Declaração de Direitos de Liberdade Econômica: o registro empresarial brasileiro sob nova óptica

17/10/2019

Neste mesmo ambiente/portal, em 23/03/2018, foi possível demonstrar que o Brasil, cada vez mais, vem-se tornando um espaço propício para o empreendedorismo, diante dos impactos repercutidos a partir de negócios inovadores.

Contudo, segundo dados da Expert Market, uma startup texana, em que pese o brasileiro ser o 5º colocado no ranking de determinação do empresário para empreender, a proposta de começar o 1º negócio e expandi-lo a partir de novas estruturas jurídicas, continua sendo de realização extremamente difícil, principalmente em razão de alguns fatores, a saber: a burocracia, a rigidez dos atos normativos e a falta de internalização das novas tecnologias para a abertura de empresas, além da extrema dificuldade na captação de recursos[i]

É fato que o registro empresarial é etapa essencial no desenvolvimento de uma atividade econômica e, na medida em que o exercício regular da atividade da empresa depende da realização do registro, tem-se que um sistema de registro empresarial burocrático e ineficiente gera danos severos à economia, pois representa um obstáculo forte e injustificado ao empreendedorismo.

Já no momento de constituição de uma sociedade empresária, o emaranhado procedimental existente nas leis brasileiras e a cultura institucional enrustida da burocracia geram um custo injustificável ao empreendedor, submetendo-o ao conhecido e lento processo de regularização da atividade, pleno de etapas burocráticas incompreensíveis e, por consequência, caro, o que gera efeitos maléficos a toda a economia.

A comprovação de tais assertivas é claramente verificada nos dados extraídos do relatório Doing Business 2019[ii], elaborado pelo Banco Mundial para avaliar o ambiente de negócios em 189 (cento e oitenta e nove) economias, evidenciando que o Brasil figura na 109ª posição, apontando, especificamente no que tange à abertura de empresa, índices absolutamente preocupantes e que há anos vem-se repetindo.

Na mesma linha, cabe apontar que o Brasil ocupa a 150ª posição do “Ranking da Liberdade Econômica” da Haritage Foundation[iii], para o qual foram avaliados 186 países e utilizados, para tanto, requisitos como eficiência regulatória e abertura de mercado.

Sobre o tema, imperioso destacar a importância da legalização das empresas para todo o ambiente econômico do país. Nesta seara, não há como deixar de inferir que, quanto maiores forem as dificuldades – muitas vezes injustificadas e meramente burocráticas – menores serão os incentivos para que o empresário busque investir no país e, por consequência, fomentar toda a cadeia que disso decorre, tais como o aumento do número dos postos de trabalho regulares disponíveis e o aumento da arrecadação tributária em todas as esferas estatais.

Eliminar (ou minimizar, pelo menos) a burocracia é dinamizar o ecossistema empreendedor de um país, reduzindo-se os custos de transação. Aliás, quanto a estes (custos de transação), o empreendedor deve submeter o seu negócio a uma criteriosa análise, apoiando-se na análise econômica do direito. Facilitar a vida daqueles que desejam constituir um novo negócio é, basicamente, incentivar as pessoas a exprimirem sua criatividade e explorarem novas possibilidades, tendo em vista a facilidade que possuem.

Sob esta óptica, em atenção à necessidade de se criar um ambiente competitivo ao empresariado brasileiro, foi editada a Medida Provisória 876/2019[iv], a qual, embora não convertida em lei, promoveu grandes avanços para o implemento da desburocratização do registro empresarial, ao passo em que permitiu, por exemplo, a possibilidade de autenticação de documentos por advogados e contadores, bem como apresentou a possibilidade de deferimento automático no registro de empresas que se utilizarem da forma legal prevista.

Pelo decurso de prazo sem a necessária conversão em lei, a MP 876/2019 perdeu eficácia, porém, enquanto esteve vigente, acarretou alterações substanciais na forma de se olhar para o registro empresarial no Brasil, tendo provocado, inclusive, a manifestação do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração – DREI – ao qual, tecnicamente, as Juntas Comerciais são vinculadas – pela edição de Instruções Normativas regulatórias, a exemplo das IN 60/2019 e 62/2019[v].

Ou seja, em que pese, talvez, não ter sido utilizada a melhor forma legislativa para provocar o assunto e promover melhorias definitivas nas normas que tratam do tema ora em debate, fato é que se mostrou, com a referida provocação, que a cultura cartorial do sistema registral brasileiro merece ser revista e pode ser objeto de importantes modificações.

Neste sentir, sob o enfoque da desburocratização, é necessário que o pontapé inicial provocado com a chamada Medida Provisória da Liberdade Econômica possa funcionar como detonador de um positivo início para um novo ciclo no empreendedorismo brasileiro, esperando-se a diminuição das exigências estatais para o registro empresarial, bem como o estímulo à análise sobre as questões eminentemente materiais do ato levado a registro, presumindo-se a boa-fé do cidadão e, com isto, repassando-se a ele a responsabilidade pela veracidade dos atos e fatos apresentados.

Um bom exemplo é a atual inexigibilidade de apresentação da matrícula do imóvel que se pretender integralizar no capital social de uma empresa, nos termos da Instrução Normativa nº 51/2019, item 3, do DREI[vi]. Atualmente, trata-se de ato declaratório do Requerente, o qual passa a assumir a responsabilidade legal, para todos os fins, quando declara que o bem é de sua titularidade e está livre e desembaraçado de ônus e gravames.

Por outro lado, considerando-se que as normas jurídicas são indutoras do comportamento, na medida em que criam incentivos e impactam nas escolhas dos agentes econômicos, é importante ressaltar que o legislador precisa estar atento para prever severas punições àqueles que, porventura, venham a descumprir a lei, talvez estando aí o ponto de inflexão para premiar o agente que corretamente pratica seus atos e exemplarmente punir os transgressores.

A MP 876/2019 caducou, porém os seus pressupostos basilares foram incorporados à Medida Provisória 881/2019, posteriormente convertida na Lei nº 13.874 /2019[vii], a qual institui a “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica” e estabelece inúmeras garantias de livre mercado e análise de impacto regulatório. Como destaques, vale apontar a instituição de três princípios basilares aplicáveis às atividades econômicas e registrais, quais sejam: i) a presunção de liberdade no exercício de atividades econômicas, ii) a presunção de boa-fé do particular e iii) a intervenção subsidiária, mínima e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas.

Outra previsão interessante trazida pela MP 881/2019 – agora Lei nº 13.874/2019 – é o deferimento automático de atos, observados os requisitos nela instituídos, quando do silêncio da autoridade estatal competente após o prazo máximo de manifestação. Tal medida, ao passo em que estimula o empresário na atividade econômica pretendida, eis que retira o fantasma da demora interminável da análise estatal sobre os atos necessários à legalização de uma empresa, compele os órgãos públicos a entregarem aos cidadãos respostas rápidas e eficientes, a fim de fomentar-se a economia nacional.

Sobre o tema, cabe destacar que não merece prosperar o entendimento de que o aumento da liberdade econômica acarretaria a diminuição dos direitos coletivos e difusos dos consumidores, trabalhadores e afins, vez que as novas legislações voltadas à modernização do registro empresarial e da atividade comercial se caracterizam e fundamentam, justamente, pela quebra de paradigmas como tal.

Como destacado no parecer da Comissão Mista responsável pela análise da então MP 881/2019[viii], “O Estado deve abrir caminho para as liberdades econômicas, para a iniciativa privada, sem que isso signifique absolutamente nenhum receio relativamente à proteção hoje destinada aos direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos.”

Neste sentido, aponte-se, inclusive, que o mercado já sente os efeitos positivos da simplificação significativa das regulações afetas ao registro e à atividade empresarial como um todo, a exemplo da subida, ainda que modesta, da posição ocupada pelo Brasil no Ranking Mundial de Competitividade do Fórum Econômico Mundial. Atualmente, o país ocupa a 71ª posição[ix] e, ainda que permaneça sendo considerado apenas a 8ª (oitava) economia mais competitiva da América Latina e Caribe, com diversos fatores ainda a serem ajustados, a melhora no índice global acende o sinal verde para as alterações legislativas tendentes a simplificar a atividade empresarial no Brasil.

Portanto, pensar o registro empresarial e seus desdobramentos de modo economicamente eficiente mostra-se absolutamente necessário para o desenvolvimento do país, e, neste viés, a Medida Provisória 881/2019 – recentemente convertida na Lei nº 13.874/2019 pelo Congresso Nacional – vem para provocar o estímulo à livre iniciativa e à atividade comercial como um todo, consequentemente, criando um inicial cenário de atração aos investidores estrangeiros no intuito de fomentar-se, ainda mais, a economia nacional.

Neste cenário, é possível prever uma mudança comportamental dos agentes lotados nos órgãos reguladores, da comunidade de empresários e futuros empresários, bem como dos agentes apoiadores, consultores e advogados, a partir de normas indutoras, como é o caso da Lei da Liberdade Econômica. É a partir desta união de esforços que se espera conquistar a tão esperada “agilidade” na abertura de empresas, mas não só: também facilitar a captação de recursos com segurança jurídica correlata, a ponto de atrair um ambiente de confiança e competitividade.

Espera-se que o legislador e os órgãos registrais aproveitem essa oportunidade para dar início a um novo ciclo, o qual, se acompanhado de medidas de incentivo à atividade econômica e segurança jurídica, pode contribuir com a mudança do cenário de crise econômica e desemprego que tanto se deseja chamar de passado.

 

Notas e Referências

[i] Disponível em<https://emporiododireito.com.br/leitura/a-regulacao-sobre-startups-no-brasil-em-comparacao-com-o-chile-o-mexico-e-os-estados-unidos-experiencias-com-as-quais-aprender >. Acesso em 15/10/2019.

[ii] Disponível em<https://portugues.doingbusiness.org/pt/data/exploreeconomies/brazil. >. Acesso em 15/10/2019.

[iii] Disponível em<https://www.heritage.org/index/ranking>. Acesso em 15/10/2019.

[iv] Disponível em<https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/135693>. Acesso em 15/10/2019.

[v] Disponível em<http://www.mdic.gov.br/index.php/micro-e-pequenas-empresa/drei/instrucoes-normativas-drei/2-uncategorised/3166-instrucoes-normativas-em-vigor-drei>. Acesso em 15/10/2019.

[vi] Disponível em< http://www.mdic.gov.br/index.php/micro-e-pequenas-empresa/drei/instrucoes-normativas-drei/2-uncategorised/3166-instrucoes-normativas-em-vigor-drei>. Acesso em 15/10/2019.

[vii] Aguarda edição de decreto legislativo, nos termos do art. 62, §11, da Constituição Federal, até 19 de novembro de 2019.

[viii]Disponível em< https://legis.senado.leg.br/sdleggetter/documento?dm=7979613&ts=1565206873824&disposition=inline>.  Acesso em 15/10/2019.

[ix] Disponível em<https://valor.globo.com/brasil/noticia/2019/10/09/brasil-sobe-um-posto-e-e-71o-em-competitividade.ghtml?GLBID=11c42a971a48216a3b65efbf05%E2%80%A6%201>. Acesso em 15/10/2019.

 

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