Preliminarmente é de se observar que o Brasil possui a terceira maior população carcerária mundial, estando apenas atrás dos Estados Unidos e China, tendo ultrapassado a Rússia recentemente.
O nosso país possui uma população carcerária de nada mais nada menos do que 715, 6 mil presos, segundo dados colhidos em Estudo realizado pelo Conselho Nacional de Justiça[1], destes a maioria é integrada por pobres e negros, o que fundamenta a alta seletividade do cárcere, em que os poderosos só passam a ser presos pelos delitos ou injustos praticados no Brasil, após Operações como Mensalão e Lava Jato, eis que o Direito Penal até então era extremamente político, só segregando ao cárcere apenas aqueles que não tinham condições para arcar com suas Defesas, ficando ao alvitre de Defensores Públicos extremamente atarefados e que não possuem tempo necessário para fazer uma Defesa pormenorizada de cada um dos seus assistidos, como o pode um Advogado.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro no ano de 2017 veiculou informação sobre políticas públicas aptas a redução da população carcerária. In verbis:
Os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Antonio Saldanha Palheiro e Sebastião Alves dos Reis Júnior estiveram no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) na busca de soluções capazes de reduzir o elevado congestionamento da justiça criminal nos tribunais estaduais, principalmente na Vara de Execuções Penais. Eles participaram de um encontro que foi aberto pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), desembargador Milton Fernandes de Souza, e pelo corregedor- geral da Justiça, desembargador Cláudio de Mello Tavares, nesta segunda-feira, 13, com desembargadores e juízes criminais que atuam na capital, Baixada Fluminense, Niterói e São Gonçalo. Os ministros apresentaram propostas visando à conciliação de ideias e à intensificação do diálogo entre o STJ e os tribunais estaduais.
“Escolhemos o Rio de Janeiro para protagonizar esse trabalho de discussão sobre o congestionamento da justiça criminal, sendo reconhecida a sua alta produtividade e qualidade” – disse o ministro Antonio Saldanha.
O TJRJ iniciou na atual administração um estudo para a redução da população carcerária, sob a responsabilidade do Comitê de Enfrentamento da Superpopulação Carcerária, presidido pelo desembargador Marcus Basílio, e dois subcomitês liderados pelos Desembargadores Joaquim Domingos de Almeida Neto e Antonio Jayme Boente. Segundo Marcus Basílio, existem hoje, no Rio, aproximadamente, 52 mil presos, sendo 21 mil provisórios, e um déficit de 18 mil vagas nos presídios. A construção de novas unidades prisionais para atender esta demanda importaria num custo de R$ 700 a R$ 800 milhões, o que se mostra inviável, devendo todos os atores do processo criminal adotarem medidas na busca da redução da população carcerária.
Diante do problema para sanar o sistema carcerário, a administração do TJRJ procurou os ministros do STJ para a busca de uma solução nacional. Além do Rio, os ministros do STJ vão apresentar sugestões e ouvir os juízes de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e os das regiões Norte e Nordeste, que enfrentam também o congestionamento dos processos criminais e nos presídios.
Antonio Palheiro disse que o STJ, como órgão nacional, precisa estar atento à influência da diversidade regional na interpretação dos casos levados aos tribunais, tendo destacado que o tráfico de entorpecente é responsável por 65% dos processos apreciados hoje naquele Tribunal. Segundo o ministro, um dos fatores que levam a esta demanda na corte superior é a ausência de critérios distinguindo quem é traficante, usuário ou somente atua como “avião” neste comércio ilícito.
Por isso, um dos pontos reiterados pelos ministros aos juízes é a necessidade de fundamentação, com detalhes, nas decisões, descrevendo o crime e a participação do autor, o que também se mostra necessário nos casos de prisão preventiva, não aplicação de medidas cautelares diversas em substituição à prisão, bem como no processo de individualização da pena e escolha do regime. Segundo eles, a fundamentação bem elaborada pelo magistrado, que tem contato direto com as testemunhas e o criminoso, permite maior facilidade na tomada de posição no processo apreciado pelos ministros dos tribunais superiores, também sendo por eles reiterada a necessidade de respeito, dentro do possível, às posições jurídicas já consolidadas nos Tribunais Superiores.
Os ministros Antonio Palheiro e Sebastião Reis Júnior esperam que, a partir deste encontro, aconteçam reuniões entre os juízes criminais em fóruns e seminários organizados pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj) e pela Escola Nacional da Magistratura na busca da ampla discussão de assuntos relevantes no âmbito da justiça criminal, estando o STJ aberto a discussões técnicas que possam refletir em eventual mudança de orientação jurisprudencial.
Estiveram presentes ao encontro desembargadores e juízes da área criminal[2].
Com base em tais dados colhidos pode-se concluir de que no Brasil prende-se para processar e não se processa para prender, permitindo que no Processo Penal por certo ocorram violações a direitos e garantias fundamentais do apenado.
Neste diapasão é de se compreender que em relação à alta população carcerária estamos diante de uma latente inconstitucionalidade, o que pode fundamentar o Estado das Coisas Inconstitucional.
No mesmo sentido se manifestou o Mestre Daniel Sarmento[3].
Em relação a esse é forçoso reconhecer que se caracteriza naqueles Estados em que é constante a violação de normas constitucionais, merecendo especial destaque que o primeiro Tribunal que se referiu ao Estado das Coisas Inconstitucional foi a Corte Constitucional Colombiana.
A Corte Colombiana se vale desta categoria (Estado de Coisas Inconstitucional) quando reconhece a presença de uma violação maciça de direitos fundamentais de um número significativo de pessoas, cujo equacionamento dependa de um conjunto complexo e coordenado de medidas a ser adotadas por diversas entidades. Nestas hipóteses, a Corte pode inclusive reter a sua jurisdição para monitorar, em procedimento público, o cumprimento das medidas que estabelecer.
Corroborando de tal entendimento tem se pronunciado a doutrina majoritariamente[4].
Dessa forma, pode-se arguir que por conta das condições desumanas e degradantes dos presos nos cárceres brasileiros tem-se a configuração do Estado das Coisas Inconstitucional.
Por conta de tais exposições, mister se faz pensar e enumerar alternativas a Superlotação Carcerária, eis que como se sabe o sistema carcerário é falho na sua função primordial, que é recuperar e reinserir o indivíduo no convívio social.
É importante asseverar que visando reduzir as violências e degradações do preso no Brasil são necessárias algumas medidas, dentre as quais, merecem destaque: a necessidade de uma atuação complexa e coordenada, com medidas de política estatal, política criminal e política penitenciária.
Em relação à Política Criminal deve haver combate à corrupção, só levando ao cárcere aquelas condutas tidas por mais graves aos Bens Jurídicos, somente admitindo a pena de prisão aos casos tidos por mais graves, por aplicação do princípio da Intervenção Mínima ou Ultima Ratio.
Aqui, deve haver a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e/ou multa, bem como, o Acusado deve ressarcir o dano causado.
Já em relação ao âmbito de política penitenciária é necessária uma maior fiscalização dos órgãos competentes, tais como, o Ministério Público e o Judiciário nas prisões e preparação dos funcionários.
Nesse cenário o trabalho nos presídios torna-se fundamental no papel de reinserção social dos indivíduos.
Quanto à política estatal o Estado deve cumprir o previsto em suas leis, constituições, Convenções e Declarações.
Assim sendo, deve o Estado assegurar os direitos básicos do cidadão.
Outras medidas hábeis a reduzir a população carcerária são: utilizar das prisões domiciliares e monitoramento eletrônico, assim como, utilizar-se da Justiça Restaurativa (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais).
Pode-se concluir que da forma que os presídios se encontram no Brasil, vive-se em uma Democracia apenas Formal, eis que os Direitos Humanos são constantemente violados, o que facilmente evidencia a caracterização do Estado das Coisas Inconstitucional no sistema carcerário brasileiro.
Em que pesem posições doutrinárias pela privatização dos presídios[5] é de se entender que privatizar nossos presídios em nada contribuirá para a redução da população carcerária, ao contrário, irá contribuir para o fomento e crescimento da corrupção e da fraude licitatória.
Notas e Referências:
[1] Novo Diagnóstico de Pessoas Presas no Brasil. Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas – DMF. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/censo-carcerario.pdf
[2] Ministros do STJ querem o Rio na vanguarda das soluções para a superlotação nos presídios. Notícia publicada pela Assessoria de Imprensa em 13/03/2017 15:24. Disponível em: http://www.tjrj.jus.br/web/guest/home/-/noticias/visualizar/43801
[3] ADPF 347. Daniel Sarmento. Disponível em: https://jota.info/wp-content/uploads/2015/05/ADPF-347.pdf.
[4] Veja-se, a propósito, César Rodríguez Garavito. “Más Allá del desplazamiento, o cómo superar un estado de cosas inconstitucional”. In: Más allá del desplazamiento – Políticas, derechos y superación del desplazamiento forzado en Colombia. Bogotá: Ediciones Uniandes, 2009;
Manuel José Cepeda-Espinosa “Activism in a Violent Context: The Origin, Roleand Impact of the Colombian Constitutional Court”. Washington University Global Studies Law Review, vo. 3, 2004;
Clara Inés Vargas Hernandez.“La Garantia de la Dimensión Objetiva de los Derechos Fundamentales y Labor del Juez Constitucional Colombiano em sede de acción de tutela: el llamado estado de cosas inconstitucional”. Revista de Estudios Constitucionales, nº 1, 2003;
Carlos Alexandre de Azevedo Campos. Da Inconstitucionalidade por Omissão ao “Estado de Coisas Inconstitucional”. Tese de doutorado aprovada na Faculdade de Direito da UERJ sob a orientação do Prof. Daniel Sarmento, 2015.
[5] GRECO, Rogério. Sistema Prisional. Colapso Atual e soluções alternativas. Impetus: 2ª edição: Niterói, 2015. P. 232 e SS.
. João Pedro Coutinho é graduado em Direito pelo Instituto Brasileiro de Mercados Capitais (Ibmec/RJ), Advogado especializado nas áreas de Direito Penal, Direito Penal Econômico e Direito Processual Penal. Sócio no Escritório Antonio Quintino Assessoria Jurídica. Membro da Comissão Permanente de Estudos de Direito Penal (CEDP). .
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