Devemos ficar atentos contra a visão autoritária que toma conta da nossa sociedade - Por Afrânio Silva Jardim

20/12/2016

Precisamos tomar cuidado com uma possível volta da barbárie. Estão usando o ódio e a manipulação como estratégia da persecução penal. Estão tornando em regra as prisões provisórias. O povo está “festejando” a desgraça alheia. O corporativismo exagerado pode nos aproximar do fascismo. Abordamos estas questões abaixo:

1- Se a esposa do ex-Ministro Guido Mantega não estivesse no hospital, tratando de grave enfermidade, ele estaria preso até hoje, por decisão do juiz Sérgio Moro !!!

Solto, Guido Mantega não causou qualquer problema para as investigações, não praticou crimes e não fugiu...

Conclusão lógica: sua prisão era totalmente desnecessária, como devem ser tantas outras, resultantes da chamada "Operação Lava-Jato".

Conforme analisei em textos anteriores, muitas destas prisões têm uma ou mais das seguintes espúrias motivações:

a) "forçar" uma delação premiada; b) punir o réu antecipadamente: c) "jogar para a plateia", vale dizer, entusiasmar a opinião pública e demonstrar que eles são "durões" mesmo. Tudo isso, com ajuda dolosa da grande mídia.

Os nossos tribunais ficaram "acovardados", conforme disse um dos nossos ex-presidentes, em gravação ilegal e ilegalmente tornada pública. (nada resultou para quem praticou, publicamente, este crime...).

Em suma: o Estado de Direito está "suspenso" no Brasil e a opinião pública está contaminada por um indesejável sentimento de ódio irracional.

Chegaram a ponto de tocar violino, cantar e comemorar a prisão preventiva de uma ré, em frente à sua casa, sem considerar o sofrimento de seus filhos e netos.

Na idade média, e mesmo no curso da célebre Revolução Francesa, a população se reunia em praça pública para assistir, vibrar e festejar a execução de pessoas, que eram guilhotinadas ou queimadas vivas !!!

Repito mais uma vez a conhecida frase de Bertolt Brecht: "a cadela do fascismo está sempre no cio".

2 - Julgo que uma das grandes culpadas de toda esta irracionalidade que contagia a nossa sociedade atual e, consequentemente, estes movimentos populares, é a "grande mídia", manipulada por empresas e patrocinada pelos grandes interesses econômicos, que nela anunciam e fazem propaganda de seus produtos.

Basta comparar a diferença de "cobertura" jornalística dada hoje aos movimentos convocados pelas conhecidas entidades "golpistas" e aqueles outros que se manifestaram contra as medidas antipopulares deste governo federal. O cinismo é revoltante.

Já não mais temos a OAB, ABI e CNBB para fazerem o democrático contraponto a este discurso uníssono e orquestrado contra tudo e todos que tenham algum compromisso com a justiça social, com uma sociedade alicerçada em valores mais generosos do que o lucro, a competição, a ganância e o individualismo.

Desta forma, tendo em vista essa "propaganda massiva" em prol de posturas simplistas e raivosas, julgo necessário que as forças verdadeiramente democráticas consigam superar suas divergências e se unam, pelo menos neste momento, em busca de preservar as relevantes conquistas alcançadas através deste nosso doloroso processo civilizatório.

Posso estar demasiadamente alarmado, mas vejo o fascismo "batendo às portas" de nossa sociedade. Precisamos impedir que ele entre e contamine estas consciências ingênuas e despreparadas. A história nos mostra que não se pode descuidar com situações tão perigosas.

Por outro lado, a história nos mostra que sempre o "combate à corrupção" e o desprezo à política foram pretextos para a implantação de governos autoritários.

Certo que os "governos ditos de esquerda", em vários países, deram motivos para a sua vinculação à corrupção, atrasando o avanço social e ideológico por várias gerações.

Entretanto, é importante salientar que a corrupção existe em todos os países de economia capitalista, pois é mesmo incentivada pelo consumismo desenfreado. A corrupção é quase que inerente ao sistema capitalista. Nele, o Estado é dominado pelos grandes interesses econômicos.

No Brasil, através das doações eleitorais, lícitas e ilícitas, o grande capital "sequestrou" a nossa "democracia burguesa". Talvez por isso os nossos parlamentares não representem os interesses da maioria da população e defendam os interesses das corporações que ajudaram a sua eleição...

Não há país no mundo sem governo. Não há governo democrático sem política. Sem políticos, temos governos ditatoriais.

É preciso desconfiar destes "moralistas de ocasião", que sonegam impostos e dizem "desejar combater a corrupção" através de "salvadores da pátria", através uma perspectiva "punitivista" raivosa e inconsequente. Volto a dizer: a "bandeira da honestidade" deve ser de todos os verdadeiramente honestos (no sentido mais amplo da palavra) e dos verdadeiramente democratas (em todos os sentidos).

No âmbito jurídico, fico com o chamado "Direito Penal Mínimo". Não sendo um jurista liberal, também não acredito que valha a pena sacrificar conquistas seculares para satisfazer a uma voracidade irracional de punição a qualquer custo.

Cabe aqui repetir recente frase do senador Roberto Requião: "o corporativismo é uma manifestação coletiva do individualismo".

Ministério Público, Poder Judiciário, Polícia e Forças Armadas, enquanto instituições estatais, devem se afastar destas disputas ideológicas, não devem tomar partido nesta lamentável divisão da nossa sociedade atual. Evidentemente, seus membros, como cidadãos conscientes, podem e devem participar livremente dos embates que surgem do convívio social.

3 - Um fato de pouca relevância, mas de grande valor simbólico, me chamou a atenção, embora a minha preocupação com o recrudescimento do fascismo no Brasil não seja recente.

Um leitor de meus textos, insatisfeito com a minha crítica aos corporativismos de algumas instituições da área jurídica, postou mensagem asseverando que iria queimar todos os meus livros de sua propriedade.

Solicitei que ele filmasse esta fogueira e colocasse as imagens na internet, como forma de recordar os tempos obscuros da inquisição da idade média e de outros governos autoritários mais recentes.

Em data recente, no aeroporto de Recife, eu, o amigo Pierre e seu pai fomos vítimas de constrangimentos por parte de jovens que estavam esperando a chegada de deputado Bolsonaro, fomos chamados de "esquerdistas" e houve contatos visuais ameaçadores.

O fato é que estas condutas isoladas refletem atitudes de intolerância de parte de nossa população na atualidade. Devagar e de forma dissimulada, começou o fascismo na Itália.

Também se percebem algumas manifestações de cunho racista e de ódio contra homossexuais e outras minorias, próprias de um verdadeiro neonazismo.

Precisamos tomar conhecimento desta triste realidade e combatê-la em todas as frentes, mormente conscientizando as pessoas mais ingênuas ou intelectualmente despreparadas. Estou preocupado e mesmo decepcionado, pois pensava que jamais a nossa sociedade voltasse a fases tão irracionais e primitivas.

4 – Resta uma breve reflexão sobre a corrupção, que acaba sendo o “pano de fundo” de tudo isso.

Quase não se criticam os empresários corruptores. Pelas suas delações, chegam até a serem “venerados”.

Quase ninguém denuncia o perverso sistema econômico que fomenta todas esta corrupção.

Sob certo aspecto, a corrupção é inerente à própria sociedade capitalista.

Na verdade, estes corruptos não furtavam as chupetas dos bebês vizinhos nos berçários da maternidade onde nasceram... O que terá acontecido com eles? ??

O fato é que o "poder econômico" sequestrou o Estado Brasileiro e a grande mídia é um de seus instrumentos.

O "poder econômico" se faz sentir em todos os poderes do Estado e em toda a nossa vida. Este modelo de sociedade nos faz de "bonecos" a serviço da cobiça de uns poucos.

Somos todos, cada vez mais, consumidores compulsivos que, para comprar, vendemos nossa força de trabalho para quem nos vende estes mesmos produtos e serviços. Somos "massa" de manobra neste "círculo vicioso".

Nesta sociedade de massa e de consumo, não mais somos o que poderíamos desejar ser. Somos o que o "mercado" nos faz ser.

Somos "reféns" de uma organização social perversa, hipócrita, individualista, egoísta e desumana. Nunca vi tanto cinismo nos meios de comunicação.

Nossos valores de igualdade, solidariedade, liberdade social, educação crítica e justiça social estão indo, cada vez mais, "para o espaço".

Às vezes fica uma impressão de que temos de "jogar a toalha" e nos adaptar a esta desprezível sociedade, formada por pessoas incultas, raivosas, preconceituosas e até ingênuas. Acho que não consigo. Não estou conseguindo... Não quero me render!!!

Outrora, ficávamos na seguinte dúvida: virá um novo homem que criará uma nova sociedade, ou, primeiro, virá uma nova sociedade, que forjará o surgimento de um novo homem?

Hoje ficamos com a impressão de que veio sim uma velha sociedade, que ressuscitou um homem pretérito, trazendo de volta uma antiga e primitiva cultura, lastreada em valores reinantes em períodos próximos da idade média.

Cada vez mais, somos menos humanos e mais instrumentos de um sistema econômico e social que ninguém entende e que ninguém consegue deter. Estamos sendo levados por um verdadeiro furacão tecnológico...

Podemos até aceitar que a corrupção seja também própria do ser humano. Entretanto, há modelos de sociedade onde a corrupção é mais estimulada: a sociedade de massa, a sociedade de consumo, a sociedade onde o importante é "ter" e não "ser".

A publicidade massiva da sociedade de mercado cria, já nas crianças, esta vontade de ser rico, de ter os bens mais cobiçados.

A sociedade capitalista está pautada no prestígio do dinheiro, no lucro, na competição, no individualismo. Nela, prevalece o "poder econômico", que é insaciável... Os pobres, que se danem...

Em resumo, ouso dizer que existe corrupção em sociedades que adotam outros modelos que não o capitalismo, mas não há sociedade capitalista sem corrupção disseminada.

Julgo que o poder econômico é inerente à própria sociedade capitalista. A corrupção é inerente ao próprio poder econômico.

Em algum momento, teremos que lograr uma outra forma de organização social, onde todos tenham, ao menos, as mesmas oportunidades de ascensão social e tenham as suas individualidades respeitadas.

Espero que meus netos participem da construção desta sociedade sem explorados e exploradores.

5 – Finalmente, conexo ao que acima dissemos, cabe um outra advertência sobre o corporativismo que está dominando algumas de nossas principais instituições.

Como disse o senador Roberto Requião e não me canso de repetir, “o corporativismo é uma manifestação coletiva do individualismo. Na verdade, o exagerado corporativismo pode nos aproximar do fascismo.

Por várias vezes adverti que a espetacularização procedida por alguns jovens juízes, promotores de justiça e procuradores da república acabaria em resultar em um retrocesso na disciplina jurídica destas instituições. Acho que o que ocorreu, no Congresso Nacional, é só o começo...

Quero dizer que ainda não estou fazendo um juízo de valor sobre a tramitação dos projetos de lei, todos relativos às medidas de combate à corrupção e da nova tipificação dos crimes de abuso de autoridade ou de responsabilidade.

Quero dizer, ainda e mais uma vez, que alguns poucos juízes e membros do ministério público podem prejudicar, de forma perene, as respetivas e imprescindíveis instituições. São jovens vaidosos e, ingenuamente, sedentos de poder. Julgam-se “salvadores da pátria” e acham que vão acabar com a corrupção em nosso país.

Além destes defeitos apontados, julgo que são carentes de maior amadurecimento e de preparo intelectual, pois fazem uma apreciação simplista de questões da maior complexidade.

Fico também decepcionado com a postura excessivamente corporativa das associações representativas destas instituições. Não perceberam elas que referendar equívocos não fortalece o Poder Judiciário e o Ministério Público.

Sob certo aspecto, a sociedade está ideologicamente dividida e os juízes, procuradores e promotores de justiça não devem assumir um destes lados. Não devem ir para as ruas junto com grupos ideológicos (dizer que não gosta de política e ter posição política muito próxima do fascismo). O poder sempre se alterna e a “vingança” acaba vindo algum dia.

Hoje é público que alguns membros destas instituições, ao arrepio da Constituição Federal, através de “manobras (in) jurídicas”, acabam recebendo vencimentos acima do “teto” imposto a todos os servidores da República. Precisamos dar o exemplo para ter mais legitimidade, para poder dar “aulas de moralidade” a esta nossa tão sofrida população..


Imagem Ilustrativa do Post: Battle lines // Foto de: Clint Budd // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/58827557@N06/9948611904

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura