Detração nas medidas cautelares pessoais: é possível?

05/09/2015

Por Felipe Daniel Amorim Machado e Filipe Costa Oliveira - 05/09/2015

Detração penal

O art. 42 do Código Penal brasileiro (CPB) dispõe que o instituto da detração  é a contagem, no tempo da pena privativa de liberdade e da medida de segurança, do período em que ficou detido o condenado em prisão provisória, no Brasil ou no exterior, de internação em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico ou de prisão administrativa. É por meio da detração penal que se permite deduzir, na pena ou medida de segurança, respectivamente, o prazo de prisão ou internação que o sentenciado cumpriu antes da própria condenação.

Desse modo, se o sentenciado ficou preso provisoriamente por seis meses antes do trânsito em julgado da condenação e foi apenado a quatro anos e seis meses de reclusão, cumprirá somente mais quatro anos. Esse período de segregação cautelar anterior à sentença penal condenatória é tido como pena ou medida de segurança efetivamente cumprida, pois é “lógico e razoável que aquele que estava preso, aguardando julgamento, se ao final vier a ser condenado, esse período em que foi privado da sua liberdade deva ser descontado quando do cumprimento de sua pena” (GRECO, 2011, p. 507).

A detração tem o nítido intuito de evitar excessos por parte do Estado. Impede que os entes públicos abusem do poder-dever de punir, sujeitando o sentenciado a uma fração desnecessária da pena sempre que houver limitação da liberdade ou internação em fases anteriores à sentença penal condenatória. Assim, o principal fundamento do cômputo da detração penal é o princípio clássico do non bis in idem, segundo o qual ninguém poderá ser punido por duas vezes pelo mesmo fato.

O CPB determina que a detração poderá ocorrer nas hipóteses de: a) prisão pro- visória, no Brasil ou no estrangeiro; b) prisão administrativa; e c) internação.

A prisão provisória é aquela que ocorre antes ou durante a fase processual, isto é, antes do trânsito em julgado da condenação. É prisão de natureza cautelar, destinada a assegurar o regular trâmite da investigação ou da instrução criminal ou ainda a impedir que, solto, o sujeito continue a praticar delitos[2].

No tocante aos efeitos da prisão preventiva na detração, existem duas importantes correntes sobre o tema. A primeira defende a necessidade de um vínculo entre: o fato criminoso, a prisão provisória decretada e a pena aplicada[3]. Já a segunda assevera que tal ligação é desnecessária, desde que, em um primeiro processo, haja absolvição, extinção da punibilidade ou redução de pena, sendo a prisão cautelar decretada posteriormente em outro processo sob uma nova imputação[4]. O Supremo Tribunal Federal (STF) já se posicionou sobre a matéria, optando pela primeira tese, conforme se constata no Recurso em Habeas Corpus de nº 48.718, de relatoria do min. Eloy da Rocha, julgado pela 2ª Turma em 26/3/19715. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), inicialmente, entendia conforma o STF6. Contudo, o STF em recentes decisões tem apresentado posicionamento diverso, passando a permitir a detração em processos distintos, desde que, o crime pelo qual o sentenciado cumpra a pena tenha sido praticado antes da prisão cautelar:

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. DETRAÇÃO. CRIME COMETIDO APÓS A PRISÃO PROVISÓRIA EM OUTRO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO ART. 42  DO CÓDIGO PENAL. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. Esta Corte Superior de Justiça firmou posicionamento no sentido de ser cabível a aplicação da detração em processos distintos, desde que o delito pelo qual o sentenciado cumpre pena tenha sido cometido antes de sua segregação cautelar. Precedentes. (STJ, Habeas Corpus nº 188.452/RS, rel.: Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, julgado em 17/5/2011, DJe 1º/6/2011, grifo nosso).

Em síntese: “A” cometeu crime de roubo no ano de 2008 e foi por ele condenado, estando a recorrer em liberdade; em razão de crime de receptação perpetrado em 2009, do qual foi absolvido, “A” cumpriu 6 meses de prisão preventiva. Logo, nesse caso, seria possível a detração da pena aplicada no primeiro crime, roubo, já que ele fora praticado antes da prisão preventiva.

Certo é que o entendimento majoritário dos tribunais superiores é pela inviabilidade da aplicação da detração penal em relação aos crimes cometidos posteriormente à custódia cautelar. Entender de maneira contrária seria como conceder possível crédito para que o indivíduo, já ciente do abatimento da pena, praticasse futuros delitos[7].

A segunda hipótese de detração é a vinculada às prisões administrativas. Estas, antes prevista no art. 319, do CPP, foram revogadas nos termos da Lei nº 12.403/2011, já que, a partir das alterações do art. 283, do CPP, por prisão cautelar entende-se as prisões preventiva e temporária.

Outra possibilidade de detração presente no art. 42 do CPB vincula-se à inter- nação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. Nesse caso, o abatimento do tempo de detração faz-se no prazo mínimo da internação fixado na própria sentença da absolvição imprópria, com duração de um a três anos, consoante o § 1º do art. 97 do CPB. Cabe salientar que esse prazo mínimo estipulado pela lei é para a realização do primeiro exame de cessação de periculosidade. Desse modo, se um inimputável pratica um crime e é absolvido, sendo-lhe aplicada medida de segurança, mas, antes mesmo da sentença, veri ficou-se a total incapacidade de compreensão do caráter ilícito de sua conduta e lhe foi determinada internação imediata para fi ns de tratamento, a partir dessa internação cautelar já terá iniciado o prazo de contagem para a realização do primeiro exame de cessação da periculosidade, a ser determinado pelo magistrado, nos limites impostos pelo art. 97, § 1º, do CPB.

Por fim, cabe salientar que a detração penal deve ser igualmente aplicada quando o réu sentenciado, isto é, já em cumprimento de pena, encontrar-se internado em casa de saúde com finalidade terapêutica. Seria desarrazoada a suspensão da execução da pena no período em que o condenado, por razões de saúde, permanecesse hospitalizado.

Em que pese o CPB tratar expressamente da detração somente quando o réu for condenado a pena privativa de liberdade ou medida de segurança, existem outras cir- cunstâncias em que a detração deve ser aplicada, como, por exemplo, nas penas restri- tivas de direitos, nos atos infracionais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)[8]  e na pena de multa.

No que concerne às penas restritivas de direitos, tem-se que:

[O] Código Penal somente fala em detração na hipótese de pena privativa de liberdade, a interpretação literal do texto poderia levar à conclusão de que o benefício não deveria ser estendido à pena restritiva de direitos. Deve-se considerar, no entanto, que, se a lei admite o desconto do tempo de prisão provisória para a pena privativa de liberdade, bene fi ciando quem não fez jus à substituição por penalidade mais branda, fugiria ao bom senso impedi-lo nas hipóteses em que o condenado merece tratamento legal mais tênue, por ter satisfeito todas as exigências de ordem objetiva e subjetiva. Quando se mantém alguém preso durante o processo, para ao fi nal, aplicar-lhe pena não privativa de liberdade, como ainda maior razão não deve ser desprezado o tempo de encarceramento cautelar. (CAPEZ, 2004, p. 362)

Portanto, já que permitida a interpretação analógica in bonam partem, deve ser admitida a detração também das penas restritivas de direitos, como a limitação dos finais de semana (art. 43, VI, do CPB) e a prestação de serviços à comunidade (art. 43, IV, do CPB). A negação a tal direito ensejaria um tratamento mais severo àquele que cometeu conduta menos gravosa.

Por fim, faz-se necessária a análise da detração analógica, na qual se desconta da pena de multa o tempo de prisão provisória do condenado. Trata-se de assunto extrema- mente controverso na doutrina e jurisprudência nacionais, à medida que existem sólidos argumentos de ambos os lados.

A primeira corrente a firma que em face do art. 51, do CPB, a pena pecuniária não pode ser alcançada pela detração, visto que não mais existe a conversão da pena de multa em pena privativa de liberdade (DELMANTO, 2002, p. 83). Contudo, o atual entendimento jurisprudencial entende pela possibilidade da detração analógica. Assim, quem foi preso preventivamente para, ao final, ser condenado à pena pecuniária, não terá nada a cumprir. Esse é o entendimento, dentre outros, exposto pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), in verbis:

DETRAÇÃO ANALÓGICA - CONDENADA QUE CUMPRIU EM EXCESSO A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE - SE É POSSÍVEL, POR ANALOGIA, O DESCONTO NA PENA DE MULTA DO TEMPO DE PRISÃO PROVISÓRIA, ADMITE-SE A DETRAÇÃO DA MULTA PELO TEMPO DE PRISÃO CUMPRIDO - APELO MINISTERIAL IMPROVIDO. (TJ-SP,  Agravo em   Execução nº 990.10.366979-7. rel.: Borges Pereira, 16ª Câmara de Direito Criminal, j. em 11/1/2011)

A adoção da segunda corrente que autoriza a detração da pena pecuniária é a mais coerente sob a ótica do princípio constitucional da proporcionalidade, aqui entendido como proibição de excessos (BARROS; MACHADO, 2001, p. 38), à medida que, tendo o réu permanecido encarcerado mais tempo do que o necessário, a exigibilidade da multa pelo Estado caracterizaria bis in idem.

Por derradeiro, cabe ainda salientar a interessante discussão doutrinária  sobre a aplicação da detração ao sursis (art. 77 do CPB). Tem-se que no tempo de prova é incabível a aplicação de qualquer detração. Contudo, caso o sursis seja revogado, do tempo de prisão a ser cumprido pelo sentenciado deverá ser deduzido o prazo de medida cautelar por ele cumprido.

Medidas cautelares pessoais diversas da prisão

Com o advento da Lei nº 12.403, novas medidas cautelares pessoais foram inseridas no processo penal, com o objetivo de eliminar a oposição prisão versus liberdade.

Imediatamente após a ocorrência de um crime, a sociedade já demanda uma punição exemplar ao seu responsável. No intuito de satisfazer aos anseios do corpo social, o Estado, por meio de seus agentes de persecução penal, utiliza-se, quase sempre, da prisão preventiva. Assim, há uma banalização da prisão preventiva, fazendo com que ela perca “a característica da instrumentalidade [que] é ínsita à prisão cautelar na medida em que, para não se confundir com a pena, só se justifica em função do bom andamento do processo penal e do resguardo da eficácia de eventual decreto condenatório” (DELMANTO, 2002, p. 83). Por outro lado, se o acusado restar solto, gera-se na sociedade a sensação de impunidade. Portanto, o sistema brasileiro de medidas cautelares pessoais no processo penal vai “da banalização da prisão preventiva ao sentimento de impunidade pela liberdade sem restrições (ou com parcas e insatisfatórias restrições)” (LOPES JR., 2009, p. 120).

Nessa seara, a fim de eliminar a bipolaridade do sistema cautelar brasileiro, a Lei nº 12.403/2011, dando nova redação ao art. 319, do CPP, apresenta nove medidas cau- telares diversas da prisão. Amplia-se, portanto, o rol de tais medidas, na esteira daquilo que já ocorre nos processos penais italiano e português. A nova legislação traz relevantes alterações ao processo penal no que concerne às prisões, às demais medidas cautelares diversas da própria prisão e à liberdade provisória: “Agora, assumiu-se a natureza cautelar de toda prisão antes do trânsito em julgado; junto a isso, ampliou-se o leque de alternativas para a proteção da regular tramitação do processo penal, com a instituição de diversas outras modalidades de medidas cautelares” (PACELLI, 2011, p. 13).

Em certos casos, acusados que merecem algum tipo de restrição da sua liberdade por estarem respondendo a inquérito policial ou a processo criminal pelo cometimento de algum crime hediondo, não precisam, necessariamente, seguir para o cárcere. De- pendendo das circunstâncias fáticas do procedimento ou processo, medidas alternativas à prisão são su ficientes para atingir a finalidade de garantir o bom andamento da inves- tigação e/ou instrução, bem como evitar a sua fuga.

Importa destacar que, com a entrada em vigor das novas regras acerca da prisão e das demais medidas cautelares, a prisão preventiva deverá ser decretada apenas nos casos cujas circunstâncias indiquem maior risco à efetividade do processo ou evidenciem uma possível reiteração criminosa[9]. A prisão preventiva, nos termos do art. 282, § 6º, do CPP, agora é entendida como a ultima ratio das medidas cautelares pessoais no processo penal. Assim, a regra deverá ser a aplicação preferencial das medidas cautelares pre- vistas no art. 319 do CPP; e apenas quando estas forem inadequadas ou descumpridas, deve-se passar à aplicação da prisão preventiva, nos termos do art. 282, § 4º, do CPP.

Portanto, a Lei nº 12.403/11 inova no sentido de criar medidas intermediárias entre a plena liberdade e a prisão cautelar do acusado, medidas que trazem restrições à liberdade do acusado sem que, para tanto, seja necessário utilizar-se do recurso ex- tremo da privação da liberdade enquanto não houver uma sentença condenatória transitada em julgado.

Para o estabelecimento das novas medidas cautelares, criaram-se dois critérios básicos: necessidade e adequabilidade. Tais requisitos específicos de cautelaridade serão devidamente analisados no próximo tópico.

Requisitos para decretação 

Em toda restrição a direitos fundamentais – em especial, o status libertatis –, além da exigência de ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária, deve-se levar em conta a necessidade e a adequação da medida, conforme aduz a nova reda- ção do art. 282, I e II, do CPP. Em razão da excepcionalidade das medidas cautelares pessoais, estas só devem ser decretadas quando preenchidos requisitos específicos de cautelaridade. Como medidas cautelares que são, as medidas do art. 319 do CPP, bem como a prisão cautelar, devem atender aos dois requisitos que caracterizam a natureza da cautelaridade: o periculum in mora e o fumus bonis iuris. No caso específico do pro- cesso penal, tais requisitos são interpretados, em razão do direito fundamental tutelado – liberdade –, como periculum libertatis e fumus commissi delicti.

O periculum libertatis consiste no perigo concreto que a liberdade do indiciado/ acusado representa à investigação do fato delituoso ou à regular instrução criminal. Ele se apresenta no art. 282, I, do CPP, no tocante ao requisito necessidade da  aplicação da medida cautelar. Já o fumus commissi delicti, que pode ser entendido como a probabilidade de ocorrência do crime, expressa a necessidade de existência de prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, a fim de autorizar a imposição de uma medida cautelar pessoal.

Além desses fatores relacionados à cautelaridade, tem-se que todas as medidas cautelares no processo penal, e não somente a prisão, devem se enquadrar em algumas das hipóteses do art. 312 do CPP, quais sejam: para garantia da ordem pública, econômi- ca, da instrução criminal ou da aplicação da lei penal. Assim, o art. 312 do CPP não mais se presta apenas à decretação da prisão preventiva, mas, sim, à decretação de todas as medidas cautelares pessoais, presentes no art. 319 do mesmo diploma.

Para a devida aplicação das medidas cautelares pessoais, o magistrado deverá perquirir, a partir dos elementos presentes nos autos, se: a) existe prova da materialidade e indícios de autoria (fumus commissi delicti); b) na sequência, a real necessidade de imposição da medida (periculum libertatis); c) a incidência de algum dos fundamentos da prisão preventiva (art. 312 do CPP); e, por fim, caso superadas as fases anteriores, d) a adequação da medida cautelar ao caso concreto. Esta última etapa, a adequação, está expressa no art. 282, II, do CPP, e diz respeito à pertinência da medida cautelar pessoal aplicada à situação fática do caso penal – ou seja, se a medida imposta é indicada a tu- telar o direito estatal, diante da situação de dano iminente. Eugênio Pacelli de Oliveira (2011, p. 14) explica que a adequação se relaciona ao princípio da proporcionalidade. Quando presente a necessidade da medida cautelar, tendo em vista eventuais riscos ao processo, o juiz deverá examinar as medidas cabíveis a fim de adequá-las à concreta situação pessoal do agente, bem como às circunstâncias do fato, como se fosse uma autêntica individualização da pena.

Tal exame de proporcionalidade é visto aqui como proibição de excessos, uma vez que todas as precauções devem ser tomadas pelo magistrado com o escopo de evitar que uma medida cautelar pessoal venha a ser mais gravosa que a pena advinda de uma eventual sentença penal condenatória.

Analisados os requisitos para a imposição das medidas cautelares, faz-se imprescindível o estudo das medidas cautelares pessoais em espécie, tema abordado no próximo tópico.

Espécies de medidas cautelares

As medidas cautelares pessoais diversas da prisão, inseridas pela Lei nº 12.403/2011, estão previstas na nova redação do art. 319 do CPP10.

A primeira delas é o comparecimento pessoal em juízo, uma medida similar à já prevista no art. 89, IV, da Lei nº 9.099/95. Assumido o compromisso pelo agente, fica ele obrigado a comparecer em juízo periodicamente para justificar suas atividades e informar mudança de endereço dentro dos limites da comarca enquanto perdurar o processo, cabendo ao juiz aferir a periodicidade do comparecimento. Ressalta-se que, caso o agente resida fora da comarca do juízo competente para o processo, esse juízo poderá remeter carta precatória ao juízo de domicílio/residência do agente, a fim de que o juízo deprecado ateste o cumprimento da medida.

A segunda medida é a de proibição de acesso ou frequência a determinados lugares, quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deve o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações. Com sua imposição, busca-se minimizar o risco de reiteração de condutas delituosas, “contornando os conflitos tipicamente existentes em certos locais, como botequins e demais lugares onde se serve bebida alcoólica sem controle algum” (NUCCI, 2011, p. 83) e evitando a perturbação ou o acirramento de ânimos entre as pessoas em locais em que deve ser proibido o acesso ou frequência.

A proibição da livre locomoção do acusado também não é novidade no nosso ordenamento jurídico, eis que sempre foi utilizada como condição de outros benefícios como o livramento condicional e o sursis. A Lei nº 9.714/98 elegeu tal restrição como pena alternativa (art. 47, IV, CPB). Em que pese à sua elevação a pena alternativa, a proibição de frequentar lugares raramente é aplicada, uma vez que não há a devida fiscalização por parte dos entes públicos. Eis o ponto mais questionando da inclusão da presente cautelar no rol do art. 319, do CPP.

Também se inseriu como medida cautelar a proibição de manter contato com pessoa determinada, quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deve o indicia- do ou acusado dela permanecer distante. Cuida-se de cautelar semelhante à medida protetiva de urgência, prevista no art. 22, III, “b”, da Lei nº 11.340/06, que tutela a violência doméstica e familiar. Contudo, aqui a medida perde seu caráter excepcional em relação aos crimes da Lei Maria da Penha, ganhando aplicação geral a todos os tipos penais. A proibição de manter contato com determinada pessoa pode ser fixada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deve o indiciado ou acusado dela permanecer distante. Cabe destacar que a presente cautelar não é restrita apenas ao contato entre autor e vítima: pode ser aplicada em outras situações, como a proibição de contato com testemunhas e até mesmo com o corréu. Apesar de indicada em muitos casos, tal medida deve ser analisada com prudência, já que o mero encontro casual entre vítima/testemunha com o agente pode não ensejar a transgressão da medida. Encontros e desencontros são imprevisíveis, sendo certo que, se não demonstrado o dolo do agente em violar a medida, não há de se falar em seu descumprimento.

Outra medida é a proibição de ausentar-se da comarca quando a permanência for conveniente ou necessária para a investigação ou instrução. Por essa medida, o agente assume o compromisso de permanecer no distrito da infração à disposição do juízo, enquanto for conveniente ou necessário à investigação à instrução criminal. A imposição dessa medida cautelar deve vir acompanhada de outra mais relevante ao caso concreto. Assim, cumulando-se normalmente com o inc. I do art. 319 do CPP, pode ser associada também aos demais. A fiscalização cumula-se com o comparecimento em juízo. Assim, caso o réu não mais esteja na comarca, é improvável que retorne apenas para certificar a sua presença em juízo. O comparecimento à sede do juízo gera uma presunção de permanência na comarca, sendo extremamente difícil a fi scalização dessa medida por outros meios.

Tem-se também a medida cautelar do recolhimento domiciliar no período no- turno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tiver residência e  trabalho fixos. Restando comprovado que o acusado possui residência e ocupação laboral fixas, tal medida cautelar impõe que ele se recolha à sua residência durante o período noturno e nos dias de folga, buscando-se com isso evitar a reiteração de condutas criminosas. Essa medida restringe mais a liberdade do acusado que as demais, pois:

"Ela se aproxima das medidas de caráter satisfativo ou de prevenção específica ante factum. Tanto é que se assemelha à ‘limitação de final de semana’, prevista como medida substitutiva da pena privativa de liberdade (art. 43, VI, CP). Contudo, a medida cautelar restringe mais a liberdade do acusado que a referida medida executiva, pois a limitação de final de semana exige o recolhimento em lugar específico pelo prazo máximo de 5 horas por final de semana, e a medida cautelar prevê a restrição da liberdade com o recolhimento domiciliar durante todas as noites da semana, e a restrição total nos dias de folga ( final de semana ou não)." (BARROS, MACHADO, 2011, p. 159)

Com a finalidade de permitir uma melhor fiscalização de seu cumprimento, o re- colhimento domiciliar deve ser cumulado com o monitoramento eletrônico, sem o qual seria muito difícil a veri fi cação efetiva do cumprimento da medida cautelar em análise.

Por fim, tem-se a medida do recolhimento domiciliar (art. 319, V, do CPP), a qual difere da prisão domiciliar prevista nos arts. 317 e 318, também do CPP, já que esta última somente é cabível como substitutiva da prisão preventiva sob determinadas condições e circunstâncias pessoais do agente, tratando-se, em verdade, de medida de caráter humanitário. Ademais, a medida cautelar da prisão domiciliar é mais abrangente: não se restringe apenas ao período noturno e aos dias de folga, mas, sim, a todos os dias da semana.

A 6ª medida prevista no art. 319 do CPP é a suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo re- ceio de sua utilização para a prática de infrações penais. Havendo fundado receio de que o agente continue a se prevalecer de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira para dar continuidade a negócios escusos, deve-se suspender o exercício de tal atividade, com a finalidade de impedir a reiteração da conduta criminosa. Nessa medida, a liberdade do acusado fica resguardada; há, todavia, restrição de direitos.

Na sequência, aparece a medida da internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável e houver risco de reiteração. É oportuna a inclusão da possibilidade de internação provisória do agente, já que, com o advento da Lei de Execução Penal (LEP), a medida de segurança provisória foi extinta. Assim, a Lei nº 12.403/2011 supre a lacuna existente em relação à prisão provisória dos semi-inimputáveis e dos inimputáveis.

A 8ª medida cautelar do art. 319, do CPP é a fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu anda- mento ou coibir a resistência injustificada à ordem judicial. Nos termos do art. 330, do CPP, a fiança é uma garantia real, na qual se exige a prestação de determinado valor em dinheiro ou a entrega de bens ao Estado, nas hipóteses citadas acima.

A instituição da liberdade provisória sem fiança descrita no parágrafo único do art. 310 do CPP minimizou a importância e eficácia da fiança no ordenamento jurídico brasileiro. Todavia, como medida cautelar diversa da prisão, parece estar novamente em evidência. Com a entrada em vigor da Lei nº 12.403/2011, a fiança passa a ser aplicada como medida cautelar, desvinculada da prisão em flagrante. Respeitando-se os requisitos do art. 282, do CPP, pode-se, em qualquer delito, estabelecer o pagamento de determinada quantia como meio de assegurar a presença do agente nos atos processuais, evitando a sua ausência da comarca onde se processa a ação penal.

Entretanto, cabe salientar que a fiança ainda mantém o seu caráter de garantia real quando aplicada no decorrer da avaliação do auto de prisão em flagrante, com o fim de obter-se a liberdade provisória – ainda vista como uma medida de contracautela em relação à prisão em fl agrante.

Por fim, importa destacar que a fiança poderá ser instituída isolada ou cumulativamente com outras medidas cautelares.

Por fim, tem-se a monitoração eletrônica, uma modalidade de vigilância de um indivíduo ou de uma coisa. Consiste em um eficiente instrumento de controle, à medida que fornece a exata localização, percurso e deslocamento do objeto monitorado. Existem dois tipos de monitoramento: o ativo e o passivo. No primeiro, um aparelho transmissor é instalado junto ao monitorado, permitindo maior mobilidade do usuário. O dispositivo comunica-se com a central de monitoramento e, caso o investigado se afaste da área permitida, a central é notificada. O segundo tipo de monitoração é a passiva. Nela, periodicamente um computador efetua ligações telefônicas para averiguar se o acusado se encontra nos lugares delimitados pelo juiz. A verificação é realizada por meio do reconhecimento de voz ou pelo uso de senhas.

Por afastar o indivíduo do cárcere, a utilização do monitoramento eletrônico pode acarretar grandes benefícios ao Estado, ao próprio réu e até mesmo à sociedade, pois afasta o homem das mazelas de sua inserção no cárcere, como, por exemplo: estigmatização, insalubridade, exposição à entrada em facções criminosas, entre outras. Evidencia-se, pois, que o monitoramento eletrônico é uma alternativa válida ao precário sistema prisional brasileiro. Contudo, inexistem parâmetros seguros quanto à aplicabilidade dessa medida, ficando ao critério de cada magistrado regulamentar seus limites. Destarte, cuida-se de medida cautelar ineficaz enquanto os recursos não vierem e a viabilidade prática não ocorrer.

Por fim, é mister ressaltar que o monitoramento eletrônico não é uma medida cautelar autônoma, sendo acessória às demais previstas no art. 319 do CPP. Portanto, é um procedimento com o condão de controlar o cumprimento de outras medidas cautelares ou mesmo executivas[11]. O Decreto nº 7.627, publicado no Diário Oficial da União em 25/11/2011, regulamenta, em linhas gerais, o monitoramento eletrônico, deixando, contudo, aos órgãos de gestão penitenciária a responsabilidade pela administração, execução e controle da monitoração eletrônica.

O art. 320 do CPP também apresenta uma medida cautelar pessoal – proibição de ausentar-se do país. Embora tenha sido introduzida pela Lei nº 12.403/11, tal medida cautelar não se encontra arrolada entre as hipóteses descritas no art. 319 do CPP. Percebe-se que aqui se trata de proibição de se ausentar do país, e não somente da comarca – como prevê o disposto no art. 319, IV. Essa medida poderá ser um grande transtorno àqueles que necessitam ausentar-se do país com certa frequência em virtude das suas atividades profissionais. Todavia, não se pode olvidar que a proibição de ausentar-se do país, como todas as medidas anteriormente analisadas, só se justificará quando presente o receio de fuga e sempre como alternativa à prisão preventiva.

Detração e medidas cautelares

Como visto, a Lei nº 12.403/11, editada com o escopo de evitar o encarceramento do indiciado ou do acusado antes de transitar em julgado a sentença penal condenatória, trouxe inúmeros benefícios ao ordenamento processual penal pátrio.

Nos termos do atual § 6º do art. 282 do CPP, a prisão preventiva passa a ser medi- da excepcional (ultima ratio), tendo caráter subsidiário em relação às demais medidas cautelares pessoais, em harmonia com o princípio da intervenção mínima do Direito Penal. Ressalta-se que, sem necessidade e adequação, nenhuma medida cautelar pessoal será imposta, devendo o juiz conceder a liberdade provisória com ou sem fiança. Toda- via, em que pese às inovações da Lei nº 12.343/2011, há um ponto que exige re fl exão: a ausência de previsão da detração diante da aplicação de medidas cautelares pessoais distintas da prisão.

O art. 42 do CPB dispõe que haverá redução, da pena privativa de liberdade ou de medida de segurança aplicada ao final da sentença, do período de prisão provisória ou de internação para tratamento psiquiátrico em que o sentenciado cumpriu anterior- mente, mas não tutela a aplicação da detração nos processos em que a cautelar aplicada é distinta da prisão. Nas hipóteses em que o réu é submetido à prisão domiciliar ou ao monitoramento eletrônico durante a instrução criminal, a Lei nº 12.403/2011 é silente a respeito do respectivo desconto na pena final, em desrespeito ao princípio da equidade e da vedação do bis in idem, uma vez que a detração deve ser aplicada sempre que hou- ver intervenção do Estado em direitos do cidadão, seja para restringir ou para privar a liberdade do indivíduo em seu direito de ir, vir e permanecer.

Apesar de comporem o mesmo gênero das medidas cautelares pessoais, o caput do art. 319 do CPP é expresso ao determinar que as medidas cautelares diversas da prisão não se confundem com a prisão preventiva. Do mesmo modo, o art. 321 do referido diploma deter- mina que, quando não for o caso de se decretar a prisão preventiva, “o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código”. Assim, resta evidente a distinção entre as medidas cautelares alternativas e a prisão preventiva, sendo aquelas restrições que acompanham a liberdade provisória.

Mesmo ausente qualquer determinação legal acerca da aplicação da detração em razão do cumprimento das medidas cautelares pessoais diversas da prisão no cômputo do prazo de eventual sentença penal condenatória, “a partir de uma interpretação fa- vorável ao réu, tal instituto pode sim ser aplicado, atendendo, portanto, aos fi ns  que a detração se propõe” (BARROS; MACHADO, 2011, p. 220). O magistrado pode (e deve) beneficiar o réu com uma interpretação que amplie a abrangência do instituto da detra- ção penal para além da prisão. Ademais:

Não é cediço que um dos fundamentos da pena é a ressocialização do sentenciado, logo, se ele, ainda durante inquérito ou processo, se submeteu e cumpriu medidas cautelares [diversas da prisão] que lhe foram impostas, nítido está a sua mudança de comportamento no sentido de agora atuar conforme ao ordenamento jurídico, devendo tal ato ser computado na detração penal, eis que se filiam aos objetivos da pena. (BARROS; MACHADO, 2011, p. 220)

Apesar da expressa distinção entre a prisão preventiva e as demais medidas do art. 319 do CPP, todas compõem o mesmo gênero, qual seja: medidas cautelares pes- soais. Como se percebe na leitura das medidas diversas da prisão, algumas, a exemplo da prisão, realmente privam o direito de ir, vir e permanecer do sujeito, ao passo que outras apenas restringem o pleno exercício de tal direito. Logo, uma possibilidade de detração em relação às medidas cautelares do art. 319 do CPP, caso aplicável, não deve ser feita ao acaso, mas sim obedecendo a critérios lógicos de privação/restrição da li- berdade, conforme se passa a expor no próximo tópico.

Privação e restrição da liberdade

Por meio de uma análise sistemática das novas medidas cautelares trazidas pela Lei nº 12.403/2011, percebe-se que a maioria daquelas medidas, se aplicadas, ensejam restrições diretas ou, em grau mais elevado, até mesmo a privação ao direito de liberdade do acusado ou investigado.

Privar é suprimir um bem ou uma faculdade que normalmente se deveria ter; restringir, por sua vez, é limitar, impor uma condição limitativa, e não tem o caráter de generalidade. A diferenciação entre as medidas cautelares que privam a liberdade de locomoção do réu e aquelas que apenas a restringem é essencial ao estudo da aplicação da detração penal às medidas cautelares pessoais distintas da prisão. Uma medida que priva a liberdade de ir e vir do agente faz com que seu status libertatis esteja espa- cialmente limitado ao cárcere. De outro lado, medidas que restringem a liberdade são aquelas que, apesar de não manter o agente na prisão, impõem-lhe condições ao pleno gozo de seu status libertatis.

A medida cautelar de comparecimento periódico em juízo, por exemplo, restrin- ge a liberdade do agente, à medida que cria a obrigação do comparecimento pessoal à sede do juízo para que sejam informadas suas atividades regulares. Cabe ressaltar que não há privação total da liberdade, pois o réu pode se locomover livremente e realizar suas atividades rotineiras: existe apenas uma restrição específica aos seus direitos. O mesmo acontece com a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares; a proibição de manter contato com pessoa determinada; a proibição de ausentar-se da co- marca quando a permanência for conveniente ou necessária à investigação ou instrução; a suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira; a fiança; e a monitoração eletrônica, uma vez que tais medidas não privam a liberdade do acusado em sua totalidade, havendo apenas restrições parciais de acordo com as circunstâncias processuais.

No que concerne à monitoração eletrônica, cabe salientar que o indivíduo pode ficar sob vigilância permanente do Estado em horário integral, inibindo-se a prática de determinados atos. Contudo, essa vigilância estatal não tem o condão de suprimir a liberdade de locomoção do agente, já que este continua a praticar suas atividades corri- queiras dentro de determinados limites impostos pelo magistrado. Assim, a medida cau- telar em análise impõe tão somente uma condição restritiva ao acusado,   impedindo-o de ultrapassar certo limite territorial ou de frequentar determinados lugares. Ademais, conforme depreende-se do nome do instituto, cuida-se de monitoração, um instrumento de controle e vigilância que fornece a localização e deslocamento do réu, servindo como mera ferramenta de fiscalização do paradeiro do indivíduo. O Estado agirá somente na hipótese de infringência aos limites impostos ao agente.

Inicialmente, por meio de uma análise superficial da medida cautelar de fiança, é possível a conclusão de que não há privação ou mesmo restrição da liberdade do acusado, uma vez que se trata de medida de cunho patrimonial que visa a assegurar o comparecimento aos atos do processo e a evitar a obstrução do seu andamento. Todavia, insta destacar que, durante o período de prestação da fiança, o agente fica adstrito a outras obrigações não patrimoniais, como as previstas nos arts. 327, 328 e 341, todos do CPP: comparecimento a todos os atos aos quais for intimado; proibição de mudar de residência sem prévia permissão do juízo; vedação de resistir injustificadamente a ordem judicial, entre outras.

Deste modo, resta evidente que a imposição da fiança como medida cautelar restringe a liberdade do agente. Ademais, se o indivíduo quebra a fiança, além de per- der metade do valor, ele a terá convertida em outra medida cautelar que não a própria fiança (art. 324, I, c/c art. 343, ambos do CPP), o que, mais uma vez, rea firma o seu caráter de medida cautelar restritiva de liberdade.

A medida de internação provisória do acusado, na hipótese de crime praticado com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável e houver risco de reiteração (art. 319, VII, CPP), já era prevista em nosso ordenamento desde a redação original do CPP de 1941, recebendo apenas uma nova caracterização. Cuida-se de medida cautelar extrema, na qual o enfermo mental é en- caminhado a um local apropriado, separado do cárcere comum, onde ficará internado. Evita-se, desse modo, o cometimento de novas infrações. Aqui, não restam dúvidas acer- ca da aplicação da detração caso o acusado venha a ser condenado a pena de internação para tratamento psiquiátrico.

A medida de recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga, por sua vez, não apenas restringe, mas priva o direito de liberdade, revelando aqui sua concreta gravidade. Portanto, para fi ns de detração penal, o art. 319, V, do CPP deve ser interpretado como autêntica prisão preventiva, pois o lar se transforma no próprio cárcere do agente, donde não pode se ausentar sob pena de ter essa medida substituída pela prisão (art. 282, § 5º, do CPP).

Feita a distinção entre a privação e a restrição do direito de liberdade em se tratando de medidas cautelares pessoais, passa-se, na sequência, à aplicação da detração a tais medidas.

Parâmetros de aplicação da Detração

Analisado o grau de limitação que cada medida cautelar pessoal impõe ao indivíduo, faz-se necessário diferenciar as situações distintas, concernentes à aplicação da detração às  medidas pessoais do art. 319, do CPP.

Na hipótese em que o investigado ou acusado tenha cumprido medida cautelar distinta da prisão e, ao fi nal do processo, seja condenado a uma pena privativa de liberdade, a incidência da detração no âmbito das medidas cautelares variará, tendo como parâmetro a restrição ou privação da liberdade do sentenciado nas fases instru- tória ou investigatória.

Se houver privação da liberdade de locomoção do réu, ainda que somente em período noturno e nas folgas do trabalho (art. 319, V, do CPP), a detração deverá ser aplicada na proporção de 1 por 1 – conforme anteriormente demonstrado, trata-se de medida extrema em que a casa do acusado torna-se o seu cárcere, e deve ser interpretada como autêntica prisão provisória.

Poderia ser alegado que a detração não seria aplicável a tal medida em virtude da liberdade para o trabalho. Contudo, rechaça-se tal argumento, com a alegação de que o trabalho deve sempre ser incentivado, quando não oportunizado pelo Estado, instituindo-se como verdadeiro direito fundamental (PACELLI, 2011, p. 20). Ademais, o trabalho do réu preso é um dos principais objetivos da execução da pena no Brasil, na perspectiva da ressocialização do condenado, sendo, pois, insubsistente a negativa da detração.

Por outro lado, se houver apenas restrição do direito de ir e vir do acusado ou investigado, “[...] tem-se por incompatível a detração paritária da medida cautelar diversa da prisão no prazo da sentença definitiva” (BARROS; MACHADO, 2011, p. 222). Entretanto, é importante lembrar que a medida cautelar distinta da prisão aplicada an- teriormente afetou a liberdade do acusado, restringindo-a. Nesses casos, a detração se dará na proporção de 3 por 1, em analogia ao disposto no art. 8º, do CPB, cumulado com o art. 126, § 1º, da LEP (remissão pelo trabalho/estudo). Desse modo, se condenado, o sujeito fará jus ao cômputo de um dia de pena privativa de liberdade para cada três dias de cumprimento da medida cautelar diversa da prisão (DEZEM, 2011, p. 15-16).

A segunda possibilidade diz respeito ao acusado que cumpre medida cautelar dis- tinta da prisão e, quando condenado em sentença penal, tem a sua pena privativa de liberdade convertida em restritiva de direitos. Aqui, a proporção da detração será  de 1 por 1, uma vez que a medida cautelar e a pena restritiva de direitos contém natureza similar12, pois se vinculam à restrição da liberdade por outros meios que não a prisão.

Por fim, abre-se um parêntese à prisão domiciliar, já explorada acima, uma forma alternativa de cumprimento da prisão preventiva. Trata-se de uma faculdade do juiz, que a decretará de acordo com as peculiaridades do caso concreto e quando forem preenchidos os requisitos específicos dispostos no art. 318 do CPP. É medida de caráter humanitário, não devendo ser banalizada: a sua decretação em hipóteses que não as previstas no art. 318, do CPP, deve ser realizada apenas nos casos em que a medida seja absolutamente indispensável.

A prisão provisória domiciliar tem natureza cautelar e funciona como um substi- tutivo da prisão preventiva, não se incluindo como mera alternativa à prisão como as demais medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP. Portanto, trata-se de medida em que há verdadeira privação da liberdade de locomoção do acusado ou  investigado.

Logo, o desconto do tempo de cumprimento da medida em caso de condenação previsto no art. 42 do CPB é medida de rigor e adequada.

Considerações finais

Há um princípio clássico de justiça segundo o qual ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato, sendo a detração o instituto que vem dar cabo a tal instituto. Portanto, tem a finalidade primordial de evitar que o Estado ultrapasse os limites do poder-dever de punir, sujeitando o responsável pelo fato punível a uma fração desne- cessária da pena sempre que houver privação da liberdade ou internação em etapas anteriores à sentença penal condenatória.

Desse modo, à luz de uma interpretação constitucionalmente adequada do Direi- to e do Processo Penal, em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana e do non bis in idem, verifica-se uma ampliação da aplicação do instituto da detração mesmo em casos não previstos expressamente no art. 42 do CPB, como, por exemplo, quando o réu é apenado com pena restritiva de direitos ou multa e nos atos infracionais previstos no ECA.

Ademais, os tribunais superiores já alteraram seus entendimentos, no sentido de permitir o cômputo da detração em processos distintos, e os tribunais estaduais conce- beram a detração em delitos cometidos posteriormente ao procedimento criminal que determinou o acautelamento e que o réu foi absolvido. Nota-se, pois, a nítida intenção dos juristas em garantir que o preso provisório não seja, em hipótese alguma, punido duas vezes pelo mesmo fato.

Nessa seara, conclui-se pelo fim da oposição prisão preventiva versus liberdade, a partir da Lei nº 12.403/2011, já que, com a nova redação do art. 319 do CPP, o leque de alternativas para proteger a regular tramitação do processo penal foi ampliado, com a instituição de outras modalidades de medidas cautelares, assumindo-se a natureza cautelar de toda prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Tendo em vista que as medidas cautelares diversas da prisão, de alguma forma, terminam por afetar o status libertatis do cidadão, perquiriu-se a forma pela qual elas surtiriam efeitos no tocante à detração penal. Nesse sentido, concebeu-se o critério de diferenciação das medidas cautelares pessoais pela privação ou restrição do direito de ir, vir e permanecer.

Chegou-se ao entendimento de que as medidas de comparecimento periódico em juízo; proibição de acesso ou frequência a determinados lugares; proibição de man- ter contato com pessoa determinada; proibição de ausentar-se da comarca quando a permanência for conveniente ou necessária à investigação ou instrução; suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira; fian- ça; e monitoração eletrônica restringem a liberdade do indiciado ou acusado, ao passo que a medida de recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga priva sua liberdade.

As medidas que privam a liberdade do agente, seguindo o que já está estabeleci- do para a prisão preventiva, devem ser computadas na proporção de 1 por 1. Ou seja, a cada dia de cumprimento da medida cautelar deve-se subtrair um dia da eventual sen- tença penal condenatória. Já nas medidas que restringem o status libertatis, a detração se dará na proporção de 3 por 1, em analogia ao disposto no art. 8º, do CPB, cumulado com o art. 126, § 1º, da LEP. Assim, se condenado, o agente fará jus ao cômputo de um dia de pena privativa de liberdade para cada três dias de cumprimento da medida cau- telar diversa da prisão.

A detração possui o escopo de evitar abusos por parte do Estado, impedindo que o indivíduo seja sentenciado a uma fração desnecessária da pena sempre que houver res- trição ou privação da liberdade em fases anteriores à sentença penal condenatória, em consonância com o princípio clássico do non bis in idem, segundo o qual ninguém poderá ser punido por duas vezes pelo mesmo fato. Portanto, mesmo ausente expressa deter- minação legal acerca da aplicação da detração em razão do cumprimento das medidas cautelares pessoais diversas da prisão, por uma interpretação pautada no princípio do favor rei tal instituto pode ser aplicado, atendendo aos fi ns que a detração se propõe. O magistrado pode (e deve) beneficiar o réu com uma interpretação que amplie a alcance do instituto da detração penal para além da prisão.


Notas e Referências:

BARROS, Flaviane de Magalhães; MACHADO, Felipe Daniel Amorim. Prisão e medidas cautelares: nova reforma do Processo Penal – Lei nº 12.403/2011. Belo Horizonte: Del Rey, 2011.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 3 nov. 2012.

         . Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 3 nov. 2012.

         . Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, e dá outras providências. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12403.htm>. Acesso em: 3 nov. 2012.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. V. 1. DELMANTO, Celso. Código Penal comentado. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

DEZEM, Guilherme Madeira. Medidas cautelares pessoais: primeiras re fl exões. In Boletim IBC- CRIM. São Paulo: IBCCRIM, ano 18, n. 223, p. 15-16, jun., 2011.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 13. ed.Rio de Janeiro: Impetus, 2011.

NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e liberdade: as reformas processuais penais introduzidas pela Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011. São Paulo: RT, 2011.

PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 15. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

          . Atualização do Processo Penal. Lei nº 12.403, de 5 de maio de 2001. Brasília, 2011. Disponível em: <http://professor.ucg.br/SiteDocente/admin/arquivosUpload/7782/material/ Lei%2012.403%20-%20Pris%C3%A3o%20e%20Liberdade%20-%20Eugenio%20Pacelli.pdf>. Acesso em 3. nov. 2012.

[1] Por outro lado, de forma expressa, o non bis in idem é previsto no art. 8º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de São José da Costa Rica: “Artigo 8º - Garantias judiciais. 12. O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”. A convenção foi aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 27/1992 e promulgada pelo Decreto nº 678/1992, tendo status constitucional por força da Emenda Constitucional nº 45/2004, a qual acrescentou o § 3º, ao art. 5º, da Constituição Federal.

[2] Nos termos do cáput, do art. 283, alterado pela Lei nº 12.403/2006, tem-se que a prisão provisória possui como espécies a prisão temporária e a prisão preventiva, não mais se podendo falar na prisão em fl agrante como uma prisão cautelar, mas meramente como um estado fático de detenção. Sobre o tema, ver: Barros e Machado (2011).

[3]   Como defensores desta tese, destacam-se: Luiz Regis Prado, Damásio de Jesus e Guilherme Nucci.

[4] Entre os autores que apoiam este entendimento, citam-se: Rogério Greco, René Dotti, Cezar Bitencourt, Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli.

[5]   Embora antigo, o acórdão mantém-se como posição predominante do STF.

[6] Vide o acórdão do STJ, cuja referência é: Recurso em Habeas Corpus nº 2.184/SP, rel.: min. José Cândido de Carvalho Filho, 6ª Turma, julgado em 26/10/1992, DJ 9/11/1992.

[7] Nesse sentido, ver o seguinte julgado do STJ: Agravo de Regimento no Recurso Especial nº 1.036.459/ RS (rel. ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, julgado em 16/6/2011, DJe 28/6/2011).

[8] Nesse sentido, ver: Recurso em Habeas Corpus nº 12.924/RS – Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 2002/0068769-5, rel.: min. Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, DJ 4/8/2003.

[9] No tocante à possibilidade de reiteração criminosa, importa salientar que a privação da liberdade de locomoção do agente pelo eventual risco de se praticar novos delitos assemelha-se a uma prevenção geral ante factum, configurando-se como medida voltada ao direito penal do autor, que não pune a conduta em si, mas, sim, o histórico de vida do sujeito. Para uma elucidação mais precisa do tema vide Barros e Machado (2011).

[10] “Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justi ficar atividades; II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injusti ficada à ordem judicial; IX - monitoração eletrônica.”

[11] “Como medida cautelar diversa da prisão, ele apenas pode ser aplicado cumulativamente com a medida de recolhimento domiciliar (art. 319, V, CPP) ou de proibição de acesso ou frequência a determinados lugares (art. 319, II, CPP). Reconhecendo o monitoramento como meio de controle e não como modalidade de medida cautelar, ele também pode ser aplicado no caso de prisão domiciliar (art. 318, CPP). BARROS, Flaviane de Magalhães; MACHADO, Felipe Daniel Amorim. Prisão e Medidas Cautelares: nova reforma do Processo Penal. Belo Horizonte - Del Rey, 2011. p 167.

[12]  Para tal conclusão, basta a análise dos artigos 43 do CPB e 319 do CPP.


felipe machado

Felipe Daniel Amorim Machado é Advogado. Doutorando em Direito (PUC Minas). Mestre em Direito (UFMG). Especialista em Ciências Penais (Instituto de Educação Continuada/PUC Minas). Professor de Processo Penal (PUC Minas / Pro Labore / UFOP). Professor de Direito Penal (PUC Minas / Ibmec).

E-mail: felipemachado100@gmail.com                                                                                                                                                                                                                                                                                                        


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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