“Delitos de Acumulação e Proteção Ambiental” – breves comentários sobre o livro de Décio Franco David - Por Paulo Silas Taporosky Filho

26/11/2017

“Delitos de Acumulação e Proteção Ambiental” é um livro de fôlego que visa estabelecer critérios de legitimação para a tutela do meio ambiente nos delitos de acumulação. Na realidade, essa é a conclusão a que chega o autor depois de testar e verificar se tal legitimidade existe e, em existindo, quais seriam os critérios que dariam o embasamento para tanto – que ao final logra êxito em localizar. 

O estudo realizado por Décio é profundo, uma vez que se debruça com fulgor em diversos aportes teóricos a fim de colocar em teste o desenvolvimento de sua pesquisa. Fruto da sua dissertação de mestrado, o trabalho alcança a pretensão para a qual se destinou, quer concorde ou discorde o leitor do posicionamento adotado no livro.

A obra tem início com uma abordagem sobre a tutela do meio ambiente e de que modo essa se dá. Para tal exposição, o autor elenca as teorias antropocêntrica, ecocêntrica e antropocêntrica jurídica ecológica – sendo essa última a adotada, pela qual se constrói uma perspectiva na qual há a acepção de bem jurídico penal que acaba por legitimar a tutela do meio ambiente. Tal perspectiva, que busca traçar um paralelo de desenvolvimento sustentável e exercício de atividades econômicas de modo concomitante, é apenas o primeiro passo de toda a construção teórica que segue na obra, já que, por si só, o referencial humano carece de uma criteriologia apta o suficiente para legitimar a tutela penal do meio ambiente. Daí a necessidade da busca de outros requisitos que demonstrem a “materialidade do bem jurídico meio ambiente dentro da relação homem x natureza, o que acaba por exigir uma nova interpretação dessa própria relação”. O resultado dessa busca é encontrada na filosofia de Heidegger, pois: 

“A determinação pré-ontológica da essência do homem enquanto ser-aí (Dasein) decorre do cuidado (Sorge) para-com-o-outro. Dessa proposta resulta que o referencial individual humano do bem jurídico meio ambiente é demonstrado pela interpretação do bem enquanto valor essencial à pessoa humana e às suas relações com outras pessoas e com a natureza enquanto objeto valorado (não um ente em si mesmo). Por sua vez, a materialidade é demonstrada pela consistência axiológica do bem em correspondência aos preceitos de um Estado democrático” 

Os problemas persistem na dogmática, sendo reconhecida a dificuldade de justificação da punição de condutas de pouca significância contra o meio ambiente – as quais, quando somadas, acabam por produzir danos relevantes e consideráveis ao bem jurídico tutelado. Nesse ponto, o autor trabalha e problematiza com as propostas de Lothar Kuhlen, Wolgang Wohlers, Andrew von Hirsh, Roland Hefendehl e Pierpaolo Cruz Bottini, evidenciando as construções teóricas de cada um desses autores e apontando também para os pontos críticos de suas teorias. Daí que a proposta encontrada que melhor se adequa a um modelo de legitimação dos delitos de acumulação é a “proposta de acertamento da técnica dos delitos de acumulação por intermédio da ofensa de cuidado-de-perigo em contextos instáveis” de Fábio Roberto D’Ávila, com a qual Décio acolhe e trabalha em sua obra, pois “se demonstra aplicável e legítima para o Direito Penal de raízes democráticas” 

O autor prossegue com a “verificação de aplicabilidade da hipótese de acertamento dos delitos de acumulação pelos crimes de perigo em contextos instáveis”, quando expõe os reflexos dessa proposta em questões envoltas a estruturação dogmática de crime, ou seja, testa-a em consonância com o princípio da culpabilidade, passando também pela questão da adequação social, causalidade, imputação e ainda no que tange ao erro. 

Importante também destacar o grau de assessoriedade (com dois “s”) administrativa presente na proposta do autor, uma vez que pela postura que adota, acaba por defender “uma relação de relativa dependência entre o Direito Penal e o Direito Administrativo, de modo que a cláusula mínima determinante do contexto instável possa vir a ser determinada previamente à conduta, porém sem confundir os injustos penal e administrativo”. 

Enfim, trata-se de uma proposta robusta e de grande relevo para o debate da matéria, a qual com certeza contribuirá para o fortalecimento do diálogo, dos estudos e consequentemente para o avanço primoroso da dogmática penal. 

Vale a leitura!

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

DAVID, Décio Franco. Delitos de Acumulação e Proteção Ambiental. 1ª Ed. Belo Horizonte: Editora D´Plácido, 2017.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Mariposa Grove of Giant Sequoias // Foto de: faungg's photos // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/44534236@N00/8033434338

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura