Diálogo de fontes na definição da contagem de prazos nos Juizados Especiais Cíveis

07/04/2016

Por Rodrigo Pereira Moreira e Raígor Nascimento Borges - 07/04/2016

Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (NCPC) no dia 18 de março de 2016, muitos temas devem ser debatidos antes de serem decididos. Tal questão faz parte da própria revitalização do princípio do contraditório, bem como da efetivação do princípio da colaboração.

Recentemente foi emitida a nota técnica nº 01/2016 do FONAJE, preconizando a não aplicação do art. 219 do NCPC ao procedimento dos juizados especiais definido na Lei nº 9.099/95. Este dispositivo determina que a contagem de prazos em dias acontecerá apenas em dias úteis. O posicionamento foi ratificado pela Ministra Nancy Andrighi, atualmente corregedora do CNJ.

Ocorre que esta posição é passível de diversas críticas, especialmente quando se leva em consideração a teoria do diálogo de fontes, que pode balizar a intersecção entre o NCPC e a Lei dos Juizados Especiais. Esta teoria, criada por Erik Jaime e trazida para o direito brasileiro por Cláudia Lima Marques, defende a necessidade de conciliação entre as diversas normas de determinado sistema jurídico, principalmente através de um diálogo de complementariedade e coordenação.[1] Esta coordenação entre ambas as leis deve ser a força matriz para definir as influências do NCPC nas demais leis processuais, incluindo a Lei nº 9.099/95.

Assim, os argumentos a favor do cômputo dos prazos em dias úteis nos juizados especiais começam com o diálogo que era realizado entre a Lei dos Juizados e o CPC/73. A Lei 9.099 não possui dispositivo próprio para a contagem de prazos, apenas estabelece a quantidade de dias para a interposição do recurso inominado, sendo os demais prazos fixados pelo juízo. Dessa maneira, sempre existiu um diálogo de coordenação com o CPC/73 que determinava o cálculo dos prazos em dias corridos. Ocorre que este CPC/73 foi revogado e o NCPC fixa a contagem dos prazos em dias úteis. Neste diapasão, qual seria o fundamento legal para contar os prazos em dias corridos se não há mais a possibilidade de diálogo com o CPC revogado?

No processo do trabalho existe previsão específica da CLT (art. 775) para a contagem dos prazos em dias corridos. Não obstante, face ao diálogo de coordenação entre o NCPC e a legislação trabalhista, ainda é possível definir o cálculo de prazos em dias úteis, conforme já aconteceu com a Lei de Execução Fiscal (que previa a necessidade de caução para os embargos à execução) e a alteração do CPC/73 que deixou de exigir caução para este procedimento.[2]

Ademais, o cômputo do prazo em dias úteis foi instituído para preservar a real utilização dos prazos pelo advogado que, por ser pessoa humana, tem que descansar nos finais de semana e feriados. Tratar o advogado como pessoa humana (e não como uma máquina) faz parte da realização do princípio constitucional insculpido no art. 1º, III da CF/88. A título de exemplo, em um prazo de quinze dias para contestar, haverá dois fins de semana e a consequente redução daquele para 11 dias úteis, sem contar a possibilidade de feriados.

Não se pode negar que o principal argumento para a contagem dos prazos em dias corridos seja o princípio da razoável duração do processo. Todavia, este não é o único princípio a informar a relação jurídica processual. Nas normas fundamentais do NCPC existem outros princípios necessários para se alcançar um conteúdo mínimo de um direito fundamental ao processo justo ou devido processo legal.[3]

O NCPC também faz valer princípios como a colaboração processual, o contraditório, a ampla defesa e a dignidade da pessoa humana (art. 8º, NCPC). Em várias ocasiões a regra aplicável à situação já é fruto de uma ponderação de princípios realizada pelo legislador democraticamente eleito. Ou seria possível acreditar que o dever do juiz ouvir as partes antes de decidir sobre o processo (art. 10, NCPC) é algo que irá garantir uma maior celeridade ao procedimento?  Nesta hipótese, fazendo a ponderação, prevaleceu o princípio do contraditório sobre a celeridade processual.

O princípio da razoável duração do processo existe em todos os tipos de procedimentos, caso contrário não poderia estar inserido no art. 5º, LXXVIII da CF/88. Existe, no caso, um conflito de princípios, cujo sopesamento foi levado a cabo pelo legislador, prevalecendo o tratamento humanizado ao advogado, um maior tempo para o exercício do contraditório e o consequente reflexo na consolidação da teoria dos precedentes em face da celeridade processual. A ponderação realizada pelo legislador democrático não pode ser alterada pelo poder judiciário quando dentro dos parâmetros constitucionais.

Além disso, é forçoso reconhecer que não são os prazos que atrasam o processo, mas o "tempo morto" em que eles ficam nas secretarias ou conclusos. Será que o prazo de 15 dias úteis é a causa da morosidade da justiça ante o fato de esperar até ano para a realização de uma audiência de conciliação em juizado especial, como ocorre em algumas partes do país?[4]

Em relação à imensa proliferação de enunciados em todas as áreas do Direito, é preciso dizer de forma clara que enunciados não são precedentes. Enunciados do FONAJE não são precedentes judiciais, pois não foram produzidos seguindo o contraditório e respeitando os requisitos do art. 489, § 1º do NCPC. Uma fundamentação analítica, a partir de um processo exercido em contraditório, é requisito essencial para a formação de um precedente.

É preciso realizar um debate com as partes para definir por meio de precedente a forma de aplicação da contagem dos prazos, preservando, também, o princípio da colaboração. O enunciado pode ter força argumentativa, mas não se confunde com a obrigatoriedade de precedentes judiciais das cortes superioras.

Em conclusão, pelo diálogo de fontes, o NCPC será aplicável ao procedimento dos juizados, pois a razoável duração do processo foi mitigada em face da necessidade de tratamento humanizado ao advogado, do aperfeiçoamento do contraditório e, também da reestruturação da ordem jurídica para a inclusão da cultura dos precedentes a partir de uma ponderação realizada pela regra insculpida no art. 219 do novo diploma processual civil.


Notas e Referências:

[1] MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo das fontes. In: BENJAMIN, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Cláudia Lima. Manual de direito do consumidor. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 123.

[2] PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. GARANTIA PRÉVIA DO JUÍZO. ALTERAÇÃO DA SISTEMÁTICA PROMOVIDA PELA LEI Nº 11.382/2006. INEXIGIBILIDADE DE PENHORA, CAUÇÃO OU DEPÓSITO. PROSSEGUIMENTO DOS EMBARGOS. SEM EFEITO SUSPENSIVO. ART. 739-A DO CPC. 1. Nos termos do parágrafo 1º, art. 16 da Lei nº 6.830/80, "não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução", assim, na execução fiscal enquanto não garantida a execução, não poderão ser opostos os embargos. 2. Ocorre que a Lei nº 11.382/2006 alterou a sistemática de defesa do executado na execução fundada em título extrajudicial, retirando a necessidade de penhora, depósito ou caução, para que o executado ofereça os embargos à execução (art. 736 do CPC). 3. A questão referente a aplicação do referido dispositivo à execução fiscal não encontra ambiente pacífico na jurisprudência e na doutrina, uns defendendo a aplicação da LEF que, por ser regra específica, prevaleceria sobre a regra geral do CPC. No entanto, deve prevalecer o entendimento que defende a aplicação da nova sistemática do CPC ao fundamento de que "não se trata de regra especial criada pela legislação em atenção às peculiaridades da relação de direito material, mas de mera repetição, na lei especial, de regra geral antes prevista no CPC. Não incide, portanto, o princípio de que a regra geral posterior não derroga a especial anterior" (DIDIER JR., FREDIE, Curso de Processo Civil, Editora Podivm, v. 05, Salvador:2009, p. 747). (TRF-5 - AC: 497234 RN 0000060-33.2008.4.05.8401, Relator: Desembargador Federal Francisco Barros Dias, Data de Julgamento: 11/05/2010,  Segunda Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça Eletrônico - Data: 20/05/2010 - Página: 288 - Ano: 2010)

[3] MITIDIERO, Daniel. Direito fundamental ao processo justo. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. N. 45, p. 22-34. São Paulo: LexMagister, nov-dez de 2011.

[4] Veja-se a notícia sobre a lentidão dos Juizados Especiais Estaduais: http://www.conjur.com.br/2010-dez-10/promotor-reclama-lentidao-correicao-juizado-especial-mg.

E nos Juizados Federais: http://www2.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=8518


Rodrigo Pereira Moreira. Rodrigo Pereira Moreira é Mestre em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Professor de Direito do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara-GO. Editor da Iuris in Mente: Revista de Direitos Fundamentais e Políticas Públicas. Líder do Grupo de Pesquisa “Pessoa Humana e Direito”. Advogado. .


Raígor Nascimento Borges. Raígor Nascimento Borges Acadêmico do Curso de Direito do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara-GO. Estagiário da Justiça Federal de Itumbiara-GO. Membro do Grupo de Pesquisa “Pessoa Humana e Direito”. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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