DESAFIOS PARA PARTICIPAÇÃO E O CONTROLE SOCIAL

29/04/2019

            Segundo Correia[1] (2003), o termo controle social inicialmente foi utilizado na sociologia tendo como pressuposto o controle do Estado sobre a sociedade no sentido de manutenção da ordem vigente e na perspectiva dos interesses das classes dominantes.

A expressão ‘controle social’ tem origem na sociologia. De forma geral é empregada para designar os mecanismos que estabelecem a ordem social disciplinando a sociedade e submetendo os indivíduos a determinados padrões sociais e princípios morais. Assim sendo, assegura a conformidade de comportamento dos indivíduos a um conjunto de regras e princípios prescritos e sancionados. (CORREIA, 2003, p. 66-67)

            Dessa forma, o Estado atuava no sentido de legitimar a ordem burguesa através do controle social numa tendência de integração na busca de atenuar os conflitos e de garantir a sua legitimidade. Dessa forma, o controle social se constituía como mecanismo básico de controle das classes trabalhadoras e, ao mesmo tempo, para a expansão e consolidação do capitalismo.

            Segundo Correia (2003) o exercício do controle social se processa num espaço de contradição e disputas entre as classes sociais na sociedade civil pela conquista da hegemonia. É um campo contraditório, através deste o Estado controla a sociedade, ao mesmo tempo que apreende algumas de suas demandas. Nesse sentido ele é contraditório ora é de uma classe, ora é de outra está balizado pela referida correlação de forças. Assim, ocorre a disputa entre a sociedade civil com o Estado tentando manter o consenso ativo de um deles.

            Correia (2003) analisa que o controle social das classes subalternas se dá na medida em que a sociedade organizada interfere na gestão pública, colocando as ações do estado na direção dos interesses da coletividade.

Desta forma, o ‘controle social’, na perspectiva das classes subalternas, visa à atuação de setores organizados na sociedade civil que as representam na gestão das políticas públicas no sentido de controlá-las para que atendam, cada vez mais, às demandas e aos interesses dessas classes. Neste sentido, o ‘controle social’ envolve a capacidade que as classes subalternas, em luta na sociedade civil, têm para interferir na gestão pública, orientando as ações do Estado e os gastos estatais na direção dos seus interesses de classe, tendo em vista a construção de sua hegemonia. (CORREIA, 2003, p. 68)

            Nesse sentido, é por meio do controle social, que a sociedade civil organizada intervém sobre as ações do Estado, no sentido de interferir na gestão das políticas públicas para o atendimento de seus interesses e ampliação de direitos com vista a construir uma nova hegemonia. A partir da Constituição Federal de 1988, ocorre a institucionalização dos espaços de participação social – conselhos e conferências, como espaços de defesa das políticas públicas e dos direitos.

            Como ressalta Correia, a prática do controle social seria uma das vias pelas quais as classes subalternas tem a possibilidade de decidir e deliberar sobre as políticas públicas e ao mesmo tempo manter, por via do consenso democrático, o controle das ações estatais e constituição de práticas democráticas.  “Esta classe deve ter como estratégia o controle das ações do Estado para que este incorpore seus interesses, na medida que tem representado predominantemente os interesses da classe dominante.” (CORREIA, 2003, p. 68)

                Neste cenário, o controle social representa, pois, a capacidade que a sociedade civil tem de interferir na gestão pública com vista à criação de políticas públicas levando em consideração os interesses da sociedade. Tem-se, portanto, que o controle social se constitui num mecanismo democrático para que a população possa lutar pela concretização dos seus direitos.

                Com o início da contrarreforma no país em 1990, O Estado, como pilar fundamental de sustentação do capital assume a condução do processo de redução dos direitos com a subordinação das políticas sociais a lógica de estabilização econômica. Desta forma, ocorre um processo de desmonte dos direitos sociais conquistados na Constituição de 1988, com rebatimentos no processo de organização das forças organizadas da sociedade, em particular, nos mecanismos de participação e controle social.   

                No mesmo período de aprovação da Constituição Federal de 1988, o projeto neoliberal avança segundo Oliveira[2]“enquanto movimento de rearticulação do capital, da lógica do capitalismo e de sua relação de exploração e desigualdade, configurada, dentre outros fatores, na “necessária” subordinação dos países periféricos ao capital internacional.” (2005, p. 33). Diante dessa realidade, podemos notar fragilidades na efetivação das políticas sociais, pela limitação estrutural e pelo retrocesso na política democrática. Essa estrutura faz retroceder a política democrática e fragiliza as formas legitimadas de participação social.

            Nesta perspectiva o Decreto Nº 9.759[3], de 11 de abril de 2019, criado com o objetivo de “extinguir e estabelecer diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal”, se constitui como mais uma medida que vai na contramão dos avanços sociais e que pode trazer impactos significativos para as condições de vida da classe trabalhadora. Entre os espaços ameaçados de extinção, podemos citar o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), o Conselho Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (Conaeti), o dos Direitos do Idoso (CNDI) e entre outros.

            Importa ressaltar que os espaços de controle social são essenciais para a garantia dos direitos sociais e para uma gestão participativa, tanto pelo debate e articulação das diversas políticas e programas, como também por monitorar e acompanhar o orçamento das políticas públicas desenvolvidas. Tal medida ainda viola o direito constitucional de participação e controle social, que determina a participação da sociedade civil na formulação e controle das políticas públicas com a perspectiva de ampliar o acesso aos direitos constitucionais, visando a construção de uma sociedade mais justa.

            Diante da ofensiva neoliberal de mercantilização das políticas sociais, o controle social representa um importante avanço na luta contra hegemônica. A busca para enfrentar os desafios atuais nas políticas sociais são tarefas que só poderão ser cumpridas a partir da participação da população em arenas deliberativas como os conselhos e através da organização política das classes subalternas num processo de luta que supere a ordem estabelecida.

            Consideramos que este decreto sinaliza retrocessos do ponto de vista social dificultando o aprofundamento do controle social e a concretização de serviços públicos de qualidade que possa atender as reais necessidades da população. Portanto, na sociedade política contemporânea se faz necessária a participação social em espaços de controle social para a garantia e ampliação dos direitos das classes subalternas com vistas a práticas democráticas que possam levar em conta os  diversos grupos sociais.

 

Notas e Referências

[1] CORREIA, Maria Valéria Costa. Que Controle Social? os conselhos de saúde como instrumento. 1 reimp. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz,2003.

[2] OLIVEIRA, Mara de. Reformas Estruturais de Segunda Geração e Cúpula das Américas: a mudança de estratégia política de dominação econômica na América Latina. 2005. 365f. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, 2005.

[3] http://www.in.gov.br/web/guest/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/71137350/do1e-2019-04-11-decreto-n-9-759-de-11-de-abril-de-2019-71137335 Acesso em 13 de abril de 2019

 

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