Por Flavio Cardoso Pereira - 12/02/2015
Analisando de forma coerente e com aguçada lógica a redação do art. 15 da Lei n° 12.850/2013, extrai-se uma conclusão inicial e por demais óbvia: não exige o citado dispositivo normativo, autorização judicial para que dois órgãos de persecução, ou seja, Polícia e Ministério Público, possam ter acesso a alguns dos dados cadastrais do investigado. A restrição se deve ao fato da permissibilidade de acesso tão somente e "apenas", a qualificação pessoal, a filiação e ao endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito.
Porém, o cerne da questão que deverá provocar detida reflexão por parte dos interpretes da lei, consiste em se perquirir qual teria sido a ratio motivadora desse dispositivo legal.
Nos parece ter sido intenção do legislador, evitar eventuais abusos e violações a direitos e garantias fundamentais daquelas pessoas investigadas, por parte dos órgãos de persecução criminal, se acaso fosse permitido a tais instituições, um acesso amplo e irrestrito, portanto sem limites, a todos os seus dados pessoais, bem como às suas contas bancárias (extratos bancários) e aos diálogos travados por estas através do uso de interceptação telefônica ilegal[1].
Estar-se-ia nesse caso, exterminando o direito ao sigilo de dados da pessoa, bem como vulnerando-se de forma arbitrária a intimidade e a privacidade do cidadão, sem qualquer controle judicial.
Nesse prisma, ao impor-se limites ao acesso desses órgãos aos dados cadastrais dos investigados, sem que se exija, excepcionalmente, autorização judicial, mais uma vez se buscou referendar a primazia do princípio da proporcionalidade, o qual é corolário lógico de um processo penal marcado pelo viés garantista.
E mais. Que fique claro. Entende-se por dados cadastrais, aquele conjunto de informações relativas a uma determinada pessoa, identificando-a normalmente através de seu número de registro geral (carteira de identidade), CPF (Cadastro de Pessoas Físicas), CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social), logradouro de residência, número de telefones, email de contato, etc.
O acesso a estes dados cadastrais, conforme previsto no dispositivo, em princípio não configuraria nenhuma quebra de seu sigilo fiscal ou bancário, desde que requisitados de acordo com a lei e não utilizado de forma indevida de modo a provocar prejuízos a nenhuma pessoa.
Porém, devemos nos atentar a situações peculiares que poderão ser consideradas similares, mas que porém, apresentam consequências e repercussões no direito, diametralmente opostas.
Alguns exemplos poderão explicitar concretamente a necessidade de distinção de cada situação concreta: Pode o delegado de polícia determinar que o banco informe o nome completo de um correntista, mas seria abusiva a pretensão no sentido de que extratos bancários da conta-corrente do investigado lhe fossem enviados. Ou ainda, pode o Ministério Público requisitar à determinada empresa telefônica que indique o endereço do titular de certa linha, mas consistiria em ilegalidade ir além para que conversas mantidas via telefone fossem interceptadas[2].
Fica claro através desses exemplos, a diversidade de situações que poderão acontecer na prática cotidiana, registrando-se a imprescindibilidade de ater-se ao mandamento normativo, no sentido de não se confundir meros "dados cadastrais" (os quais podem ser requisitados pela Polícia e pelo Ministério Público) com o sigilo de algumas informações pertencentes à pessoa e que estão acobertadas pelo segredo (portanto, dependente de autorização judicial para o seu acesso).
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Flavio Cardoso Pereira é graduado em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Possui Pós-doutorado pela Universidade de Coimbra-Portugal. É Doutor em Direito pela Universidade de Salamanca/Espanha. É Promotor de Justiça no Estado de Goiás desde 1994.
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Referências:
[1] CARDOSO PEREIRA, Flávio. Criminalidade organizada. Comentários à Lei 12.850 de 02 de agosto de 2013. Curitiba: Editora Juruá, 2014, p. 231.
[2]CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Crime Organizado. Salvador: Editora Juspodivm, 2013, p. 121.
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Imagem ilustrativa do post: Secret Agent
Foto de: Erich Ferdinand
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Sem alterações
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