Por Bruna Fernanda Bronzatti e Jenifer Rodrigues - 10/06/2016
A obra “O queijo e os vermes” é de autoria de Carlos Ginzburg. O enredo gira em torno do cotidiano e das ideias de um moleiro perseguido pela inquisição. O personagem principal é Domenico Scandella, conhecido como Menocchio. Como o próprio autor delineia “aos olhos dos conterrâneos Menocchio era um homem, ao menos em parte diferente dos outros”.
Nesse livro se trabalha com o recorte temporal, de uma história que se passa no século XVI, deixando transparecer o aspecto espacial, de um moleiro que vive em uma pequena aldeia de colinas do Friuli – Montreale. Há a circularidade cultural trazida pelo autor, isto é, a cultura da classe dominante sendo recebida, filtrada e com suas peculiaridades é devolvida pela classe considerada subalterna.
Menocchio nasceu em 1532, e é através dele que o autor busca retratar a época cheia de nuances próprias, como os julgamentos da inquisição pelo Santo Ofício, período em que a igreja católica era a máxima e todas coisas do mundo possuíam explicações divinas, as informações, isto é, os livros eram restritos àqueles que detinham o poder, o latim utilizado na grande maioria dos livros, servia para inibir, desmotivar aquelas que buscavam respostas para suas indagações.
O autor principal era considerado diferente também pelo fato de saber ler e escrever, o que não era comum para um homem simples (pobre de Montreale), que visivelmente estava à frente de seu tempo. Para além do exercício da função de moleiro, dizia-se carpinteiro, pedreiro, havia sido até mesmo administrador da Paróquia de Montreale.
Menocchio desafia os limites da sua própria época. Pela leitura, adentra ao mundo dos escritos, aos poucos injeta sua interpretação aos temas polêmicos da igreja católica, como a própria virgindade de maria, tão discorrida ao longo do livro, a criação do mundo e do evangelho, indagações acerca dos sacramentos, como por exemplo, o batismo, casamento, extrema unção e hóstia consagrada. O clamor público e os inquisidores julgam Menocchio como aquele contaminado por ideias luteranas em meio a reforma protestante.
A obra desde seu prefácio busca localizar o leitor na linha do tempo da história, discorrendo acerca do período em que indivíduos eram condenados por bruxaria, heresias e outros delitos, que eram considerados ameaça às doutrinas da instituição religiosa. Os sujeitos eram perseguidos e julgados, e se condenados, cumpriam as penas que variavam desde a temporária, perpétua ou até mesmo eram queimados vivos nas fogueiras em praça pública.
Embora o personagem seguisse, em alguma medida, a doutrina católica (confissão e comunhão), defendia sua teoria de que o mundo havia se originado do caos, todos os elementos cósmicos, terra agua e ar, estariam misturados formando um só caos, uma só massa, a qual explicava como sendo um queijo de onde saíram os vermes, dentre eles Deus e Lúcifer, que segundo ele seriam feitos da mesma massa. O mundo então, em síntese, se originava da putrefação.
Os livros que embasavam as teorias e ideias de Menocchio eram, em sua grande maioria, emprestados. Dentre as obras lidas por ele as que mais chamavam a atenção é a Bíblia em língua vulgar e o único livro comprado por ele em Veneza, o Fioretto della Bíblia, sendo este uma autêntica escolha de Menocchio.
Pelo fato de ser um simples moleiro, causava estranheza a todos, até em seus inquisidores, os quais acreditavam que esses conceitos tão ousados não poderiam sair de sua cabeça, e que tudo era apenas uma repetição de ideias vinda das obras lidas por ele. O personagem tinha convicção no que dizia, defendendo suas ideias com muita clareza. Ao saber o que o pai tinha afirmado na frente do inquisidor (ideias consideradas insanas), o filho de Menocchio foi aconselhado a espalhar pela cidade o boato de que seu pai era "louco" ou estava "possesso", mas o inquisidor não lhe deu atenção, prosseguindo o processo contra Menocchio.
O Tribunal do Santo Oficio condenou Menocchio pela primeira vez apesar dele ter entregue uma carta pedindo clemência, tendo que negar publicamente suas ideias, usar roupa de herege como sinal de sua infâmia, entre outras penitências. O que chamou a atenção foi o tamanho dessa sentença, estabelecida praticamente cinco vezes maior que as habituais. Quase dois anos depois ocorreu um fato que até então era desconhecido em um tribunal de Santo oficio - ocorreu a revisão da sentença de Menocchio - que teve sua liberdade restituída.
Embora com limitações conseguir retornar a sua vida de moleiro. Porém, logo depois surgiu uma nova denúncia, que novamente fez com o Santo Ofício o investigasse, e posteriormente, condená-lo. O destino do pobre moleiro não poderia ser diferente do desfecho das outras histórias dos condenados a inquisição, foi torturado e morto
A inquisição demonstra um período em que as garantias e os princípios constitucionais não eram apenas relativizados, mas retirados do indivíduo. O contraditório e a ampla defesa era algo que não existia na época, a própria figura do inquisidor eram quem exercia as funções de julgar e defender. Tudo ocorria de maneira sigilosa, desde a busca por indícios para a condenação.
O poder da igreja estava acima de tudo e de todos, tudo estava ligado a instituição religiosa, desde a forma que se interpretava o que se lia, isso quando havia possibilidade de realmente fazer uma leitura. A informação em alguma medida já existia, mas era encoberta pela classe considerada dominante, que queria que os pobres - não apenas quanto à questão econômica, mas também de contato com o mundo externo que existia para além da igreja – continuassem a margem da sociedade, sem contato com os livros ou com aquilo que pudesse gerar indagações, e consequentemente, respostas que se desviassem do padrão pregado.
Uma espécie de poder – de padrão – que a cada dado momento histórico hibridiza, mas que em alguma medida, regula a forma de agir em sociedade.
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. Bruna Fernanda Bronzatti é acadêmica do Curso de Direito da UNIJUÍ/RS e bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq no projeto de pesquisa “Direito e Economia às Vestes do Constitucionalismo Garantista”, coordenado pelo Prof. Dr. Alfredo Copetti Neto. . .
. . Jenifer Rodrigues é acadêmica do Curso de Direito da UNIJUÍ/RS, estagiária do INSS e jenifer.m.12@hotmail.com . .
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