DIANTE DA POSIÇÃO DO STJ (NA DISSOLUÇÃO PARCIAL/RETIRADA), INSERIR NOS CONTRATOS SOCIETÁRIOS OS CRITÉRIOS PARA ATRIBUIÇÃO DO VALOR ECONÔMICO-FINANCEIRO À EMPRESA (VALUATION) É INDISPENSÁVEL

01/03/2023

O propósito do texto é trazer novamente ao debate a importância de se estabelecer metodologias para a atribuição do valor econômico-financeiro da empresa, diante da repercussão do julgado abaixo (STJ), e dos custos de transação da dissidência no momento da precificação da participação acionária, pois a ausência de regulação no contrato social, invariavelmente, estava ancorada na crença de que a jurisprudência resolvia. Será mesmo?

A posição adotada pela 3ª Turma do STJ, ao acolher, por maioria, o voto divergente do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, no julgamento do REsp 1.877.331, sob a Relatoria da Ministra Nancy Andrighi, e em razão do conteúdo do v. acórdão, redobra a importância de se prever, no contrato social/estatuto, critérios seguros e conciliativos acerca da avaliação (valor das quotas/ações) para o caso de retirada do sócio (dissolução parcial).

Pelo julgamento referido, em um caso específico, o método do fluxo de caixa descontado para a avaliação de bens imateriais que integravam o fundo de comércio foi descartado, adotando-se a seguinte posição: “o artigo 606 do Código de Processo Civil de 2015 veio reforçar o que já estava previsto no Código Civil de 2002 (artigo 1.031), tornando ainda mais nítida a opção legislativa segundo a qual, na omissão do contrato social quanto ao critério de apuração de haveres no caso de dissolução parcial de sociedade, o valor da quota do sócio retirante deve ser avaliado pelo critério patrimonial mediante balanço de determinação”[i].

No contexto do julgado, a apuração de haveres no caso de dissolução parcial, levará em consideração o valor patrimonial aferido em balanço de determinação, nos moldes da interpretação literal dada ao artigo 1.031 do Código Civil, ofuscando, desta forma, a forte tendência de se utilizar de outros métodos, a exemplo, do fluxo de caixa descontado, como modelo mais aderente a uma avaliação em termos de mercado.

Tal conclusão decorre do entendimento, segundo o voto vencedor, de que “o critério legal (patrimonial) é o mais acertado e está mais afinado com o princípio da preservação da empresa, ao passo que o econômico (do qual deflui a metodologia do fluxo de caixa descontado), além de inadequado para o contexto da apuração de haveres, pode ensejar consequências perniciosas, tais como (i) desestímulo ao cumprimento dos deveres dos sócios minoritários; (ii) incentivo ao exercício do direito de retirada, em prejuízo da estabilidade das empresas, e (iii) enriquecimento indevido do sócio desligado em detrimento daqueles que permanecem na sociedade[ii].

Ao se debruçar não apenas no ementário, mas no corpo do v. acórdão, sob o ponto de vista desta arguição, entende-se que a premissa foi equivocada, como se o sócio retirante não quisesse mais participar do risco da atividade e por isso reclamaria a sua saída. Sabe-se que não é bem assim, e tal conclusão está mais para a exceção do que para a regra. Uma boa parte do exercício do direito de retirada decorre de outra lógica, da quebra da affectio societatis e não do receio do risco da atividade empresarial, pois o risco é da essência do empresário. No caso em comentário, foi feliz o voto vencido da lavra da Ministra Nancy Andrighi, ao compreender a natureza da empresa e sua realidade de mercado, conteúdo mais aberto, para o efeito das soluções de casos concretos segundo as características de cada disputa.

É certo que existem várias metodologias para se avaliar uma empresa, mais detidamente o valor da participação de cada sócio. E essas metodologias, quanto a adequação, variam de acordo com o tipo da atividade econômica (se indústria, comércio, serviços), e até mesmo quanto a capacidade de inovar, com destaque para as empresas de tecnologia e as startups. O fluxo de caixa descontado, por exemplo, muito utilizado, não se amolda a qualquer tipo de empresa, implicando em deficiência do método para aquelas que se encaixem no primeiro nível de sua evolução/consolidação. E mesmo esse método, pode variar, no que se refere a levar o faturamento para frente, em quanto tempo na relação faturamento/receita/anos (3, 4, 5, 8 ou 10 anos?), também em relação a taxa de desconto (custo do capital, riscos), perpetuidade etc. São as peculiaridades da empresa e o caso concreto que revelarão a melhor solução para efeitos práticos.

O processo de valuation ao representar o estudo do valor econômico-financeiro da empresa, é indispensável para se chegar ao consenso sobre o valor da empresa, e em última análise, do valor das respectivas participações no capital social.  Tal estudo pode ser feito extrajudicialmente (nas situações que comporta) ou judicialmente por perito judicial nomeado pelo juiz, até mesmo em sede preparatória (produção antecipada de provas)[iii].

A própria CVM, ainda quando da IN 361 (Anexo III)[iv], ao dispor sobre o procedimento aplicável às ofertas públicas, em termos de avaliação do valor da companhia, dá diretrizes acerca do conteúdo obrigatório do laudo de avaliação, desde informações sobre a empresa, histórico, descrição sumária do mercado, análise do setor, premissas macroeconômicas utilizadas no estudo, projetos de investimentos relevantes, dentre outros. De igual forma, a referida normativa, trata dos diferentes critérios para se apurar o valor da companhia, em destaque para o fluxo de caixa descontado, os múltiplos de mercado ou os múltiplos de transações comparáveis, sem desprezar outros, desde que compatíveis a se chegar a um preço justo e aceito no ramo de atividade da companhia avaliada.

De qualquer modo, nada melhor do que a escolha recair sobre os participantes dessa atividade, os sócios, atentos ao mercado a que estão inseridos, para estabelecerem, no pacto social (ou parassocial), como se daria a apuração de haveres para o caso de liquidação/dissolução/resolução parcial da sociedade.

Regular essa matéria, no contexto do princípio da autonomia privada (de observação obrigatória nas lides empresariais), portanto, é fundamental, para que os sócios e a sociedade não fiquem à mercê da situação patrimonial, que reflete apenas um momento, e não a vida pregressa e futura da empresa.

Conclui-se que a atribuição de critérios no contrato social para a correta atribuição do valor econômico-financeiro para a empresa e, portando, da participação no capital social, em especial para o caso de dissolução parcial, como é o caso da retirada, é fundamental para reduzir os custos de transação decorrentes da dissidência, pois evita a repercussões negativas no negócio e na esfera patrimonial dos sócios.

Ressalva-se, por fim, que o modelo não é de repetição, de negócio a negócio, como se houvesse uma fórmula matemática única, mas adaptável segundo as características de evolução da empresa no tempo, no volume das receitas, na expansão, nos projetos inovadores, e no risco, pois nada impede a vinculação da ou das metodologias, ao alcance de performance da atividade econômica-empresarial, e ao longo do tempo, inclusive, com o estabelecimento de escalas, ideal para a compreensão de justiça da escolha desta ou daquela metodologia, e de sua construção própria adaptável ao negócio segundo as características do capital e do ramo de atividade.        

 

Notas e referências

[i] STJ. REsp n. 1.877.331/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, relator para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13/4/2021, DJe de 14/5/2021. <https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201902262895&dt_publicacao=14/05/2021 >. Acesso em 01/03/2023.

[ii] STJ. REsp n. 1.877.331/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, relator para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13/4/2021, DJe de 14/5/2021. <https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201902262895&dt_publicacao=14/05/2021   >. Acesso em 01/03/2023.

[iii] ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. Empresarial: Liquidação da sociedade — aspectos fundamentais <https://emporiododireito.com.br/leitura/empresarial-liquidacao-da-sociedade-aspectos-fundamentais>. Acesso em 01/03/2023.

[iv] Anexo III, CVM, IN 361. <https://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/instrucoes/anexos/300/inst361consolidsemmarcas.pdf>. Acesso em 01/03/2023.

 

 

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