Por Alexandre Claudino Simas Santos - 20/08/2015
Deve o defensor nomeado no interrogatório policial ser intimado para apresentação de Resposta à Acusação? – uma interpretação extensiva do art. 266 do Código de Processo Penal.
Em termos práticos, a questão surge quando o acusado foi acompanhado por advogado em interrogatório prestado na Delegacia de Polícia e, uma vez denunciado e citado, deixou de apresentar Resposta à Acusação.
Por via de regra, em Estados da Federação em que há Defensoria Pública constituída, o acusado passaria a ser defendido por referido órgão, haja vista ter deixado transcorrer o prazo do art. 396 do Código de Processo Penal sem apresentação da peça defensiva.
Entretanto, nas hipóteses em que o acusado já apontou a existência de advogado nomeado para a sua defesa, deve-se atentar para a dicção do art. 266 do Código de Processo Penal, que assim dispõe:
Art. 266. A constituição de defensor independerá de instrumento de mandato, se o acusado o indicar por ocasião do interrogatório.
Em uma rápida leitura do dispositivo acima se infere que não há maiores dúvidas quanto à possibilidade de o acusado nomear defensor sem que se faça necessária a juntada de instrumento procuratório, bastando que manifeste a sua vontade em audiência.
Situação diversa, porém, dá-se no problema aqui apresentado, pois o CPP prevê que tal nomeação se dê apenas na audiência de interrogatório, não apontando textualmente a possibilidade de que a nomeação de defensor sem procuração se dê também no interrogatório extrajudicial, a saber, aquele tomado pelo Delegado de Polícia ainda na fase inquisitorial.
Nada obstante, é de se atentar que tanto a doutrina quanto a jurisprudência superaram o estrito positivismo e, em nome do princípio constitucional da ampla defesa e da liberdade de escolha do defensor, houveram por empregar interpretação extensiva ao art. 266 do Código de Processo Penal, entendendo que a nomeação de defensor ainda na fase policial obriga o magistrado a tê-lo como procurador do acusado também para os atos subsequentes.
Assim é que, em havendo defensor já nomeado pelo acusado na fase policial, este dever ser intimado para apresentação de Resposta à Acusação quando do recebimento da denúncia, sob pena de decretação de nulidade dos atos subsequentes e devolução do prazo ao defensor constituído para apresentação de nova peça defensiva.
Tal solução visa maximizar a garantia do acusado à defesa pública técnica e eficaz, dado que ela é imprescindível para um processo penal democratizado, constituindo-se em “verdadeira condição de paridade de armas, imprescindível para a concreta atuação do contraditório. Inclusive, fortalece a própria imparcialidade do juiz, pois, quanto mais atuante e eficiente forem ambas as partes, mais alheio ficará o julgador (terzietà = alheamento)” (LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 97).
Nesse sentido é de se destacar o julgado proferido pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, cuja problemática é acertadamente tratada sob a ótica do processo penal constitucional:
HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO PELO EMPREGO DE ARMA (ART. 157, §2º, I, CP). NULIDADES. ALEGADA AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA A AUDIÊNCIA DE INTERROGATÓRIO. REVELIA DECRETADA. VÍCIO INEXISTENTE. RÉU DEVIDAMENTE CIENTIFICADO DO ATO PROCESSUAL AO COMPARECER EM CARTÓRIO EXPONDO SUA ASSINATURA NO DESPACHO QUE DESIGNA A DATA APRAZADA. DESLEIXO DO RÉU QUE NÃO ACARRETA EM NULIDADE DO FEITO. "Quando emergir nos autos que o acusado provocou, por sua própria desídia, o insucesso na realização do interrogatório, ao passo que mesmo após devidamente citado deixou de comparecer à audiência designada, não há que se admitir a alegação de nulidade dos atos processuais por cerceamento de defesa, na forma do art. 565 do Código de Processo Penal" (Apelação Criminal n. 2009.028908-1, de Imbituba, rel. Des. Salete Silva Sommariva, j. 25/03/2010). PRETENDIDA NULIDADE FACE A NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO. ACUSADO ACOMPANHADO DE ADVOGADO QUANDO INQUIRIDO PERANTE A AUTORIDADE POLICIAL. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DO ADVOGADO CONSTITUÍDO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE ESCOLHA DE DEFENSOR. NULIDADE ABSOLUTA RECONHECIDA NO PONTO. ORDEM CONHECIDA E CONCEDIDA EM PARTE. PREJUDICIALIDADE DAS DEMAIS TESES. (Habeas Corpus n. 2010.062296-2, de Palhoça. Relatora: Desa. Marli Mosimann Vargas. Julgado em 19-10-2010) – grifou-se.
Diante disso, cabe ao magistrado atentar para eventual nomeação realizada sem procuração, desde que realizada no ato do interrogatório e sem vício de consentimento, a fim de manter a integridade do processo e preservar as garantias constitucionais do acusado.
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Alexandre Claudino Simas Santos é Assessor Jurídico do Tribunal de Justiça de Santa Catarina desde 2009.
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