De um lado o direito marcário e de outro o direito autoral, a partir de um caso concreto: Chiquititas  

25/07/2019

 

            O presente texto tem por objetivo fazer a análise de um julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) que pautou a discussão sobre a marca nominativa “Chiquititas” na classe nacional 03.20 (produtos de perfumaria e de higiene, e artigos de toucador em geral).

            Na discussão sobre os direitos da marca nominativa “Chiquititas”, na classe nacional referida, o TJPR, no recurso de agravo de instrumento que tomou o número AI-1478582-9, avaliou o argumento que colocou na balança, de um lado, o direito marcário e, de outro, o direito autoral.

O direito marcário possui regulação própria pela Lei n. 9.279/1996, enquanto que o direito autoral é regulado pela Lei n. 9.610/1998, ambos ancorados no direito constitucional.

            O julgado do caso em comentário foi assim ementado:         

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA COMERCIAL CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS - DECISÃO QUE DETERMINOU QUE A AGRAVANTE E OS CORRÉUS NA AÇÃO DE ORIGEM ABSTENHAM-SE DO USO DA MARCA "CHIQUITITAS" EM PERFUMES E COSMÉTICOS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. PEDIDO DE REVOGAÇÃO DA LIMINAR DEFERIDA SOB A ALEGAÇÃO DE QUE O DIREITO AUTORAL SE SOBREPÕE AO DIREITO DE MARCAS E PATENTES - IMPROCEDÊNCIA - AGRAVADA QUE POSSUI REGISTRO DA MARCA NOMINATIVA NO INPI - AGRAVANTE QUE NÃO AJUIZOU NO PRAZO LEGAL AÇÃO PARA CANCELAMENTO, ANULAÇÃO OU DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO REGISTRO DA MARCA "CHIQUITITAS" NO INPI - IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECER A NOTORIEDADE DA MARCA COM RELAÇÃO AO SEU USO EM PRODUTOS COSMÉTICOS - ATIVIDADE NÃO CORRELATA À OBRA INTELECTUAL. RECURSO NÃO PROVIDO. [i]

            Em que pese tratar-se de uma decisão que resolve o pedido de antecipação parcial da tutela, formulado e concedido em benefício da Indústria Paranaense, em cujo resultado determinou-se a cessação dos efeitos do ato lesivo decorrente da conduta de usar indevidamente a marca em detrimento daquele que detém o respectivo registro, entende-se que o mérito da discussão esvaziou-se com o enfrentamento dos argumentos de parte a parte, interessando, portanto, ao estudo prático-acadêmico.

            Avaliando-se o caso concreto, não se identifica, necessariamente, um conflito, sendo possível a convivência harmônica entre os direitos, de um lado os direitos autorais da novela Chiquititas, que não conflita com a propriedade imaterial sobre a marca, no caso, na classe nacional 03.20, não correlata à obra intelectual.

            É certo que o direito marcário não pode sofrer restrição de uso em razão do direito autoral, especialmente porque o registro, combatido na esfera do INPI, resultou assegurado à Indústria Paranaense, até mesmo porque a sua atividade principal é voltada à fabricação e à comercialização de produtos de perfumaria e já detinha, anteriormente, a marca Tiquititas (com inicial “T”— princípio da anterioridade), conforme se evidencia pelo estudo do caso concreto.

              Considerando-se a tutela jurisdicional da propriedade imaterial, o direito de concessão de registro de marca está previsto no inciso III, do artigo 2º, da Lei n. 9.279/1996, que estabelece: “a proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante: (...) III - concessão de registro de marca”.

            Neste contexto, a decisão comentada e as decisões dela derivadas reconhecem à empresa Paranaense o direito de utilização da marca Chiquititas (CN 03.20) em todo o território nacional, ao teor do que dispõe o art. 129 da mencionada lei. É certo que a propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições da Lei, sendo assegurado ao titular o seu uso exclusivo em todo o território nacional, observando-se, quanto às marcas coletivas e de certificação, o disposto nos art. 147 e 148.

            Lembre-se que a proteção legal (Lei n. 9.279/1996) abrange também o uso da marca em papéis, impressos, propaganda e documentos relativos à atividade do titular (art. 131). Neste contexto, cabe ressaltar que a proteção da propriedade industrial é elemento importante para o desenvolvimento econômico e tecnológico do País, cuja violação implica concorrência desleal e infração à ordem econômica.

            A própria Constituição da República garante a proteção/tutela destes direitos, ao estabelecer, no artigo 5.º, que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País”.

            O STJ, fazendo análise deste mesmo caso concreto, assim se posicionou:

(...)Ademais, o Tribunal de origem registra, em juízo perfunctório proferido em agravo de instrumento tirado contra concessão de medida liminar, que não há violação de direito autoral, pois o uso no nome ‘Chiquititas’ em produtos de higiene pessoal não é correlato à obra intelectual protegida, já que não guarda nenhuma relação com qualquer dos ramos de atividade para os quais o nome da novela infantil ficou conhecido.[ii]

 

E reiterou por ocasião do julgamento do Agravo Interno:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC. AUSÊNCIA DE OBSCURIDADE, OMISSÃO OU CONTRADIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA VENTILADA NO RECURSO ESPECIAL. SÚMULAS 282 E 356/STF. REEXAME DE MATÉRIA PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. FALTA DE COTEJO ANALÍTICO. DISSÍDIO NÃO CONFIGURADO. AGRAVO NÃO PROVIDO. 3. O Tribunal de origem consigna em juízo perfunctório proferido em agravo de instrumento tirado contra concessão de medida liminar, que não há violação de direito autoral, pois o uso do nome "Chiquititas" em produtos de higiene pessoal não é correlato à obra intelectual protegida. Outrossim, destaca o preenchimento dos requisitos necessários para a antecipação de tutela, notadamente a verossimilhança das alegações. A reforma do aresto, nestes aspectos, demanda inegável necessidade de reexame de matéria probatória, providência inviável de ser adotada em sede de recurso especial, ante o óbice da Súmula 7 desta Corte.[iii]

 

            A partir do julgado em comentário percebeu-se que o direito autoral e o direito marcário possuem proteção e regulação própria, cada um dos direitos, repercutidos no caso concreto, em lados opostos da balança, avaliados segundo as respectivas particularidades, inclusive com repercussão de teses prescricionais. A discussão travada no Tribunal sobre a marca em comentário e na classe nacional ‘perfumaria/higiene’ adere à titularidade da empresa paranaense que tomou o cuidado de proceder com o registro no órgão competente – INPI, tempestivo e atendendo aos requisitos legais, cuja consolidação aderiu ao objeto social, sem ferir direitos autorais correlatos à obra. Deste modo, não se trata de negar ou sonegar o direito do autor, mas de traçar uma linha divisória entre este e o direito marcário, obviamente, considerando-se o contexto fático-probatório do caso concreto pautado no Tribunal Paranaense.                

 

Notas e Referências

[i] TJPR - 17ª C. Cível - AI - 1478582-9 - São José dos Pinhais -  Rel.: Desembargador Rui Bacellar Filho - Unânime -  J. 04.05.2016.

[ii] AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.196.459 - PR (2017/0281641-4) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO. J. Fev/2018.

[iii] AGRAVO INTERNO no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.196.459 - PR (2017/0281641-4) RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO. Unânime. J. Agosto/2018.

 

 

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