Derrotas da Lava Jato ou Vitória do Estado de Direito?

30/06/2018

Tem sido lugar comum a grande mídia insistir em dizer que, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) absolve, concede ordem de habeas corpus, anula provas obtidas ilicitamente, invalida delação premiada ou coloca de alguma forma limite ao Estado punitivo, a “Lava Jato é derrotada”.

Foi assim, quando o STF considerou inconstitucional a abominável “condução coercitiva”. Foi assim, também, quando a Segunda Turma do STF, por 3 votos a 1, na última terça-feira (26/6), concedeu habeas corpus ao ex-ministro José Dirceu e a João Claudio Genú. Foi assim, quando na mesma sessão e pelo mesmo placar, vencido o ministro Edson Fachin, a Segunda Turma anulou busca e apreensão no apartamento funcional da senadora Gleisi Hoffmann, de junho de 2016.

Desgraçadamente, a grande imprensa que trabalha com a perversa lógica de que “os fins justificam os meios” não se conforma quando seus abomináveis interesses são contrariados, ainda que em nome do Estado de Direito.

A grande imprensa, como bem salientou Afrânio Silva Jardim,

“além de (de)formar a opinião pública, depois passa a dar publicidade daquilo que lhe interessa, dizendo falsamente, por vezes, qual seria a opinião pública, criando um verdadeiro círculo vicioso. Desta forma, sem qualquer pesquisa séria, esta mídia nos diz “como pensamos”, segundo seu desejo (...) Na sociedade moderna, o poder da chamada “grande imprensa” é quase ilimitado. Ela “pauta” a atividade dos poderes constituídos do Estado”.[1]

Certo é que no campo penal, em nome de uma fúria punitiva e de um fantasmagórico combate à impunidade – hoje, notadamente, a corrupção - o poder midiático tem afrontado os valores e princípios mais caros ao Estado Democrático de Direito. Sob o manto de uma ilimitada liberdade de informação e de expressão, a mídia ultrapassa todos os limites da ética e do respeito à dignidade da pessoa humana. Investigado, indiciado ou acusado é tratado como se condenado fosse, sem direito ao contraditório e a ampla defesa. Como se não bastasse, a mídia manipula a opinião pública(da) contra todos aqueles que decidem contrariando seus interesses. Neste diapasão, vários são os juízes que se tornam reféns da mídia opressiva e punitivista.

 

Não é de hoje que a “Lava Jato” e seus diversos tentáculos vem atropelando direitos e garantais fundamentais. Quando os condutores da “Lava Jato” defenderam e continuam insistindo no emprego de  “métodos especiais de investigações”, “medidas judiciais fortes” e “remédios excepcionais” para combater o crime, especialmente, a corrupção, como fez o juiz Federal Sergio Moro, na verdade, estão, sem qualquer parcimônia, defendendo o “Estado de Exceção” e o aniquilamento do “inimigo”, elegido pelo soberano nos moldes de Carl Schmitt e Günther Jakobs.

Note-se que, no chamado Estado Pós-Democrático, Rubens Casara constata que a exceção virou a regra e “Hoje, são as regras e, em especial, os direitos e garantias fundamentais, que aparecem como o principal conteúdo rejeitado pelos órgãos estatais de nossa época, por mais que o discurso oficial insista na existência de um Estado Democrático de Direito. Os direitos fundamentais não são mais percebidos como trunfos contra a maioria ou como garantias contra a opressão do Estado”. [2] Mais adiante, Rubens Casara observa que “Não há mais Estado de Exceção (ou em termos benjaminianos, na tradição dos oprimidos, o Estado de Exceção é a regra). É justamente a normalização da violação aos limites democráticos, o fato de ter se tornado regra, que caracteriza o Estado Pós-Democrático (...) O que era exceção no Estado Democrático torna-se a regra da pós-democracia”.[3]

Felizmente, ao contrário do que muitos insistem em dizer, há, ainda, na Suprema Corte juízes comprometidos com o Estado Constitucional. Ministros que, independente do “sentimento do povo” e da “voz das ruas” – maioria de ocasião – decidem com fulcro na Constituição da República e em nome do Estado Democrático de Direito.

Por tudo, o que a mídia costuma chamar de “derrota da Lava Jato” trata-se, na verdade, da vitória do Estado de Direito. O que alguns enxergam como “enfraquecimento da Lava Jato” é, genuinamente, o fortalecimento do Estado Constitucional. 

Notas e Referências

[1] Disponível em:< http://emporiododireito.com.br/a-perversidade-da-midia-e-a-sociedade-ingenua/

[2] CASARA, Rubens R. R. Estado pós-democrático: neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017, p. 69-70

[3] Idem, p. 72.

 

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