Por André Luis Pontarolli - 01/09/2015
Cesare Lombroso escreveu a sua mais conhecida obra, “O Homem Delinquente”, no ano de 1876. O último escrito do médico italiano, intitulado “O Crime, Causas e Remédios”, data de 1894. Tendo escrito outros seis livros, o “pai” da Antropologia Criminal faleceu no ano de 1909.
Já passado mais de um século do óbito de Lombroso, seria de se acreditar que a absurda ideologia lombrosiana, base da rotulação e da segregação penal, estaria rechaçada por completo do mundo jurídico e das relações sociais.
Quem dera fosse verdade!
Por mais que a Antropologia Criminal seja criticada com veemência no âmbito acadêmico, a verdade é que a sociedade e, pior, os operadores do Direito, infelizmente, não se livraram da herança lombrosiana.
Basta olhar para dentro dos presídios e ver quem compõe a grande massa da população carcerária. Basta observar quem são os indivíduos abordados como “suspeitos” pelas autoridades policiais. Basta analisar as penas estabelecidas na legislação penal para cada tipo de crime.
É triste constatar que Lombroso ainda influencia não apenas as recentes e insanas teorias genéticas do crime, mas, também, na atuação cotidiana das agências punitivas. O Direito Penal não deveria ser, mas é instrumento de segregação.
Quem sabe um dia deixe de ser!
Recentemente Mário Vargas Llosa disse que “a humanidade vai aos poucos deixando para trás aquilo que ela ainda carrega consigo de pior, ou seja, de uma forma frequentemente invisível, vai melhorando e se redimindo” (publicada originalmente no diário espanhol El País).
Quem sabe Llosa tenha razão e, um dia, meio que sem perceber, consigamos superar o preconceito, os rótulos sociais e a segregação penal, mas, até esse dia chegar, temos de enfrentar a realidade de frente e assumir o quanto ainda estamos aprisionados ao século XIX.
Por vezes ficamos tão absortos à nossa própria individualidade e aos contratempos cotidianos, que não percebemos o quanto a nossa sociedade é preconceituosa e segregacionista. É preciso um “tapa na cara” para nos tirar da zona de conforto.
Foi o que fez Carl Hart, neurocientista e professor da Universidade de Columbia, em palestra proferida no IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).
Hart, sintetizando a ideia, veio ao Brasil falar sobre como a “Guerra às Drogas” é um instrumento de marginalização de parcela da população.
Pois bem, o neurocientista veio falar de preconceito e segregação e encontrou uma platéia homogênea, retratada pela elite jurídico-acadêmica brasileira. Diante do cenário, não poupou as palavras: “Olhem para o lado, vejam quantos negros estão aqui. Vocês deviam ter vergonha”.
Sim, ele está certo, devemos nos envergonhar, não só do nosso Direito Penal, mas da nossa sociedade, pois o Direito é reflexo dos valores sociais. Devemos nos envergonhar dos rótulos, do preconceito, da segregação! Em resumo, devemos nos envergonhar da herança lombrosiana.
De Cesare Lombroso a Carl Hart as ideias mudaram, é verdade, mas a mudança não pode ser apenas ideológica, tem de ser comportamental.
Vamos confiar na intuição de Llosa e acreditar que, pouco a pouco, a sociedade vá melhorando e se redimindo. Agora, vamos torcer para que Carl Hart, em sua estadia pelo Brasil, não resolva visitar um dos nossos presídios. Se isto acontecer, nossa vergonha será muito maior!

André Luis Pontarolli é Advogado militante na área criminal em Curitiba, Paraná. Professor de Direito Penal, Direito Processual Penal e Criminologia do Curso de Direito das Faculdades OPET. Membro da Comissão de Direito Militar da OAB/PR.
E-mail: andre_pontarolli@hotmail.com
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