Defensoria Pública de Santa Catarina obtém decisão favorável em Habeas Corpus Preventivo para as manifestações em Florianópolis

08/09/2016

A Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina impetrou Habes Corpus Coletivo Preventivo com o objetivo de resguardar os direitos constitucionais de reunião e manifestação das pessoas nas manifestações populares a serem realizadas na cidade de Florianópolis.

A medida judicial foi proposta em favor de quaisquer indivíduos que possam ser presos em flagrante ilegalmente ou conduzidos ilegalmente, bem como detidos em via pública ou agredidos de qualquer maneira durante as manifestações populares.

A ordem foi parcialmente concedida pelo Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca da Capital nos autos nº 0309980-24.2016.8.24.0023, determinando que, a fim de assegurar a participação dos indivíduos nas manifestações populares, garantindo-lhes o direito de reunião, manifestação pacífica e liberdade de locomoção, o Comando da Polícia Militar abstenha-se de intervir nas manifestações, salvo nos casos específicos em que houver o cometimento de crimes em estado de flagrância ou por ordem judicial.

Confira a decisão

DECISÃO

Trata-se de HABEAS CORPUS PREVENTIVO COLETIVO interposto pela Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina em favor de "todos os indivíduos presos em flagrante ilegalmente ou conduzidos ilegalmente", bem como detidos em via pública, agredidos inconstitucionalmente de qualquer forma durante as manifestações populares.

Argumentou a impetrante que durante as manifestações ocorridas no dia 31.08.2016 e 02.09.2016 em razão da posse do atual Presidente da República, "vislumbrou-se uma série de agressões e outras violações de direitos dos cidadãos, manifestantes ou não, por parte de agente de segurança pública" (pp. 02-03).

Assim, pleiteou a ordem "para que os agentes se abstenham de tomar qualquer atitude além das que lhe são legalmente atribuídas. Só assim o Judiciário fará cessar a coação ilegal (e inconstitucional) suportada pelos que vierem a ser Coagidos". (p. 25).

Noticiou que a próxima manifestação ocorrerá no dia de hoje (06.09.2016 – às 18h).

Juntou documentos (pp. 29-62).

Vieram os autos conclusos. Decido.

Inicialmente, registro que não foi apontada com precisão a autoridade coatora. Todavia, há menção expressa, por diversas vezes na petição inicial do presente Habeas Corpus, aos "agentes de segurança pública", referindo, ainda, em especial, ao Comando da Polícia Militar em ação na manifestação anterior. (p. 20)

Dessa forma, e não havendo demonstração documental de qualquer outra autoridade coatora (Guarda Municipal, Polícia Civil, dentre outras), tão somente da Polícia Militar (PM), será considerada Autoridade Coatora no presente feito apenas o Comandante da Polícia Militar com atuação na Capital.

Sobre o tema, dispõe o art. 5º, LXVIII, da Constituição da República, que: "conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder".

Além disso, o assunto é tratado no art. 647 e seguintes do Código de Processo Penal.

A propósito, "o instituto do habeas corpus tem por finalidade essencial amparar o direito de liberdade de locomoção ou o direito de andar com o corpo. Garante, dessa forma, a pessoa contra toda coação ilegal ou violência, no que se refere à sua liberdade de ir e vir, ficar, parar, mover-se, entrar ou sair [...] No habeas corpus preventivo, quando se configurar a ameaça de constrangimento ilegal ao direito de locomoção, dar-se-á salvo-conduto (licença escrita para que alguém possa transitar livremente) ao paciente.

O salvo-conduto é considerado uma medida liminar para impedir a consumação do ato de ilegalidade ou de abuso de poder, por parte da autoridade. A concessão de liminar assegura ao paciente sua liberdade física, até o julgamento final ou definitivo do habeas corpus."1

No caso em comento, extrai-se que a matéria de fundo cuida, em verdade, de medida que visa resguardar os direitos de reunião e manifestação do pensamento, ambos assegurados constitucionalmente, já que as alegadas agressões e violações ocorreram durante as recentes manifestações públicas, de caráter político, havidas em Florianópolis.

O conjunto probatório apresentado pela impetrante revela, neste Juízo de cognição sumária, a ameaça à liberdade de locomoção e respeito à integridade física dos indivíduos que participam de referidas manifestações públicas, conforme se extrai das imagens de pp. 32-36 e demais documentos de pp. 47-56.

O direito à livre manifestação do pensamento está previsto no art. 5º, IV, da CR, segundo o qual: "Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País [...] IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;"

No mais, o Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica, incorporado no ordenamento jurídico por meio do Decreto n. 678/92, o qual dispõe sobre os limites da livre manifestação do pensamento: Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressão 1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar: a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas; b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

Assim, impedir ou dificultar sobremaneira o exercício das manifestações populares seria incorrer em grave violação a direitos resguardados em ambiente democrático. Outrossim, mostra-se inviável, na prática, exigir-se a presença do requisito previsto na alínea "a" do § 1º do art. 654 do Código de Processo Penal, porquanto dificultaria sobremodo o exercício a livre manifestação do pensamento. Isso porque, como inclusive demonstra o documento de p. 47, o grande número de pessoas envolvidas inviabiliza a impetração do remédio constitucional delimitandose os grupos favorecidos, mormente considerando que a "convocação" dos atos ocorre por meio de rede social. (p. 44) Logo, conclui-se que a concessão da ordem de modo coletivo àqueles que estejam participando de maneira lícita dos atos demonstra-se eficaz a assegurar a liberdade de manifestação e reunião pacífica, bem como inibir eventuais abusos. A propósito do Habeas Corpus Coletivo, em caso análogo, decidiu o Superior Tribunal de Justiça: ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABEAS CORPUS. TOQUE DE RECOLHER. SUPERVENIÊNCIA DO JULGAMENTO DO MÉRITO. SUPERAÇÃO DA SÚMULA 691/STF. NORMA DE CARÁTER GENÉRICO E ABSTRATO. ILEGALIDADE. ORDEM CONCEDIDA. (...) (HC 207.720/SP, Rel. Ministro HERMANBENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2011, DJe 23/02/2012)

Assim, presentes no caso concreto a ameaça à liberdade de locomoção dos participantes envolvidos nas manifestações de forma lícita, a concessão da liminar, em parte, é medida que se impõe.

Digo em parte, haja vista que a fundamentação apresentada pela impetrante envolve, em tese, a interrupção do fluxo de veículos em qualquer local deste município. Há, no ponto, colisão entre os direitos fundamentais postos: de um lado a liberdade de reunião, manifestação e expressão; de outro o direito de locomoção das demais pessoas.

No caso de Florianópolis, as Pontes Colombo Salles e Pedro Ivo Campos são os únicos acessos terrestres de entrada e saída da Capital, sendo inviável que a ordem permita a ocupação, de qualquer forma, de tais vias, considerando os inegáveis transtornos causados a todos os demais que não desejam participar da manifestação.

Assim, os atos de manifestação devem possibilitar que as demais pessoas consigam transitar livremente, ainda que por caminhos diversos, o que não ocorrerá com a ocupação das pontes acima mencionadas.

Quanto ao uso de armas não letais (ou cassetete, dentre outros), não cabe a este Juízo, nesta via estreita, estabelecer os procedimentos e equipamentos adotados pelos agentes da segurança pública, devendo eventual abuso policial ser apurado mediante procedimento próprio.

Ademais, ressalte-se que eventuais ações de depredação de bens públicos e/ou particulares realizadas por algum manifestante podem ser coibidas pelas forças de segurança, mas tal fato não deve, em hipótese alguma, interferir no direito daqueles que se encontram apenas no exercício do direito de livre manifestação de opinião.

Por fim, deverá a Autoridade Coatora determinar aos seus agentes a utilização ostensiva de identificação pessoal, tendo em vista que se trata de direito de todo cidadão ter ciência do nome dos responsáveis por sua prisão (art. 5º, LXIV, CRFB/88), o que abrange qualquer outro possível constrangimento.

Assim, por visualizar presentes os requisitos, CONCEDO PARCIALMENTE A ORDEM DE HABEAS CORPUS pleiteada pela Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina, na forma do art. 5º, LXVIII, da Constituição da República, e artigos 647 e 660, § 4º, do Código de Processo Penal, a fim de assegurar a participação dos indivíduos nas manifestações populares objeto da presente ação, garantido-lhes o direito de reunião, manifestação pacífica e liberdade de locomoção, devendo o Comando da Polícia Militar, por seus agentes, abster-se de intervir na manifestação, salvo para impedir a ocupação das Pontes Colombo Salles e Pedro Ivo Campos ou, pontualmente, em caso de flagrante delito.

Em razão do exposto anteriormente, não será expedido salvo-conduto, devendo a Autoridade Coatora ser intimada da presente decisão, para o seu fiel cumprimento. Expeça-se mandado, com cópia integral da presente, para cumprimento URGENTE.

Cientifique-se a Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina.

Intime-se a Autoridade Coatora para que preste as informações necessárias.

Após, dê-se vista ao Ministério Público.

Florianópolis (SC), 06 de setembro de 2016.

Fernando de Castro Faria Juiz de Direito Fonte: ADEPESC
Imagem Ilustrativa do Post: ATO EM COPACABANA: FORA TEMER! NENHUM DIREITO A MENOS! CONTRA A CALAMIDADE OLÍMPICA! | 05/08/2016 | Rio de Janeiro/RJ // Foto de:  Mídia NINJA // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/midianinja/28189035243/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/2.0/legalcode

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