Decadência do direito de queixa ou de representação – Por Paulo Silas Taporosky Filho

08/10/2017

O artigo 103 do Código Penal prevê que “Salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito do direito de queixa ou representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do § 3º do art. 100 deste Código, do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia”. O artigo 38 do Código de Processo Penal estipula a questão de igual modo. Assim, sempre, o prazo que deve ser levado em conta como termo inicial é aquele referente ao dia em que o ofendido toma conhecimento do dito crime, podendo ou não ser o mesmo da data do fato.

Nos crimes que dependem de representação ou de queixa por parte da vítima para que seja possível a persecutio criminis, tem-se como necessário que essa manifestação, formal ou não (a depender do caso), seja procedida dentro do mencionado prazo decadencial, sob pena de se fazer presente o fenômeno da decadência e restar impossibilitado o prosseguimento de qualquer eventual procedimento penal com relação ao fato.

Cumpre destacar que a decadência se trata de instituto jurídico diverso daquele que também é previsto como causa de extinção de punibilidade, a prescrição.

Possíveis questionamentos que podem surgir com relação ao prazo decadencial surgem principalmente no campo prático. Com relação aos crimes que necessitam da representação para que seja possível a procedibilidade do exercício do intento da ação penal, já pudemos expor algumas breves considerações tomando como base exemplos práticos que surgem nesse viés (aqui). De igual modo ocorre com os crimes de “ação penal privada”, já que algumas dúvidas surgem tanto com relação a procedimento, quanto com relação aos prazos que merecem observância.

Ilustremos com o seguinte exemplo: Maria é ofendida verbalmente por José. As ofensas são feitas diretamente por José em via pública, cujas expressões injuriosas são direcionadas diretamente contra Maria. Diversos xingamentos são feitos por José, os quais acabam por ofender pontualmente a dignidade de Maria. Essa situação ocorre no dia primeiro de janeiro. Somente no dia oito de janeiro é que Maria vai até uma delegacia e registra a ocorrência. A delegacia toma o depoimento de Maria e posteriormente de José, produzindo assim um termo circunstanciado de infração penal. O TCIP é remetido ao Juizado Especial Criminal, onde a audiência preliminar é designada para o dia 23 de março. Na data pautada, ambas as partes comparecem, mas não há qualquer tipo de composição, uma vez que Maria quer que José seja processado criminalmente pela prática do crime de injúria. Esse é o caso.

No exemplo hipotético, qual é o termo a ser considerado como prazo inicial com relação a decadência? Tendo Maria já se manifestado duas vezes (na delegacia e no Juizado) sobre sua pretensão de prosseguir com um processo criminal contra José, há algo ainda a ser feito para que sua intenção se efetive?

As respostas são óbvias, mas dúvidas do tipo são frequentes nesse âmbito, talvez justamente diante de alguns pontos que podem levar a confusão, os quais se fazem presentes em decorrência da forma com a qual situações do tipo são tratados procedimentalmente.

Quanto a data inicial para a contagem do prazo decadencial, tem-se como irrelevante o dia em que a ocorrência foi registrada na delegacia, bem com a data em que ocorreu a audiência preliminar no Juizado Especial Criminal. Para fins de decadência, interessa apenas aquela data que o mencionado dispositivo legal aponta expressamente, a saber, o dia em o ofendido veio a saber quem é o autor do crime. No exemplo aqui exposto, o dia primeiro de janeiro é o que deveria ser levado em conta para a contagem do prazo decadencial, pois foi na própria ocasião do fato que a ofendida teve conhecimento do autor do dito crime, tendo Maria, a partir de tal data (e considerando ainda a forma de contagem desse tipo de prazo), seis meses para que pudesse promover a queixa.

Sobre a segunda indagação, tem-se que, diferente da representação, a queixa exige determinadas formalidades para que possa ser entendida como tal. No exemplo aqui apresentado, não basta apenas a manifestação da vontade da vítima para que José seja processado criminalmente, por mais que tenha Maria assim pleiteado na delegacia e no Juizado. Há a necessidade de formulação de queixa, costumeiramente chamada de queixa-crime, peça escrita e formal, produzida por profissional habilitado (advogado), cujo proceder deve observar os regramentos previstos no Código de Processo Penal, principalmente no que diz respeito aos artigos 41 e 44.

Deste modo, vale destacar que por mais que possa soar aparentemente confuso para alguns a questão do quando se inicia o prazo decadencial para o oferecimento da queixa ou da representação (do fato? do registro da ocorrência? da audiência preliminar?), indagação que algumas vezes acaba sendo potencializada diante do que se faz constar no TCIP ou na ata de audiência preliminar do JECRIM, basta a leitura daquilo que prevê o dispositivo legal que trata do tema para que eventuais dúvidas caiam por terra.


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