Dano existencial e proteção à sustentabilidade humana do trabalhador

14/02/2017

Por Guilherme Wünsch – 14/02/2017

O dano existencial, como uma espécie de dano extrapatrimonial ou imaterial, repercute na existência do ser humano, consistindo na ofensa física ou psíquica de uma pessoa. Tal dano classifica-se como injusto, sendo que a lesão causada por tal dano provoca intensa interferência no relacionamento social e profissional do indivíduo e, consequentemente, reduz as chances de progresso no trabalho, refletindo negativamente no seu patrimônio.[1] Assim, essa lesão que atinge o desenvolvimento normal da personalidade da pessoa, manifesta-se por meio da afetação negativa, total ou parcial, permanente ou temporária, na atividade daquele que sofre o dano e que se vê obrigado a modificar a sua forma de realização, ou até extinguir de sua rotina.[2]

Ainda, entende-se por dano existencial “o conjunto de repercussões de tipo relacional marcando negativamente a existência mesma do sujeito que é obrigado a renunciar às específicas relações do próprio ser e da própria personalidade”.[3] Neste sentido: [...] o dano existencial tem origem no direito italiano e vem despertando gradativamente o interesse do judiciário e da doutrina trabalhista, sendo que, para os doutrinadores mais críticos, o dano existencial encontra-se em uma subclassificação dos danos imateriais ou extrapatrimoniais e se caracteriza pela repercussão nas relações e na personalidade do trabalhador. [4]

A busca pelo reconhecimento e pela consolidação da teoria do dano existencial no Direito Brasileiro se deve ao fato de que o bem-estar e a qualidade de vida tornaram-se interesses importantes na sociedade contemporânea, passando a merecer maior proteção e valorização jurídica, com o crescimento da tutela dos interesses imateriais.[5]

O dano existencial causa uma “[...] limitação prejudicial, qualitativa e quantitativa, que a pessoa sofre em suas atividades cotidianas”. Além de acarretar um sacrifício nas atividades que o indivíduo realiza, o dano existencial também se efetiva como uma “[...] renúncia involuntária às atividades cotidianas de qualquer gênero, em comprometimento das próprias esferas de desenvolvimento pessoal”.[6]

Os danos na esfera emocional atingem a vida familiar e social da vítima, causando crise existencial, crise de relacionamento e crise econômica. O trabalho é a principal fonte de reconhecimento social e realização pessoal. Dessa forma, o homem se identifica pelo seu trabalho. No momento em que a vítima sente que está perdendo sua identidade social e sua capacidade de projetar-se no futuro, constata-se uma queda da autoestima e surge o sentimento de culpa; é nessa ocasião que a vítima é tomada por grave crise existencial.[7]

Em tal contexto, explica Márcia Novaes Guedes[8]: A crise de relacionamento social é corolário dessa situação de crise existencial: a vítima se torna amarga, lamurienta e desagradável. Ressalte-se que a segurança econômica e a possibilidade de sempre melhorar a renda familiar constituem fator de grande importância na estabilidade emocional e saúde mental do ser humano. Se isso vem a faltar, o sujeito se desespera, especialmente por não poder mudar a própria situação, razão pela qual a exposição duradoura de uma pessoa ao terror psicológico pode não apenas conduzi-la a fazer uso de drogas, especialmente o álcool, e a pensar no suicídio, como também induzi-la ao homicídio. É que, diante do atual quadro econômico, para a vítima que se encontra em avançado quadro de depressão, o desemprego se lhe afigura como verdadeira liquidação pessoal.

Destarte, “[...] o terror psicológico reúne em si mesmo uma série de prejuízos na esfera existencial da pessoa que trabalha, tanto podendo ser a causa direta ou a concausa de graves lesões à saúde da vítima”. Alguns elementos “[...] ferem a espontaneidade do indivíduo e atingem a esperança e a alegria de viver, provocando a depressão e o desgaste psicológico”, dentre eles pode-se destacar o rebaixamento de função ou a mortificante inatividade, a derrisão, o assédio sexual, as sanções disciplinares injustas, a revista reiterada, a vigilância abusiva, a sujeição humilhante e discriminatória, a solidão proveniente da segregação e do isolamento físico ou decorrente do comportamento indiferente ou de franca rejeição dos colegas.[9]

No ambiente laboral, dentre outros exemplos, os fatos que dão causa ao dano existencial podem se caracterizar a partir de “[...] transmissão de doenças, barulhos intensos, a discriminação sexual ou religiosa, a incitação à prostituição, o abuso sexual, os acidentes de trabalho, a lesão ao direito de privacidade e à honra, desastres ambientais, etc”. Além dos fatos causadores, há elementos que caracterizam o dano, ou seja, são peculiares ao dano existencial, como, por exemplo, “[...] os sacrifícios, as renúncias, a abnegação, a clausura, o exílio, o prejuízo do cotidiano, uma interação menos rica do lesado com as outras pessoas, coisas e interesses, provisórias ou definitivas”.[10]

Por tais razões é que Flaviana Rampazzo Soares[11] afirma que o dano existencial pode atingir distintos setores da vida da pessoa: a) atividades biológicas de subsistência; b) relações afetivo-familiares; c) relações sociais; d) atividades culturais e religiosas; e) atividades recreativas e outras atividades realizadoras, porque qualquer pessoa tem o direito à serenidade familiar, à salubridade do ambiente, à tranquilidade no desenvolvimento das tarefas profissionais, ou de lazer, etc.

Portanto, o dano existencial na relação de trabalho ou dano à existência do trabalhador decorre de uma “[...] conduta patronal que impossibilita o empregado de se relacionar e de conviver em sociedade por meio de atividades recreativas, afetivas, espirituais, culturais, esportivas, sociais e de descanso [...]”. Essas atividades “[...] lhe trarão bem-estar físico e psíquico e, por consequência, felicidade: ou o que impede de executar, de prosseguir ou mesmo de recomeçar os seus projetos de vida”, que, por sua vez, serão responsáveis pelo seu “[...] crescimento ou realização profissional, social e pessoal”.[12] Enquanto protetores da dignidade da pessoa humana, os direitos da personalidade têm por objetivo assegurar os elementos constitutivos da personalidade do ser humano, tomada nos aspectos da integridade física, psíquica, moral e intelectual da pessoa humana.

Neste sentido, essa nova categoria de dano vem agregar-se às demais para imprimir um caráter pedagógico à conduta lesiva ao patrimônio imaterial e interpessoal do indivíduo, na tentativa de restabelecer o equilíbrio do ser social, o direito à saúde e a participação equilibrada do homem junto ao meio ambiente, ou seja, a própria sustentabilidade humana.


Notas e Referências:

[1] LORA, Ilse Marcelina Bernardi. O Dano Existencial no Direito do Trabalho. Revista Eletrônica, Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, Curitiba, v. 2, n. 22, ed. 22, p. 19, set. 2013. Disponível em: <http://www.mflip.com.br/pub/escolajudicial/?numero=%2022>. Acesso em: 12 de fev. 2017.

[2] SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 44.

[3] GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 137-138.

[4] WÜNSCH, Guilherme; TITTONI, Maria Lúcia; GALIA, Rodrigo Wasem. Inquietações sobre o dano existencial no direito do trabalho: o projeto de vida e a vida de relação como proteção à saúde do trabalhador. Porto Alegre: HS Editora: 2015. p. 60.

[5] SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 39.

[6] SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 44-46.

[7] GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 113.

[8] GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 113.

[9] GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 137.

[10] SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 47.

[11] SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 47.

[12] BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli. O Dano Existencial e o Direito do Trabalho. Revista Eletrônica, Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, Curitiba, v. 2, n. 22, ed. 22, p. 30, set. 2013. Disponível em: <http://www.mflip.com.br/pub/escolajudicial/? numero=%2022>. Acesso em: 12 fev 2017.

BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli. O Dano Existencial e o Direito do Trabalho. Revista Eletrônica, Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, Curitiba, v. 2, n. 22, ed. 22, p. 30, set. 2013. Disponível em: <http://www.mflip.com.br/pub/escolajudicial/? numero=%2022>. Acesso em: 12 fev 2017. 

GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2005.

LORA, Ilse Marcelina Bernardi. O Dano Existencial no Direito do Trabalho. Revista Eletrônica, Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, Curitiba, v. 2, n. 22, ed. 22, p. 19, set. 2013. Disponível em: <http://www.mflip.com.br/pub/escolajudicial/?numero=%2022>. Acesso em: 12 de fev. 2017.

SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

WÜNSCH, Guilherme; TITTONI, Maria Lúcia; GALIA, Rodrigo Wasem. Inquietações sobre o dano existencial no direito do trabalho: o projeto de vida e a vida de relação como proteção à saúde do trabalhador. Porto Alegre: HS Editora: 2015.


Guilherme WunschGuilherme Wünsch é formado pelo Centro Universitário Metodista IPA, de Porto Alegre, Mestre em Direito pela Unisinos e Doutorando em Direito pela Unisinos. Durante 5 anos (2010-2015) foi assessor jurídico da Procuradoria-Geral do Município de Canoas. Atualmente, é advogado do Programa de Práticas Sociojurídicas – PRASJUR, da Unisinos, em São Leopoldo/RS; professor da UNISINOS e professor convidado dos cursos de especialização da UNISINOS, FADERGS, FACOS, FACENSA, IDC e VERBO JURÍDICO.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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