Democracia e reinvenção do Estado

18/06/2015

Por Antonio Marcos Gavazzoni - 18/06/2015

Alguma coisa está fora da ordem. E isso pode ser uma enorme oportunidade. Vemos cidadãos indo às ruas sem bandeiras específicas, alguns até clamando a volta da ditadura ou das forças armadas ao poder. Brasileiros frustrados se rotulam entre “coxinhas” e “petralhas”.

Somente a democracia pode garantir esse tipo de manifestação. Mas a democracia de nossos dias está presa por nós difíceis de desatar. Sobrecarregamos o Estado com reivindicações e nos enfurecemos com seu funcionamento. Eleitores adiam decisões difíceis iludidos pela visão de curto prazo. Governos repassam a conta de seus benefícios sociais às gerações que não poderão opinar sobre eles. Um exemplo claro de insustentabilidade do Estado é o judiciário, hoje com 95,14 milhões de processos a serem analisados por um quadro de 16,5 mil juízes, segundo o Conselho Nacional de Justiça. O atual modelo não delega, só acumula responsabilidades. Embora exerça funções vitais à sociedade, especialmente provendo infraestrutura, o Estado é cada vez mais esmagado por dívidas e crescimento demográfico. Somos uma legião de insatisfeitos: 80% dos brasileiros não têm preferência por um partido político e 69,2% não estão satisfeitos com o funcionamento da democracia. Essa massa tende a crescer, impulsionada pelas tecnologias de comunicação. Uma nova revolução está no ar.

Conforme o livro “A quarta revolução”, leitura obrigatória do momento, essa revolução é a da informação. A bem-vinda ameaça a esse modelo sufocado de democracia vem de dentro: da profusão de micropoderes, de redução de barreiras pela internet. A Estônia já permite o voto pela internet, e na Islândia os cidadãos participaram dos debates da reforma constitucional usando redes sociais. Logo aqui também vamos poder votar com um clique.

Não se pode ignorar essa nova realidade. É possível fazer um sistema de governo melhor e redesenhar um Estado mais estreito, restrito e sustentável, que reduza as promessas e melhore as entregas. A mudança não será fácil e não faltarão defensores de direitos específicos. Mas, ao convencer as pessoas de que um Estado menos paternalista pode ser mais forte e eficaz, veremos nascer uma democracia realmente verdadeira.

Anotações

Mas essa democracia que vemos hoje está seriamente ameaçada por um Estado inchado, por um sistema de governo ultrapassado, por corrupção, concentração de riquezas e, principalmente, por desconexão entre eleitos e eleitores.

Golpe militar na Tailândia, crise política no Egito, cerceamento a liberdades na Venezuela, violência e corrupção no México: os últimos anos registraram graves ataques à democracia mundial.

A DEMOCRACIA ENTROU NA MIRA DA FRUSTRAÇÃO CAUSADA PELA CRISE ECONÔMICA MUNDIAL. MUITOS PAÍSES DISCUTEM MODELOS DIFERENTES, COM ALGUNS FLERTANDO COM O EXTREMISMO. ATÉ O BRASIL VIVE UM REFLEXO DISSO, ENFIADO NUM VÁCUO DE REPRESENTATIVIDADE QUE SEPARA A CLASSE POLÍTICA DOS CIDADÃOS.

O problema crucial no Brasil passa também pelo desencantamento e falta de identificação entre cidadãos e políticos. Mesmo que não haja uma situação extrema, a insatisfação está ligada ao malfadado modelo com o qual o país convive: uma intrincada rede de partidos políticos que confundem os cidadãos e geram paralisia do sistema.

São 32 partidos, 513 deputados, 81 senadores e mais de 200 milhões de brasileiros frustrados.

Enquanto os brasileiros brigam e se rotulam de "coxinhas" e "petralhas", há uma perda de foco dos verdadeiros problemas políticos do país. É assim que a democracia começa a ser colocada em xeque. É dessa maneira que o povo perde sua força.

Mesmo sem uma grande força extremista, o Brasil tem visto o aumento no número de vozes radicais que falam em impeachment e até a tomada de poder pelos militares.

E mesmo nessa situação aparentemente caótica, o Brasil está em 44º lugar no ranking global de liberdades democráticas, à frente de uma centena de outros países.

Na teoria, a democracia deveria ser uma constante busca pelo consenso, pelo melhor caminho para todos os cidadãos. Na prática, a política brasileira vive uma disputa de poder que ignora os interesses da população e faz os três poderes competirem em total desarmonia.

HÁ UMA TENDÊNCIA DE REPENSAR A DEMOCRACIA DADO O MAL-ESTAR POLÍTICO E ECONÔMICO NO MUNDO. AS PESSOAS ESTÃO CADA VEZ MAIS DESCONTENTES E QUEREM CHACOALHAR O SISTEMA, MUDAR TUDO.

Riordan Roett, cientista político

Enquanto no Brasil a discussão sobre o futuro da democracia passa necessariamente sobre ideias relacionadas a uma reforma do atual sistema político, no resto do mundo a crise começa a abrir perspectivas para a renovação da democracia.

Uma das linhas em que se começa a trabalhar é em relação à utilização de tecnologias a serviço da ampliação da democracia e da representação. A internet permite uma maior participação popular nos processos de decisão política e também pode fornecer aos cidadãos acesso a mais informações sobre os políticos no poder.

A Estônia realizou a primeira ampla eleição em que foi permitida a participação dos cidadãos pela internet. Depois de um teste em votações locais em 2005, com cerca de 10 mil eleitores, a eleição geral de 2007 permitiu o voto pela rede. Em 2015, mais de 176 mil pessoas votaram pela internet nas eleições parlamentares do mesmo país.

Outro exemplo de maior participação direta dos cidadãos aconteceu nesta década na Islândia. Depois de ser severamente afetada pela crise econômica, a Islândia começou a rediscutir a sua Constituição e, em 2011, os cidadãos do país puderam acompanhar e participar dos debates da reforma constitucional usando redes sociais como Facebook e Twitter.

Não será um processo rápido ou fácil, mas com uma maior transparência e com mais voz aos cidadãos, essa tal democracia ainda pode ter vida longa como o menos pior sistema de governo que o homem já inventou.


Sem título-11

Antonio Marcos Gavazzoni é formado em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), mestre e doutor em Direito Público pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Foi Procurador Geral do Município de Chapecó e professor na UNOESC, na Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina e na UNOPAR. Em janeiro de 2015 assumiu pela terceira vez a Secretaria de Estado da Fazenda do Estado de Santa Catarina, cargo que ocupa até o momento. Email: contatogavazzoni@gmail.com                                     


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