DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA VIOLAÇÃO DOS DEVERES CONJUGAIS

11/04/2021

A temática envolvendo a responsabilidade civil pela violação dos deveres conjugais, tem sido considerada um tema de grande relevância no contexto jurídico.  O Código Civil impõe deveres aos cônjuges e companheiros, no Direito de Família, não há previsão de nenhuma sanção em razão de sua violação, razão pela qual em caso de descumprimento dos referidos deveres, a pretensão indenizatória deverá atender às regras gerais da responsabilidade civil. Conforme a teoria geral da responsabilidade civil subjetiva, aquele que cometer ato ilícito e causar dano a outrem, é obrigado a repará-lo. A mesma teoria determina os pressupostos da obrigação indenizatória, qual seja conduta, o dano e o nexo causal.

Em se tratando da necessidade de aplicação das regras da responsabilidade civil no ramo mais pessoal do Direito, o Direito de família, se faz necessária a compreensão de suas particularidades, seus princípios essenciais, bem como conceitos e interpretações de cada um dos deveres conjugais e convivenciais.

O entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca da possibilidade da pretensão indenizatória quando da violação dos referidos deveres considera que a  violação dos deveres, por si só, não gera obrigação indenizatória. Assim, apenas quando os exigentes requisitos da responsabilidade civil forem devidamente comprovados há que se aplicar as regras do art. 186 c/c 927 do Código Civil (CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 2002; OTERO, 2016).

 

RESPONSABILIDADE CIVIL PELA VIOLAÇÃO DOS DEVERES CONJUGAIS COM BASE NAS PREMISSAS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

As relações privadas foram substancialmente alteradas pela Constituição Federal de 1988. Nesse contexto, Otero (2016), destaca que essas mudanças foram marcadas pela positivação de princípios no texto constitucional de 1988, tais como: o principio da dignidade, da solidariedade, da afetividade, da igualdade e da liberdade, valorizou a pessoa humana, pautado exclusivamente em uma perspectiva existencialista (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988; OTERO, 2016).

Corroborando com essa mesma linha de raciocínio, Fachin (2006) destaca a perspectiva existencialista, onde o merecedor da tutela jurídica é o sujeito, considerado objetivamente em todas as suas particularidades, e não mais os institutos em si. Entretanto, conforme o artigo 927 da CF de 1988 (Constituição Federal de 1988), “as nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.” Nessa mesma perspectiva os artigos 186 e 187 da CF de 1988, ressalta que “aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (FACHIN, 2006; CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988; OTERO, 2016).

Portanto, com base nos parâmetros estabelecidos na CF de 1988, haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. A aplicação do instituto da responsabilidade civil no Direito de Família é alvo de inúmeras discussões no judiciário brasileiro. Por um lado, a intocabilidade do ramo mais íntimo do direito em razão de suas peculiaridades e, por outro, a necessidade de intervenção jurídica nas relações familiares para punir agressores em casos de grave violação de direitos e deveres, especialmente os do casamento e da união estável (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988; OTERO, 2016).

 

 A RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO

Conforme destacado por Otero (2006), a responsabilidade civil no direito brasileiro assenta em três pressupostos: o dano, a culpa daquele que causou o dano e a relação de causalidade entre a ação culposa e o dano. A responsabilidade civil é o dever jurídico de reparar o dano causado, e os requisitos de sua admissibilidade estão elencados no art. 186 do Código Civil: a conduta humana, o dano e o nexo de causalidade entre os dois. Não há, nenhum regramento específico para responsabilizar aquele que violar os deveres recíprocos entre os cônjuges e companheiros. Assim, também não há impedimento legal para a utilização das regras gerais da responsabilidade civil no Direito de Família. Contudo, há divergência doutrinária sobre essa possibilidade. Um lado da doutrina afirma serem os deveres conjugais e convivenciais apenas recomendações éticas, enquanto a outra parte da doutrina entende que, havendo disposição legal, inclusive de acordo com a CF de 1988, os referidos deveres devem ser cumpridos e possuem efeitos jurídicos, inclusive para fins de responsabilidade civil (CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 2002; OTERO, 2016).

Tartuce (2012) destaca que quando as pessoas se casam, naturalmente estão pautadas na relação afetiva e/ou emocional, ou seja, não buscam esse intuito patrimonial, mas sim afetivo, para uma comunhão de vida. Desta forma, o Judiciário tem decretado a anulação de casamento celebrado com propósitos exclusivamente patrimoniais e desprovido de sentimentos afetivos. Notoriamente, que não se pode obrigar qualquer pessoa a iniciar um relacionamento amoroso ou manter-se a ele vinculada contra a sua vontade (TARTUCE, 2012; OTERO, 2016).

Lobo (2016) menciona que o princípio da liberdade diz respeito não apenas à criação, manutenção ou extinção dos arranjos familiares, mas à sua permanente constituição e reinvenção. Tendo a família se desligado de suas funções tradicionais, não faz sentido que ao Estado interesse regular deveres que restrinjam profundamente a liberdade, a intimidade e a vida privada das pessoas quando não repercutem no interesse geral (OTERO, 2016). Por fim, embora o Direito Civil brasileiro consagre, em regra, a responsabilidade civil que pressupõe a culpa do causador do dano, denominada responsabilidade civil subjetiva, há possibilidade de admitir a responsabilidade sem culpa, em algumas situações específicas: a responsabilidade civil objetiva (LOBO, 2016).

 

RESPONSABILIDADE CIVIL PELA RUPTURA IMOTIVADA DACONJUGALIDADE

Na regra, à ruptura, ainda que imotivada, não gera a responsabilidade civil. Entretanto, é possível que, em determinadas hipóteses, exista a obrigação de indenizar pelos eventuais danos materiais ou morais advindos deste fim de relação. Para que exista a responsabilidade é imprescindível a ocorrência de um ato ilícito. O Código Civil de 2002 não regula os esponsais e nem delimita sua existência ou obrigações decorrentes. Desta maneira, a única forma de estar caracterizada a responsabilidade é na existência de ilicitude em uma das figuras previstas nos artigos. 186 (ato ilícito) ou 187 (ato ilícito na forma de abuso de direito) do CC, donde inexoravelmente decorrerá o dever de indenizar se presentes todos os elementos, a saber, conduta, dano e nexo causal. O que se tem, portanto, é que na existência de ilicitude no momento da ruptura do relacionamento e em decorrência do postulado da boa fé que tenha sido violado por um dos noivos, ainda que o término seja expressão do direito de liberdade, remanescerá a responsabilidade pelos danos apurados, sejam eles de ordem moral ou material. Logo, na ruptura em si, sem que dela não se sobressaia qualquer ato ilícito causador de um dano, não haverá que se falar em obrigação de indenizar (CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 2002; OTERO, 2016).

O direito ao rompimento das relações amorosas, em quaisquer de suas formas, também pode ser compreendida como ato de execução da personalidade, amparado pela liberdade e pela autodeterminação, constituindo, pois, um direito potestativo do seu titular, que não pode ser negado ou restringido e, mesmo que o ato de rompimento provoque dor, sofrimento, mágoa ou sensação de abandono, dele não emergirá qualquer dever de indenizar, salvo quando exercido de forma manifestamente abusiva, caso em que o dever de indenizar não emergirá do ato de rompimento em si, mas da forma desproporcional e desarrazoado como foi exercido este direito, aplicando-se, nesta hipótese excepcional, a cláusula geral da responsabilidade civil prevista no artigo 187 do Código Civil (CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 2002; OTERO, 2016).

 

ANÁLISE DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR VIOLAÇÃO DOS DEVERES CONJUGAIS

O tema responsabilidade civil por violação dos deveres conjugais é um assunto bastante polêmico e complexo entre os juristas.  A violação dos deveres conjugais, através da supressão da culpa, da separação judicial causal, constatação, remédio e do divórcio direto, além da separação extrajudicial, no Direito brasileiro estabeleceu-se uma completa dissociação entre o casamento e o agravo moral como causa de divórcio ou de separação (OTERO, 2016).

Com a promulgação da Emenda Constitucional 66/2010, o divórcio deve ser requerido sem nenhuma necessidade e sem a menor possibilidade de ser alegada qualquer culpa ou causa determinante do divórcio dos cônjuges, ou seja, não há exigência de apresentação de motivos ou provas. Desta forma, não se deve associar ou vincular a dissolução objetiva do casamento a qualquer descumprimento dos deveres conjugais, que resultam em apenas deveres morais dos consortes. Para a dissolução do casamento ou da união será suficiente a vontade qualificada de apartar-se do projeto afetivo, da união afetiva, afigurando-se impertinentes quaisquer declarações de causas. Enquanto para a indenização ou reparação por danos morais, será indispensável a demonstração do agravo à personalidade, quando os exigentes requisitos da responsabilidade civil forem devidamente comprovados há que se aplicar as regras do art. 186 c/c 927 do Código Civil (CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 2002; MADALENO, 2003; OTERO, 2016).

 

REPARAÇÃO CIVIL NAS RELAÇÕES PATERNO-FILIAIS EM RAZÃO DA DISSOLUÇÃO DA FAMÍLIA

A dissolução familiar não pode prover direito de reparação civil aos filhos.  Contudo, esta questão demanda uma análise sob três  enfoques: a) o dever de indenizar pelo simples rompimento do casamento ou união estável; b) o dever de indenizar pelo descumprimento de funções parentais; c) dever de indenizar pela conduta mantida pelo casal durante o casamento ou a união estável. Nesse prisma, Otero (2016) destaca que o rompimento imotivado do casamento ou da união estável, é visto com taxativo, quanto a ausência de dever de indenizar por eventuais danos experimentados pelos filhos, pois ninguém é obrigado a permanecer vinculado a um projeto conjugal contra a sua própria vontade, nem mesmo a pretexto de que o rompimento da relação implicará em graves consequências aos filhos. É inegável que condutas semelhantes levadas a efeito pelo genitor contra o outro ou contra os filhos durante o casamento ou união estável é potencialmente lesiva à personalidade dos filhos que, resultando em danos, fará emergir o dever de reparação, com fundamento na cláusula geral de indenizar do artigo 5º, X, da CF e artigos 186 e 187 do Código Civil brasileiro, mesmo porque há um direito da criança a um ambiente familiar saudável e um dever dos genitores em respeitá-lo e protege-lo (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988; OTERO, 2016).

 

CONCLUSÃO

De fato, analisando a legislação vigente, e, com base nos autores pesquisados neste artigo, constatou-se que a responsabilidade civil pela violação dos deveres conjugais é vista como um tema bastante polêmico, pois nota-se que a responsabilidade civil pela dissolução familiar deve ser enfrentada sob três enfoques distintos. O primeiro deles deve analisar o problema da responsabilidade civil na ruptura do projeto existencial a partir do exercício de uma liberdade individual. O segundo deles deve analisar o problema da responsabilidade civil a partir da conduta adotada pelo cônjuge ou pelo cônjuge ou companheiro durante a vida a dois. O terceiro deles deve analisar a questão sob o prisma dos filhos. De certa forma, todos esses enfoques se entrelaçam ao concluirmos que a responsabilidade civil pela dissolução da vida familiar segue as mesmas linhas mestras da responsabilidade civil em geral. A problemática envolvendo a tanto as relações conjugais, quanto as relações parentais exteriorizam atos de autonomia existencial, executando a personalidade de seu titular. Todavia, nas relações conjugais partem de um plano de igualdade absoluta entre os cônjuges e companheiros, a lhes conferir plena liberdade e poder de autodeterminação para iniciarem e romperem o projeto conjugal imotivadamente, sem que deste rompimento, por si só, resulte qualquer dever de indenizar. O rompimento da relação amorosa constitui direito postestativo, a ser exercido unilateralmente, bastando a manifestação de uma vontade qualificada neste sentido, sendo que a indenização pelo fim da conjugalidade é excepcional e somente será admitida com fundamento no direito comum, a partir da cláusula geral de tutela da personalidade, quando presentes ofensa indevida a dignidade e dano injusto do outro parceiro, e não objetivamente, a partir do exercício do ato de descasar ou do mero descumprimento de deveres do casamento. Por fim, evidenciou-se que a responsabilidade civil pela violação dos deveres conjugais deve ser analisada sob três prismas centrais, tais como: o dever de indenizar pelo simples rompimento do casamento ou união estável; o dever de indenizar pelo descumprimento de funções parentais; e, o dever de indenizar pela conduta mantida pelo casal durante o casamento ou a união estável e partir dessa análise, proferir uma decisão.

         

Notas e Referências

Código Civil. Código Civil, publicado no Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002.

Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo, 2 ed., atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

LÔBO, Paulo. Nova principiologia do Direito de Família e suas repercussões. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito de Família e das Sucessões: temas atuais.Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009, p. 1- 19. .

LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias.2.ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

Otero, T. M; Responsabilidade Civil pelo Fim da Conjugalidade.  Rede Virtual de Bibliotecas nº. 15, p. 133–155, maio/jun., 2016.

TARTUCE, Flavio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil: direito das sucessões.7ª ed., rev. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2012.

 

 

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