DESINFORMAÇÃO E TECNOLOGIA: Dos desafios envolvendo a regulação das plataformas digitais

13/11/2023

1. INTRODUÇÃO

Um dos principais aspectos que marcam esta sociedade cada vez mais conectada é o alto fluxo informacional. Em que pese esta revolução seja positiva, tendo em vista a disruptura causada no sentido de proporcionar voz a todos, é necessário se atentar a um risco inerente a esta evolução tecnológica. 

Ainda que problemas informacionais não se tratem de uma novidade, é inegável que o progresso tecnológico elevou este mal a um outro patamar. Sendo que dentre eles é merecido destaque à desinformação, a qual consiste no mais grave deste problemas, pois além de uma informação imprecisa carrega consigo um caráter de manipulação. 

E a forma como ela se manifesta atualmente é através das redes sociais, plataformas que se dizem isentas mas que na prática são responsáveis pela disseminação deste problema. Por se tratar de uma situação relativamente nova, a legislação que trata do tema se mostra ainda ineficaz em tratar desta questão. Mas afinal, existe alguma forma de controle frente a este problema? 

 

2. DA REVOLUÇÃO AO PROBLEMA INFORMACIONAL

Ainda que se aplique ao momento atual da sociedade, o conceito de revolução informacional não se trata de uma novidade. Em que pese a tecnologia digital traga mudanças expressivas, capaz de romper definitivamente com diversos paradigmas, é necessário destacar que de forma relativamente recente também houveram grandes mudanças neste sentido. Tais situações podem ser verificadas tanto com o advento do rádio quanto da televisão. 

O primeiro, em especial, pode ser considerado tão revolucionário quanto a própria tecnologia atual. Uma vez que pela primeira vez a informação pode ser difundida em larga escala em um curto período. Enquanto a televisão foi a evolução desta mudança, dando maior expressão a esta propagação de conteúdo. Inclusive se revelando um fortíssimo instrumento de difusão e coordenação de opiniões, possibilitando uma forma de controle de massas inédita até então (AMATO, 2021).

Entretanto, ainda que o rádio e a televisão tenham causado grandes mudanças no sentido de disseminação de informação, cabe destacar que as oportunidades de informar seguiram restritas a um grupo ainda bastante seleto. E é neste sentido que a revolução imposta pelo digital revela o seu potencial. É seguro apontar como sendo o maior mérito da internet a sua capacidade de dar voz a qualquer um que deseje ser ouvido. Nenhuma outra revolução informacional se mostrou tão democrática no sentido da difusão de comunicação. Entretanto, é justamente neste aspecto que se verifica o maior risco atrelado a esta questão: a desinformação (GOMES, PENNA e ARROIO, 2020). 

 

2.1 Do que trata esta desinformação 

Ainda que pareça um termo intuitivo de simples compreensão, é imprescindível atentar às características que diferenciam a desinformação de outros problemas informacionais. 

Neste sentido, cabe ressaltar que o seu principal destaque advém do caráter de deliberada manipulação, na qual o intuito é enganar ou alienar o público para o qual a mensagem é destinada (PINHEIRO e BRITO, 2014). Aspecto este que torna a situação muito mais nebulosa, devido à dificuldade em mensurar a real intenção do interlocutor: se é a de manipular ou apenas reproduzir algo que lhe tenha chegado já nestas circunstâncias.

Neste preâmbulo, a desinformação se mostra associada a um caráter maquinador, com um intuito de forjar o conteúdo não somente para enganar, mas também para causar dano. Analisando de forma mais objetiva, a informação incorreta possui um viés quase que ilusório, enquanto a má-informação contempla dados genuínos, os quais em razão do contexto em que foram compartilhados se manifestam como algo indevido. E é em meio a estas questões emerge a desinformação, arraigada por um contexto falso, cujo seu conteúdo se revela como impostor ou fabricado (IRETON e POSSETI, 2019).

Nesta abordagem fica destacado o aspecto no qual ela se concilia aos meios digitais, pois embora sejam incontáveis as benesses de uma sociedade informacional, o caráter libertador desta conexão traz por consequência um excesso de informação. Influenciando o comportamento dos seus usuários e apresentando-se como um facilitador para a manipulação de dados (DE SOUZA e DOS SANTOS, 2020).

Ainda, um dos aspectos mais preocupantes relacionados ao problema é a dificuldade para o usuário avaliar a veracidade do conteúdo acessado. Pesquisas apontam que 62% dos brasileiros se consideram incapazes ou com grande dificuldade de distinguir entre uma notícia falsa e uma informação genuína (INSTITUTO KASPERSKY, 2023). Neste sentido é que entra o papel das redes sociais, ao serem utilizadas como um mecanismo extremamente poderoso na disseminação de desinformação. Corroborado pelo alarmante fato de que, em média, um a cada cinco brasileiros utiliza-se das redes sociais como principal fonte de informações (GOEKING, 2023). 

Tendo em vista o potencial lesivo que a desinformação possui, e também o elevado grau de exposição do brasileiro a este mal, torna-se necessário recorrer ao instituto da responsabilidade civil (LAUX, 2020). E é a partir deste ponto que se intensifica a discussão envolvendo os limites para que se responsabilize as redes sociais pela desinformação divulgada em suas plataformas, bem como de que forma é possível (e até mesmo se é possível) esse controle.

 

3. DAS REDES SOCIAIS E A SUA RESPONSABILIDADE

Em que pese a facilidade que é compartilhar informações nas redes sociais, não é de se estranhar que vez ou outra alguém compartilhe uma informação incorreta. Mas como já referido, é o caráter da desinformação que preocupa, a manipulação e o intento de lesar é que enseja a responsabilização. E neste caso cabe destacar a necessidade não apenas da responsabilização individual daquele usuário que, deliberadamente, compartilhou um conteúdo lesivo, mas também da plataforma que se mostrou falha em coibir de forma eficaz esta atitude (TARTUCE, 2023).

Ao se analisar de maneira mais específica a questão que envolve às redes sociais é indissociável se ater ao fato de que elas estão em constante transformação, sendo inclusive uma matéria relativamente nova no campo jurídico. Ainda que venha a ser imprescindível que o direito trate de temas como a responsabilidade civil destas plataformas perante a sociedade (SARLET e DE BITTENCOURT SIQUEIRA, 2020). 

O fato de atuarem numa espécie de intermediação, agindo como plataformas para a distribuição do conteúdo dos seus usuários, não é o suficiente para eximir as redes sociais em relação ao que ocorre nas suas páginas. Pois ainda que não se atribua a elas uma responsabilidade de caráter objetivo pelo que é publicado pelos seus usuários, ainda há responsabilidade, razão pela qual se revela necessário um controle, no intuito de coibir a ocorrência de danos causados por estes conteúdos (DE TEFFÉ e DE MORAES, 2017).

No cenário brasileiro, a responsabilidade civil por parte das redes sociais é regulamentada em especial pela Lei nº 12.965/2014, também chamada de Marco Civil da Internet. Conforme esta lei, as redes sociais são passíveis de responsabilização civil pelos danos causados entre os seus usuários, como por exemplo casos de difamação, injúria e também a divulgação não consentida de informações pessoais, como por exemplo fotos íntimas. Ocorre que as novas tecnologias acabam por gerar diversos desafios aos legisladores, ensejando uma reformulação em alguns dos seus principais instrumentos, como a própria responsabilidade civil (RIPOLL e DO CANTO, 2022). 

Evidente que pelo próprio caráter das redes sociais parece utópico pensar na possibilidade de impedir que os usuários venham a compartilhar conteúdos de cunho danoso. Mas em contrapartida é plenamente possível a adoção de medidas no intuito de mitigar estas ações (MIRAGEM, 2021). E embora se perceba, de fato, algum movimento no sentido de desenvolver mecanismos para controle de potenciais conteúdos lesivos, estas ações se mostram pouco eficazes na prática. Em especial pela velocidade com que estes dados se espalham.

Entretanto, ao adentrar a discussão envolvendo temas sensíveis, como controle e vigilância, é preciso um cuidado extremo no sentido de não cercear direitos fundamentais, como a liberdade de expressão. Sendo justamente este o principal argumento daqueles que se mostram efusivamente contra o famigerado Projeto de Lei 2630, popularmente conhecido como o “PL das Fake News” (RIPOLL e DO CANTO, 2022).

Em síntese, este projeto de lei cujo debate se arrasta no Congresso visa regular o funcionamento das redes sociais, tendo como um dos objetivos conter a disseminação desenfreada de desinformação. Tendo em vista que alguns dos principais focos destes ataques são temas centrais, como as campanhas eleitorais e políticas sanitárias, inclusive nos casos envolvendo a crise da Covid-19. Por mais que se trate de uma discussão extremamente pertinente, o fato de envolver tanto um controle por parte do Estado, como também um amplo acesso a informações, resulta em diversas discussões no tocante à privacidade e também à liberdade de expressão.

Contudo, tendo em vista a relevância do tema e a ausência de pressupostos suficientes para tratar do caso, cabe a análise no direito comparado, onde se encontra inspiração no direito alemão. A Neztdurchsetzungsgesetz, também chamada de Netz, é uma Lei germânica para Fiscalização das Rede Sociais, na qual se estabelece um rigoroso controle das plataformas sobre o conteúdo despejado nelas, obrigando-as a denunciar determinados conteúdos a polícia, facilitar a denúncia por parte de outros usuários, bem como de eliminar conteúdos lesivos dentro de um prazo limite (LAUX, 2020). 

Evidentemente que esta lei também causou repercussão negativa em seu início, mas hoje conta com aprovação popular, sendo responsável por aplicar multas milionárias às principais plataformas, como o Facebook. Ainda, o sucesso desta lei culminou na elaboração, por parte da Comissão Europeia, de um reforçado Código de Práticas sobre Desinformação, o qual obteve a adesão das principais plataformas de redes sociais (LAUX, 2020). Desta forma, é possível extrair diversos aspectos positivos desta lei, em especial o sentimento de que existe sim alternativas para este problema.

Ainda, o mais importante é que analisando a questão envolvendo os problemas informacionais, em especial a desinformação, e os excessos vistos nas redes sociais não há como evitar uma discussão envolvendo mecanismos de controle e, principalmente, responsabilização. Longe de ensejar o surgimento de uma "patrulha do pensamento", como na icônica obra de George Orwell (2009), a ideia não é cercear a liberdade de expressão, mas restabelecer uma noção de responsabilidade pelo que é dito. Uma vez que dentre as grandes mudanças ocasionadas pela tecnologia, este sentimento de liberdade ilimitada que a internet proporciona é sem dúvidas um dos seus aspectos mais negativos (AMATO, 2021).

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista as peculiaridades que envolvem a desinformação, bem como os dados preocupantes acerca da exposição do brasileiro frente à ela, em especial por intermédio das redes sociais, é incontroversa a necessidade de maior regulação destas plataformas. E embora possuam certo caráter de neutralidade, não há que se permitir a ausência de responsabilidade, assim como para com os usuários que promovem a desinformação. 

Também é fato que tratar do tema se mostra um desafio bastante complexo, em especial por esbarrar em direitos fundamentais, entretanto é importante destacar que o interesse coletivo também encontra-se dentre tais dispositivos máximos.

Portanto, urge a necessidade de um debate a respeito de um maior controle sobre estas plataformas digitais, principalmente no sentido de promover um senso de responsabilidade entre os seus usuários, haja vista que este seria um ótimo primeiro passo para uma mudança. Ainda que infelizmente ela pareça estar em um horizonte ainda distante. 

 

Notas e referências 

AMATO, Lucas Fucci. Fake news: regulação ou metarregulação? Revista de Informação Legislativa, v. 58, n. 230, p. 29-53, 2021. 

DE SOUZA, Jaqueline Silva; DOS SANTOS, José Carlos Sales. Infodemia e desinformação na pandemia da covid-19. Revista Fontes Documentais, v. 3, p. 231-238, 2020. 

DE TEFFÉ, Chiara Spadaccini; DE MORAES, Maria Celina Bodin. Redes sociais virtuais: privacidade e responsabilidade civil. Análise a partir do Marco Civil da Internet. Pensar - Revista de Ciências Jurídicas, v. 22, n. 1, 2017. 

GOEKING, Weruska. 2 em cada 10 brasileiros se informam sobre política nas redes sociais. Alfa Inteligência. Disponível em: https://alfainteligencia.com.br/noticias/2-em-cada-10-brasileiros-se-informam-sobre-politica-nas-redes-sociais/ Acesso em 20 maio 2023. 

GOMES, Sheila Freitas; PENNA, Juliana Coelho Braga de Oliveira; ARROIO, Agnaldo. Fake news científicas: percepção, persuasão e letramento. Ciência & Educação (Bauru), v. 26, p. e20018, 2020. 

IRETON, Cherilyn; POSETTI, Julie. Jornalismo, Fake News & Desinformação: Manual para educação e treinamento em jornalismo. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura–UNESCO, 2019. 

Kaspersky. 62% dos brasileiros não sabem reconhecer uma notícia falsa. Disponível em: https://www.kaspersky.com.br/about/press-releases/2020_62-dos-brasileiros-nao-sabem-reconhecer-uma-noticia-falsa Acesso em 20 maio 2023. 

LAUX, Francisco de Mesquita. Limites da jurisdição e das decisões jurisdicionais estatais no âmbito da internet. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, 2020. 

MIRAGEM, Bruno. Responsabilidade Civil. Grupo GEN, 2021 

ORWELL, Georgel.1984. Companhia das Letras, 2009. 

PINHEIRO, Marta Macedo Kerr; BRITO, Vladimir de Paula. Em busca do significado da desinformação. Data Grama Zero, João Pessoa, v. 15, n. 6, 2014. 

RIPOLL, Leonardo; DO CANTO, Fabio Lorensi. Fake news e" viralização": responsabilidade legal na disseminação de desinformação. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, v. 15, p. 143-156, 2019. 

SARLET, Ingo Wolfgang; DE BITTENCOURT SIQUEIRA, Andressa. LIBERDADE DE EXPRESSÃO E SEUS LIMITES NUMA DEMOCRACIA: o caso das assim chamadas “fake news” nas redes sociais em período eleitoral no Brasil. REI-Revista Estudos Institucionais, v. 6, n. 2, p. 534-578, 2020. 

TARTUCE, Flávio. Responsabilidade Civil. Grupo GEN, 2023.

 

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