Por Adriana Cecilio Marco dos Santos – 21/12/2016
Os deputados Rogério Rosso e Miro Teixeira propuseram a PEC 298, que visa incluir no ADCT – Ato das disposições constitucionais transitórias, uma autorização para que a Câmara dos Deputados instale uma Assembleia Nacional Constituinte, em 01 de fevereiro de 2017, com a justificativa de que se faz necessária uma reforma política e eleitoral mais profunda.
Ocorre que, o texto da Proposta de Emenda Constitucional já se torna perigosamente evasivo, quando diz: “a Assembleia Nacional Constituinte deliberará, preferencialmente, sobre matéria atinente à Reforma Política e Eleitoral (...)”. Ou seja, os deputados querem uma carta branca, para alterarem o que lhes for propício no texto constitucional. Todos os brasileiros precisam se atentar ao significado disso, portanto peço licença aos colegas para escrever, àqueles que não são da área jurídica, com intento de compartilhar a informação de maneira acessível a todos.
A Constituição é o texto maior de uma nação. Todas as outras leis do país precisam estar em consonância com a Constituição. Alterações no seu teor devem ser mínimas, porque os impactos são muito expressivos e afetam toda a sociedade. Por esta razão constituições não são “revisadas” aleatoriamente. Elas devem sofrer apenas pequenas alterações, que se façam extremamente necessárias.
Mal comparando, uma constituição é o manual de instruções de um país. Se você muda as instruções, pode mudar o rumo, a forma de resolver os problemas, a maneira do Estado se relacionar com os cidadãos, a própria identidade política do país. Por conta dessa relevância, um texto constitucional só é modificado profundamente, mediante uma ruptura institucional, em casos de guerra, rebeliões, golpes de estado, situações que rompam com o modelo estabelecido. Não é o caso do Brasil no momento.
A forma correta de alterar o texto constitucional é através de Proposta de Emenda à Constituição, as chamadas PEC´s. Justamente para que as modificações sejam pontuais. Uma Assembleia Nacional Constituinte teria o poder de revisar o texto por inteiro, exceto o que é qualificado como cláusulas pétreas (imutáveis): a forma federativa de estado; o voto direto, secreto e universal e periódico; direitos e garantias individuais.
A constituição traz no seu art. 60, §4º e incisos esses limites e na proposta apresentada foram incluídos: o estado democrático de direito, o pluralismo político e a separação dos poderes. De toda forma, o restante do texto constitucional ficaria a mercê de deformações, que poderiam desfigurar toda a lógica constitucional, como se apresenta hoje. Para compreender o que isso significa basta ver a constituição como uma história, as cláusulas pétreas são os personagens principais, não é praticável retira-las do enredo, mas é possível diminuir sua força, dificultando seu manejo. Principalmente, direitos e garantias fundamentais.
A história de qualquer país, como de qualquer pessoa, é pautada em erros e acertos, isso faz parte do amadurecimento. Somos uma democracia extremamente jovem, nossa constituição data de 1988, são apenas 28 anos de Democracia. A situação que estamos vivendo hoje no cenário político é desanimadora, mas não podemos permitir que em nome de um “conserto”, coloquemos tudo a perder. A constituição da forma como está escrita, dá conta de regular todos os fatos que estamos vivenciando. Basta que as instituições a respeitem e coloquem em prática o que lá está descrito.
É relevante sabermos que a nossa constituição é elogiada por diversos constitucionalistas de renome internacional, reconhecida como um texto absolutamente vanguardista, principalmente em relação à garantia de direitos fundamentais. O que se faz necessário é lutar pela concretização destes direitos. Uma mudança radical pode ter um efeito nocivo para muitas conquistas já alcançadas.
O Supremo Tribunal Federal é o órgão responsável pela “guarda” da constituição, por fazer com que os outros poderes e o próprio judiciário, respeitem o texto constitucional. Entretanto, ultimamente algumas decisões muito polêmicas tomadas pelo STF tem trazido instabilidade de toda sorte ao cenário jurídico nacional. A maior crítica dos constitucionalistas tem sido em face dos posicionamentos do Supremo que atentam contra a interpretação literal do texto, como o caso da possibilidade de execução da pena em segunda instância, visto que a constituição fala claramente, que o indivíduo só poderá ser considerado culpado, após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória que assim o defina.
Além destas decisões controvertidas, brigas entre os membros do Tribunal, declarações públicas de um depreciando a decisão do outro, afetaram substancialmente, a devida postura ética que a mais alta corte do país precisaria manter, para ser vista pela sociedade como um órgão que possui respeitabilidade. Esta situação, aparentemente, descontrolada das coisas é sem dúvida o principal combustível, para a propositura dessa indigitada PEC 298. Aquele que deveria ser o guardião da constituição, o esteio do cumprimento do texto maior, se revela seu algoz, como os demais poderes terão a referência de que a Carta Magna está vigente e viva? É lamentável.
Por fim, importante pontificar que a justificativa apresentada para a revisão do texto constitucional, qual seja, a de que o contexto político requer uma atitude enérgica, para “resolver” a situação que estamos vivendo, é um tanto descabida, na medida em que os próprios deputados (em sua esmagadora maioria) são protagonistas deste caos que estamos atravessando. Logo, é tal e qual, uma raposa que vandaliza um galinheiro, depois pede ao fazendeiro que a deixe consertar a cerca. O que se pode esperar, é que a raposa fará a reforma, de maneira que fiquem mais fáceis os próximos saques.
Fiquemos muito atentos. Se há uma questão que precisa ter o condão de unir toda a população, partidários de direita e esquerda, é a essa. A Constituição é o escudo do cidadão contra os abusos do Estado. Cabe a todos nós defendê-la, evitando assim que o muito que já estamos sofrendo, se agrave ainda mais. Diga não a PEC 298!
Adriana Cecilio Marco dos Santos é Advogada, Sócia Fundadora do Escritório Adriana Cecilio Advocacia, Especialista em Direito Constitucional Aplicado, Membro efetivo da Comissão da Mulher Advogada da OAB/SP, Membro da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos – ANPAC e da Associação Nacional dos Constitucionalistas da USP – Instituto Pimenta Bueno, Professora, Coordenadora da Comissão do Acadêmico de Direito, Coordenadoria de Métodos de Estudo e Carreiras Jurídicas.
Imagem Ilustrativa do Post: 2013 - Vice-presidente Michel Temer em Sessão Solene para outorga da Medalha Assembleia Nacional Constituinte // Foto de: Michel Temer // Sem alterações
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