Dano Ambiental: a dificuldade da valoração

03/03/2019

Introdução.

Sem exagero, pode-se afirmar que o homem transporta no seu “dna” a degradação e a poluição do meio ambiente. A diferença histórica da devastação ambiental provocada pelo homem decorre apenas do incremento da indústria e agora das tecnologias. Sob o ponto de vista das memórias ambientais, atualmente, o apelo pela conservação dos recursos naturais é maior em face da democratização do acesso às informações; entretanto, o fato é que desde os primórdios o homem explora o ambiente, retira os recursos naturais e perturba a ordem dos ecossistemas.

Dentro dessa perspectiva o direito ambiental passou a estudar o dano ambiental através do fenômeno da degradação e da poluição do meio ambiente.  A legislação brasileira não enfrentou adequadamente a definição de dano ambiental, tendo a Lei da Política Nacional de Meio Ambiente, Lei n.º 6.938/81, art. 3º, incisos II e III, delineado as noções de degradação da qualidade ambiental – “a alteração adversa das características do meio ambiente” e de poluição – “a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem estar da população, b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas, c) afetem desfavoravelmente a biota, d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente, e) lancem matéria ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos”.

O conceito de dano ambiental, conforme leciona Edis Milaré[1] deve incluir, em primeiro lugar, a ideia de interferência como sendo a ação/atividade devastadora do homem no meio ambiente, excluindo-se do conceito as ações de ordem natural. Em segundo lugar, que há um patrimônio ambiental com alargada abrangência e alta complexidade, exigindo a ampliação do conceito de meio ambiente para incluir os aspectos holísticos, sistemático e interdisciplinar; visão que permite compreender as implicações do conceito de dano ambiental para além das interferências no meio ambiente natural, passando a incluir os elementos de ordem artificial e cultural.

Nesse contexto, a premissa de base do Professor Edis Milaré refuta a ideia unissonante da legislação brasileira de compreender e privilegiar o conceito de meio ambiente apenas como ambiente natural; dizendo que se “deve evoluir a partir da premissa de que meio ambiente é realidade mais ampla do que ecossistemas naturais”, ou seja, deve incluir o Ser Humano, o ambiente artificial, ambiente cultural e o ambiente do trabalho.   

Em terceiro lugar, ensina Edis Milaré (2015, p. 320), que a relação causal não resulta do nexo causa-efeito, considerável e imediatamente. “A causa pode ter antecedentes remotos encadeados, percebidos por indução ou dedução, com a ajuda do método científico -, como o efeito pode ser potencial ou futuro, não limitado, portanto, no tempo ou espaço”.

Por fim, em quarto lugar, o renomado jurista destaca a preocupação com gradação da interferência que perturba o meio ambiente, pois, há uma tendência equivocada de acreditar que o conceito de dano ambiental deve guardar relação direta com o acontecimento de grandes interferências no ambiente. Ao contrário, é necessário considerar como dano ao meio ambiente tanto as pequenas perturbações quanto as grandes ocorrências ambientais. Exemplificando, pode-se dizer que há dano ao meio ambiente tanto pela utilização de veículos com combustível fóssil quanto em um desastre como o de Mariana ou de Brumadinho.

Para tanto, aduz Edis Milaré (2015, p. 319) que dano ambiental é toda interferência antrópica infligida ao patrimônio ambiental (natural, cultural, artificial), capaz de desencadear, imediata ou potencialmente, perturbações desfavoráveis (in pejus) ao equilíbrio ecológico, a sadia qualidade de vida, ou a quaisquer outros valores coletivos ou de pessoas. Ocorre, entretanto, que o conceito expendido reflete uma perspectiva jurídico-social não delineada pela legislação brasileira.   

A dificuldade da valoração do dano ambiental.

Uma das questões mais complexas relacionadas com o dano ambiental diz respeito ao cálculo da indenização do dano ambiental; uma questão que se cinge com a impossibilidade a priori de mensurar a extensão de um dano ambiental e por outro lado, remonta indenizar um bem que por essência é imensurável, possuindo, portanto, valoração intangível e imponderável.

No que toca a impossibilidade de mensurar a extensão do dano, é possível, a partir do conceito de meio ambiente lato sensu trazer a lume a questão do desastre de Mariana – rejeitos de mineração. No caso, o desastre alcançou tanto o ambiente natural (ecossistemas da fauna e da flora terrestre e aquática), o ambiente artificial (habitação), incluindo os reflexos na cadeia produtiva da população, a afetação da população por distúrbios psicológicos, o enlutamento de famílias, e o reflexo da paralisação da economia local, com impacto direito no recolhimento de impostos públicos necessários à manutenção dos serviços básicos oferecidos ao cidadão pelo Poder Público; no ambiente cultural, com o desaparecimento de sítios arqueológicos e de paisagens naturais e no meio ambiente do trabalho, com graves prejuízos de ordem material e de ordem organizacional.

Na hipótese, como mensurar os danos ao ecossistema? Qual deve ser o parâmetro para indenizar a sociedade? Quanto vale as espécies extintas a partir do desastre? Quanto vale a paz e tranquilidade das famílias enlutadas? Quando de tributo o Poder Público deixou de arrecadar? Quanto de recurso financeiro o Poder Público foi obrigado a gastar em razão do dano ambiental? Quanto vale uma paisagem natural destruída? Como indenizar danos ambientais que ainda não se revelaram à sociedade (danos futuros ou de efeito retardado)?

A questão repousa no simples fato de que o meio ambiente é imensurável, intangível imponderável, não havendo qualquer tipo de parâmetro que seja capaz de albergar justiça reparadora para um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade vida.

Conclusão.

A primeira conclusão possível diz respeito ao fato de que é sempre melhor evitar o dano ambiental; a segunda conclusão possível diz respeito ao fato de que nas hipóteses de ocorrência de dano ambiental, qualquer que seja o valor da indenização, não haverá condições técnicas de dizer que houve justiça ou equidade reparadora e a terceira conclusão possível diz respeito ao fato de que nas hipóteses de ocorrência de dano ambiental, as ações reparadoras devem ser focadas na restauração dos ambientes, no cuidado com os Seres existentes e na constituição de um fundo econômico financeiro que seja capaz de suportar os gastos com as reparações dos danos futuros, imensuráveis no momento histórico da indenização e imprevisíveis quanto aos efeitos retardados.

 

 

 

Notas e Referências

[1] MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 10 ed. ver., atul. e ampl – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015

 

Imagem Ilustrativa do Post: Paraty Natureza // Foto de: Semilla Luz // Sem alterações

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