Die musik der gesselschaft ou do Direito e Rock explicado pela teoria dos sistemas autopoiéticos de Luhmann

05/05/2015

Por Germano Schwartz - 05/05/2015

Admite-se. Eis uma correlação difícil de ser estabelecida. Direito & Rock. Em um primeiro momento, a perplexidade do leitor pode ser a curiosidade científica do próprio autor. De que maneira uma categoria musical cujas origens levam a ideia de contraposição ao status quo vigente pode ser conectada ao sistema jurídico, local em que as comunicações do sistema social – como as do rock – são (re)processadas a partir de um código específico (Recht/Unrecht) e, portanto, decodificadas a partir de sua própria lógica (Luhmann, 1997, p. 165)?

Nesse caso, a pergunta se torna o leitmotiv da presente coluna. Como é possível estabelecer uma ligação entre Direito & Rock e qual o modo de se abordar sua existência? A proposta: por meio da Teoria dos Sistemas Autopoiéticos Aplicada ao Direito (TSAD).

Em outras palavras: se o rock é compreendido pelo sistema jurídico a partir de sua própria autorreferência, é por seu turno, uma expressão artística que integra, portanto, o sistema da arte, segue sua autoorganização e sua autodescrição (Teubner, 1989).  O rock é autônomo para perceber as comunicações jurídicas, (Luhmann, 2007, p. 285) e o Direito é autônomo para observar o rock.

Essa imbricação provém do marco teórico utilizado para responder à pergunta-base. Com a TSAD é possível verificar que possibilidades traz o seguinte paradoxo: se o rock é subversivo (Hein, 2011, p. 39), pretendendo a modificação do sistema social e se o sistema jurídico procura estabilizar expectativas normativas (Luhmann, 1983, p. 55), de que modo ele integra e desintegra o Direito?

A opção pela TSAD, fundamentalmente, dá-se pelas possibilidades que ela proporciona de se lidar com os paradoxos sem os temer. Como aponta Rocha (1997, p. 17), eles, os paradoxos, são condições necessárias para a compreensão e para a crítica do Direito. Os paradoxos são constitutivos do Direito, como na hipótese do décimo-segundo camelo (Luhmann, 2004, pp. 33-108). Somente se tornam visíveis quando observados por um observador de segunda ordem, isto é, alguém que, ao mesmo tempo, em que esteja no sistema jurídico se encontre além dele. Com isso, será possível verificar os pontos distintivos do caos criado pelos paradoxos e que se aplicam a si mesmos, ao sistema jurídico e ao sistema artístico.

 Gize-se, todavia, que não existe a posição de observador último e que a descrição dada pelo Direito & Rock será, inevitavelmente, percebida por outro observador de um modo diferenciado, dando-se, assim, continuamente, o processo de evolução mediante variação e estabilização dos sistemas sociais. Um observador de primeira ordem do sistema jurídico vai se fixar na autodescrição que o Direito proporciona mediante bases invariáveis. Ele observa o sistema jurídico com a ajuda de valores, ou, na linguagem de Rocha (1998, p. 128), de uma ideologia prévia. Para o observador de segunda ordem, de outro lado, o Direito aparecerá como uma construção sobre distinções cada vez mais diferenciadas (Luhmann, 2007, p. 889). Em suma, essa é uma produção autopoiética de sentido.

Outra razão, tão importante quanto a anterior, para a utilização da TSAD , consiste no fato de que se trata de uma teoria sociológica do Direito, isto é, ela entende como gnosiológica a afirmação de que Direito e Sociedade são indissociáveis. Por meio de seus conceitos, é possível perceber, sem qualquer dificuldade, que a crítica a respeito de que na TSAD o Direito basta por si só e se remete apenas a ele mesmo, assemelhando-se ao positivismo jurídico, é frágil. Como refere King (2009, p. 49), a beleza da construção paradoxal da TSAD é a da sociedade que consegue se reconstituir por intermédio de seus subsistemas sociais, no caso, o artístico e o jurídico.

Nesse sentido, a opção por uma teoria sociológica que se aplica ao Direito como a TSAD se justifica também por se compreender que o rock é fruto de uma aquisição evolutiva social do mesmo modo que o Direito. Ainda que suas funções sejam diversas em uma sociedade funcionalmente diferenciada (Rocha, et al., 2013), o fato de estarem presente no sistema social pressupõe que exista uma comunicação entre elas.

Mas há uma razão final. Altamente subjetiva. Muitos acusam Luhmann de ser um autor hermético e com pouco carisma. Será? Por favor, digam-me qual grande acadêmico tem uma banda de rock cujo título homenageia a suas pesquisas, a Die Musik der Gesselschaft?

Estou curioso para saber.


Notas e Referências: 

Hein, F. (2011). Le rock, une musique subversive? In: W. Mastor, J. P. Marguénaud, & F. Marchadier (Eds.), Droit et Rock (pp. 31-44). Paris: Dalloz.

King, M. (2009). A Verdade sobre a Autopoiese no Direito. In: L. S. Rocha, M. King, & G. Schwartz (Eds.), A Verdade sobre a Autopoiese no Direito (pp. 41-98). Porto Alegre: Livraria do Advogado.

Luhmann, N. (1983). Sociologia do Direito I e II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.

Luhmann, N. (1997). Das Recht der Gesellschaft. Frankfurt: Surhkampf.

Luhmann, N. (2004). A Restituição do décimo-segundo camelo: do sentido de uma análise sociológica do Direito. In: A.-J. Arnaud, & D. Lopes Jr (Eds.), Niklas Luhmann: do Sistema Social à Sociologia Jurídica (pp. 33-108). Rio de Janeiro: Lumen Juris.

Luhmann, N. (2007). La Sociedade da la Sociedad. México: Herder.

Nafarrate, J. T. (2004). Luhmann: la política como sistema. México: Universidad Autónoma de México.

Ost, F. (1999). O Tempo do Direito. Lisboa: Piaget.

Rocha, L. S. (1997). Introdução. In: L. S. Rocha (Ed.), Paradoxos da Auto-observação: Percursos da Teoria Jurídica Contemporânea (pp. 17-33). Curitiba: JM.

Rocha, L. S. (1998). Epistemologia Jurídica e Democracia. São Leopoldo: Unisinos.

Rocha, L. S., Schwartz, G., & Clam, J. (2013). Introdução à Teoria do Sistema Autopoiético do Direito (2ª ed.). Porto Alegre: Livraria do Advogado.

Teubner, G. (1989). O Direito como Sistema Autopoiético. Lisboa: Calouste Gulbenkian.


GermanoGermano Schwartz é Diretor Executivo Acadêmico da Escola de Direito das FMU e Coordenador do Mestrado em Direito do Unilasalle. Bolsista Nível 2 em Produtividade e Pesquisa do CNPq. Secretário do Research Committee on Sociology of Law da International Sociological Association. Vice-Presidente da World Complexity Science Academy.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                


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