graduação em Direito CONPEDI.


Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino é Mestre e Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) – Mestrado – do Complexo de Ensino Superior Meridional – IMED.

E-mail: sergiorfaquino@gmail.com. .


Imagem Ilustrativa do Post: Combate à criminalidade e ao tráfico de drogas // Foto de: Fotos GOVBA  // Sem alterações.

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/agecombahia/5906654437/

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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