Diálogo Impreterível entre Direitos Humanos, Educação Intercultural e Cultura Indígena no Brasil Republicano    

28/11/2020

Em tempos de retrocessos históricos do ponto vista de direitos como estamos a presenciar na conjuntura atual, torna-se imprescindível falar em Educação e Direitos Humanos, mais ainda sobre Direitos Humanos e Populações Indígenas do Brasil — ou seja, promover à igualdade levando em consideração às múltiplas diferenças socioculturais que encontram-se em voga na contemporaneidade. Seguindo nesta perspectiva, torna-se essencial corroborar que os direitos humanos ainda possuem limites, apesar de seu enorme alcance e potencialidade que o torna o direito mais importante de um sujeito ou uma coletividade na atualidade, apesar de muitas pessoas ainda a desconhecer por diversas razões. Desta forma, a educação é o caminho mais importante, digno e viável para o conhecimento e entendimento dos cidadãos sobre seus direitos fundamentais, portanto, isso poderá transformar o mundo em sua volta. Nosso objetivo principal nesta exposição é defender uma liberdade sociocultural num mundo multi-plural, onde a equiparação deve ser a força motriz — igualdade nas múltiplas diferenças e sem exceções.

Levando-se em consideração tais pressupostos, pesquisadores como Jame Pinsky e Carla Pinsky [1] — postulam que instrumentos vinculados aos Direitos Humanos não é recente, assim sendo, remete-se a Antiguidade Clássica. Em síntese, a formulação desses direitos está relacionada a dinâmica transformativa da moderna sociedade, sobretudo, por buscar os direitos primordiais alicerçados nas práticas civis, políticos e mais recentemente as pautas dos direitos sociais. Esta perspectiva ganhou força e notoriedade, sobretudo, posterior ao Holocausto Nazista (campo de extermínio promovida por Adolf Hitler e sua política antissemita, em miúdo uma raça superior e posterior eliminação dos outros) e muitos outros regimes totalitários e antidemocráticos como o Fascismo na Itália e o Franquismo na Espanha e sem falar dos bombardeamentos atômicos das cidades de Hiroshima e Nagasaki no Japão, portanto, tais práticas promoveram verdadeiro genocídio em grande escala. Em decorrência disso, em 1948 foi promulgada a Declaração Universal de Direitos Humanos — referência para as maiorias das constituições que foram elaborados posteriormente, inclusive para a Carta Magna brasileira aprovado em 05 de outubro de 1988.

Dado os fatos, em contexto do Estado Brasileiro, a Educação em Direitos Humanos no decorrer dos anos 1960 e 1970 transcorreu-se de maneira informal — movimentos sociais amplamente organizado, sobretudo, a fim de coibir a política de recessão imposta pelo Regime Militar (1964-1985) e restaurar a democracia, já que naquela ocasião não poderia discordar do Estado, no qual, milhares de pessoas foram mortas, muitos ainda até hoje não se sabe onde os corpos foram parar. A posteriori, já adentrando-se nos anos de 1980, aos poucos o país foi cedendo espaço para reabertura sociopolítica, as maiorias das ações ocorriam em âmbito institucional, marcadamente nos seguintes Estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Neste sentido, começou a ganhar força a elaboração de uma nova Constituição, que revigoraram a discussão e lutas pelos Direitos Humanos em intrínseca relação com a Educação Pública de modo geral [2].

Partindo desta lógica interpretativa, nos últimos 30 anos teve uma melhoria neste campo, mas posterior inserção da Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves — houve um retrocesso nos que tangem aos direitos de populações tradicionais (Indígenas, Quilombolas, Seringueiros, Castanheiros, Quebradeiras de coco-de-babaçu, Comunidades de Fundo de Pasto, Catadoras de mangaba, Faxinalenses, Pescadores Artesanais, Marisqueiras, Ribeirinhos, Varjeiros, Caiçaras, Povos de terreiro, Praieiros etc.), pois, a Ministra que é pastora evangélica neopentecostal possui como princípio ideológico, a uniformidade cultural pautado apenas por único criador, à vista disto, exclui os outros saberes. Ainda nesta perspectiva, o atual Ministro da Educação Abraham Weintraub — em recente vídeo divulgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou que é favor da existência de uma cultura única (a cultura homogênea brasileira) e que tem aversão aos direitos indígenas — isso é uma grave ameaça aos direitos tradicionais estruturadas por saberes milenares e seculares. É por fim, ainda falando do vídeo, o próprio presidente da República se manifestou contra o Patrimônio Cultural Indígena, largamente reconhecido pela Carta Constitucional de 1988 (Artigos 20, 23, 24, 30, 215, 216).

Cabe destacar que os direitos humanos, inicialmente não ganhou muito espaço em território brasileiro, passou por longo período no esquecimento quase que absoluto, todavia, ocorreu o Golpe Militar em 04 de abril de 1964, que por sua vez dirimiu muitos direitos conquistados ao longo da história ­— houve morte, tortura, perseguição religiosa, exílio, extinção de partidos políticos etc. À vista disto, os intelectuais e demais pessoas contrárias a intervenção começaram a reagir e foram procurar onde estavam os direitos da população, quais direitos tinha sua disposição e como recorrê-la no Brasil e no exterior. Passando o período turbulento (conhecido como período de chumbo), com a redemocratização do país em 1985, muitas pessoas começaram a se conscientizar e a procurarem seus direitos, sobretudo, sua dignidade e ontologia humana. Cabe ainda destacar a importância da Conferência de Viena na Áustria em 1993, que recomendou fortemente a nações do mundo inteiro a garantir, promover e possibilitar os direitos humanos — em educação escolar formal e educação escolar indígena.

No que concerne a questão indígena, no Mato Grosso do Sul (segundo maior população indígena do Brasil), muitos antes da elaboração da nova Constituição em 1988, os indígenas, sobretudo, os Kaiowá e Guarani através de do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), organizações não-governamentais (ONGs), lideranças políticas e professores das comunidades já discutiam seus direitos fundamentais em várias esferas—  como podemos observar neste trecho da pesquisadora indígena Teodora Souza, “com a responsabilidade de discutir as legislações relacionadas à educação escolar indígena no país, elaborar propostas de diretrizes para a educação escolar indígena junto aos Municípios, Estado e União” [3]. Destarte, “a oficialização da criação do Movimento se deu em junho de 1991, com a realização do I Encontro de Professores e Lideranças Guarani e Kaiowá, organizado pelo próprio Movimento de Professores com o apoio do CIMI” [4], onde a principal exigência foi criar uma escola totalmente indígena, diferenciada, específica e intercultural. 

Ainda analisando os fatos, o governo Lula e Dilma trouxeram avanços sociais significativos para a população, mas para as comunidades indígena poucas coisas foram feitas, praticamente as demarcações de terras e reforma agrária pararam no tempo. O governo da presidente Dilma Roussef, ficou marcada negativamente como o que menos homologou terras indígenas desde a Ditatura-Civil-Militar [5]. Muitos trabalhos técnicos antropológicos, históricos e arqueológicos desenvolvidos pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) foram estagnados, onde pessoas importantes da política nacional como Kátia Abreu (atual Senadora {PP-TO}, mas chegou atuar como Ministra da Agricultura) e Gleisi Hoffman (atual Deputada Federal {PT-PR}, mas foi Ministra da Casa-chefe da Casa Civil) manifestaram-se publicamente em favor do Agronegócio. Tais indícios, mostram que a situação dos indígenas não melhoraram muitos ao longo da história— as conquistas foram em decorrência das próprias lutas em várias perspectivas, nesse tempo, muitos perderam suas vidas, como por exemplo o assassinato brutal do líder Guarani/Kaiowá Semião Vilharva no Território Indígena Ñanderú Marangatu em Antônio João/MS em 15 de agosto de 2015.

Para compreendemos melhor esta problemática, teceremos comentários sobre a Faculdade Intercultural Indígena Teko Arandu, vinculado à Universidade Federal da Grande Dourados (FAIND/UFGD), exemplo por excelência de Educação, Direitos Humanos e Interculturalidade destinado aos estudantes indígenas no Brasil, haja vista que sua metodologia é totalmente diferenciada dos demais — sua dinâmica respeita os diversos espaço-tempo, as aulas são ministradas por etapas e nas línguas, portanto, sempre a levar em consideração a cosmovisão ameríndia, assim sendo, desenvolvendo uma interculturalidade efetiva [6]. A referida instituição é certamente a melhor do país em sua metodologia, pois, já formaram diversos estudantes de diferentes gerações e seus resultados têm sido significativos por ter retornos em suas comunidades. Evidentemente que há erros, mas sua estruturação é um marco na história do Brasil Republicano. Portanto, o curso alicerça-se das seguintes formas: Licenciatura Plena em Educação Intercultural, com habilitações em quatro áreas do conhecimento: (1). Ciências Humanas, (2). Linguagens, (3). Matemática e (4) Ciências da Natureza. Por fim, cabe destacar que o curso foi implantado depois de diálogos intensos entre indígenas, professores da UFGD, do governo municipal, estadual e federal. Portanto, cabe ainda mencionar que a Educação em Direitos Humanos com ênfase em política intercultural deve levar em consideração os saberes vindos dos xamãs (rezadores, líderes espirituais, caciques, patrícios) para dentro das instituições educacionais — isso irá proporcionar uma educação colaborativa e cooperativa.

Já caminhando-se para o final de nossa análise e interpretação, destacamos que por muito no Brasil imperou e ainda impera um tipo de interculturalidade, a chamada funcional — uma filosofia que muitas vezes se alinha com às demandas neoliberais. Ou seja, apesar de tocar em assuntos relevantes para a sociedade como tolerância, o diálogo e a liberdade — não abarcam as múltiplas assimetrias presentes, como nos ajuda a compreender o historiador Thiago Leandro Vieira Cavalcante [7], a interculturalidade funcional se quer conseguir responder as questões indígenas vigentes, muito pelo contrário, a sociedade não indígenas têm enorme dificuldade em entender e sobretudo, a respeitar outras formas de territorialidades — em sua esmagadora maioria apenas pauta-se pelo lucro, portanto, a lógica do sistema-modelo-capitalista de produção. Desta forma, defendemos uma interculturalidade crítica inicialmente proposta por Fidel Tubino [8] e Catherine Walsh [9] — a levar em consideração uma filosofia educacional libertadora contra a ideologia dominante de integração. Diante deste processo, romper com a perspectiva de impor uma linguagem e pensamento único. Feita a observação, o Estado Democrático de Direito Brasileiro precisa garantir, discutir e consequentemente ampliar as políticas de Direitos Humanos e Educação.

Portanto, para finalizarmos este assunto extremamente urgente, cabe enfatizar que a Educação em Direitos Humanos poderá ocasionar uma comunidade, uma sociedade ou ainda uma estrutura social mais democrática, humanizada, constituída, igualitária e, sobretudo, equiparada para a atualidade e para as gerações futuras. Neste percurso epistemologico e paradigmático, buscar acima de tudo, um pensamento crítico e autocrítico sobre a realidade que estamos a vivenciar diariamente. Para isto, os formadores, principalmente, professores e inúmeras instituições têm o papel de transformar o universo, ressignificar sua existência, sua posição política, sua ideologia, sua cosmologia. Dito isto, é de suma importância elencar que, “as relações entre direitos humanos, diferenças culturais e educação colocam-nos no horizonte da afirmação da dignidade humana num mundo que parece não ter mais essa convicção como referência radical, trata-se de afirmar uma perspectiva alternativa e contra-hegemônica de construção social, política e educacional.” [10]. Ainda neste sentido, de acordo com a mesma pesquisadora [10], uma das principais vozes da Educação em Direito Humanos e Cultura do Brasil é necessário abranger quatro conceitos básicos: (1) desconstrução, (2) articulação, (3) resgate e (4) promover. Neste longo processo de retrocesso, precisamos buscar uma saída do universalismo vigorante que exclui de suas agendas as diversas maneiras de pensar, viver, sonhar e sobretudo, ressignificar as suas culturas [11]. É por fim, nossa pedra filosofal deve ser a interculturalidade equiparada — não aceitar ou aderir conceitos de outros culturas, a essência motriz é respeitá-las nas suas pluralidades, sobretudo, não olhar para os indígenas e demais populações tradicionais e/ou em vulnerabilidade socioeconômica não somente como vítimas das histórias-trajetórias do imperialismo ou capitalismo, mas como construtores de mundos, formadores de nossas filosofias de resistências e de resiliências no curso da história humana.

 

Notas e Referências

[1]. PINSKY, Jaime e PINSKY, Carla. História da cidadania. São Paulo: Contexto, 2008.

[2]. SILVA, Aida Maria Monteiro. Elaboração, execução e impacto do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos: estudo de caso no Brasil. In: BRABO, Tânia S. A. M.; REIS, Martha dos (Orgs.). Educação, direitos humanos e exclusão social. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012. p. 37-50.

[3]. SOUZA, Teodora. Educação escolar indígena e as políticas públicas no município de Dourados. Campo Grande, MS: UCDB, 2013.

[4]. CALDAS, F. R., FAISTING, A. L. Educação em direitos humanos e interculturalidade. RIDH, Bauru, v. 6, n. 1, p. 61-81, jan./jun., 2018.

[5]. RAMOS, Antonio Dari.; KNAPP, Cassio. Interculturalidade efetiva: de que tipo de educação escolar indígena estamos falando? In: José Licínio Backes; Ruth Pavan. (Org.). Relações étnico-raciais, gênero e desigualdade social na educação básica. 1ed.:, 2016, v. 1, p. 89-128.

[6]. ISA- Instituto Socioambiental. Introdução. Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/linguas/introdução. Acesso: 13/05/2020.

[7]. CAVALCANTE, T. L. V. A Interculturalidade Crítica como possibilidade para um diálogo sobre as territorialidades no Brasil. Tellus, Campo Grande, n. 32, p. 85-101, jan./abr. 2017.

[8]. TUBINO, Fidel. Del interculturalismo funcional al interculturalismo crítico. 2005. Disponível em: http://red.pucp.edu.pe/wp-content/uploads/biblioteca/inter_funcional.pdf. Acesso: 13/05/2020.

[9]. WALSH, Catherine. Interculturalidad y colonialidad del poder. Un pensamiento y posicionamiento “otro” desde la diferencia colonial. In: CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (Ed.). El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores; Universidad Central, Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos y Pontificia Universidad Javeriana, Instituto Pensar, 2007.

[10]. CANDAU, V. M. Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e diferença. Revista Brasileira de Educação v. 13 n. 37 jan./abr, 2008.

[11]. LANDER, Edgardo. Ciências Sociais: saberes coloniais e eurocêntricos. In: LANDER, E. (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005.

 

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