Da não incidência de IOF em contratos de conta corrente entre holdings e controladas – Por Fernando Porto Martins

15/03/2017

A criação de uma empresa holding tem por objetivo otimizar a administração e efetuar o planejamento tributário e sucessório de pessoas que exercem atividades de risco (p. ex.: atividade empresária), resguardando o patrimônio pessoal dos sócios.

As holdings servem também como o meio através do qual se faz a gestão das demais empresas, procedendo com o pagamento de contas, funcionários, e demais encargos inerentes a atuação das empresas que orbitam a seu redor, comumente denominadas controladas.

Deste modo, é necessário que as holdings dispendam grandes somas de dinheiro em favor das empresas controladas para as referidas finalidades.

Por muito tempo, as holdings justificaram essas remessas de dinheiro através de contratos de mútuo (empréstimo).

Entretanto, a Lei nº 9.779/99, inovou o ordenamento e passou a prever a incidência de Imposto Sobre Operação Financeira – IOF nos contratos de mútuo havidos entre pessoas jurídicas, nos termos de seu artigo 13:

Art. 13.  As operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física sujeitam-se à incidência do IOF segundo as mesmas normas aplicáveis às operações de financiamento e empréstimos praticadas pelas instituições financeiras

Por esta razão as holdings passaram a buscar meios alternativos para que as transferências de dinheiro para as controladas não fossem tributadas.

Convém destacar que o imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a título mobiliários - IOF, está descrito no artigo 153, V da Constituição Federal e contém suas hipóteses de incidência bem delimitadas no artigo 63 do Código Tributário Nacional.

Sendo assim, é certo que a incidência do IOF somente ocorrerá nos casos onde haja, efetivamente, a presença das operações definidas no artigo 63 do CTN: 

Art. 63. O imposto, de competência da União, sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários tem como fato gerador: 

I - quanto às operações de crédito, a sua efetivação pela entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado; 

II - quanto às operações de câmbio, a sua efetivação pela entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por este; 

III - quanto às operações de seguro, a sua efetivação pela emissão da apólice ou do documento equivalente, ou recebimento do prêmio, na forma da lei aplicável; 

IV - quanto às operações relativas a títulos e valores mobiliários, a emissão, transmissão, pagamento ou resgate destes, na forma da lei aplicável. 

Parágrafo único. A incidência definida no inciso I exclui a definida no inciso IV, e reciprocamente, quanto à emissão, ao pagamento ou resgate do título representativo de uma mesma operação de crédito.

Em vista do assunto de que trata o presente artigo, volta-se as atenções a hipótese de incidência prevista no inciso I do artigo 63 do CTN - operações de crédito tributário.

Neste ponto, traz-se a colação a lição de Carvalho de Mendonça citado na obra de Paulo de Barros Carvalho[1]:

A operação mediante a qual alguém efetua uma prestação presente, contra a promessa de uma prestação futura, denomina-se operação de crédito. 

A operação de crédito por excelência é a em que a prestação se faz e a contraprestação se promete em dinheiro. O mútuo de dinheiro é a manifestação verdadeiramente típica do crédito na sociedade moderna.

Portanto, para que se tenha hipótese de incidência de IOF tem de estar efetivamente comprovada a operação de crédito, não havendo a possibilidade de se ter a hipótese de incidência por analogia. Eis que vedado em nosso ordenamento jurídico, precisamente no artigo 108, § 1º do CTN.

Deste modo, para que haja uma operação de crédito, devem estar presentes alguns elementos como: credor, devedor, obrigação, prazo para satisfação.

Por esta razão, as holdings passaram a realizar referidas transações por meio de contratos de conta corrente, já que por meio deste instituto não há que se falar em operações de crédito, pois não existem as figuras de credor, devedor e prazo para satisfação.

É sabido que muitas vezes os intérpretes da norma acabam desfigurando alguns princípios de direito tributário, como ocorreu quando algumas decisões do Conselho Administrativo de Recursos Federais – CARF apontaram para a incidência do IOF em contratos de conta corrente entre holdings e empresas controladas.

Assim o fizeram ao argumento de que a Lei nº 9.779/99, em seu artigo 13, previa referida hipótese, conquanto a palavra correspondente desse azo a interpretações extensivas da hipótese de incidência.

Entretanto, é certo que referida interpretação é equivocada, passando à margem do direito tributário nacional eis que o contrato de conta corrente não se assemelha a uma operação de crédito, uma vez que não dispõe dos elementos inerentes a esta.

Como dito, em um contrato de conta corrente entre holdings e controladas não se tem a figura do credor nem tão pouco do devedor, e nem sequer um prazo para que seja satisfeita a obrigação.

Em verdade, só se poderá apontar um possível crédito financeiro em favor de alguma das partes quando do encerramento de referida conta corrente, não havendo, portanto, a caracterização de operação de crédito durante a sua vigência, servindo esta somente para a organização das atividades das empresas.

Com efeito, não há que se falar em interpretação extensiva de dispositivo legal tributário, eis que vige em matéria tributária o princípio da estrita legalidade (art. 150, I CF), bem como a proibição de exigência de tributo não previsto em lei por analogia (art. 108, § 2º CTN).

Ademais, entender pela incidência tributária em contratos de conta corrente, seria inovar no ordenamento jurídico, instituindo nova hipótese de incidência tributária, fato que é reservado a Lei Complementar, nos termos do artigo 146, III, “a” da Constituição Federal.

Portanto, quer seja pelo não enquadramento do contrato de conta corrente como operação de crédito, quer seja pela taxatividade da legislação tributária, vedação a tributação por analogia ou mesmo pelo princípio da reserva de Lei Complementar contido em nossa Lei Maior, é certo que o contrato de conta corrente entre holdings e controladas não constitui hipótese de incidência de IOF.

Recentemente, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais[2] posicionou-se favorável a tese dos contribuintes, afastando a incidência de IOF em contratos dessa natureza, o fazendo nos seguintes termos:

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CRÉDITO, CÂMBIO E SEGUROS OU RELATIVAS A TÍTULOS OU VALORES MOBILIÁRIOS IOF. RECURSOS DA CONTROLADA EM CONTA DA CONTROLADORA. CONTA CORRENTE. RAZÃO DE SER DA HOLDING. Os recursos financeiros das empresas controladas que circulam nas contas da controladora não constituem de forma automática a caracterização de mútuo, pois dentre as atividades da empresa controladora de grupo econômico está a gestão de recursos, por meio de conta corrente, não podendo o Fisco constituir uma realidade que a lei expressamente não preveja. Recurso Voluntário Provido 

Naquela oportunidade a 1ª Turma do CARF decidiu pela não incidência do IOF nos contratos de conta corrente entre holdings e controladas, justamente pelo fato desta não consistir em operação de crédito, bem como, ser vedado ao Fisco instituir nova hipótese de incidência.

Vale ressaltar que a matéria ainda não foi enfrentada pela Câmara Superior do ente administrativo (CARF), e nem fora decidida sob os regimes de recursos repetitivos (STJ) ou repercussão geral (STF), não restando pacificada no ordenamento jurídico brasileiro.

Por fim, é valido ressaltar que as empresas que optarem por esta modalidade têm de se cercarem dos cuidados já anteriormente mencionados, de modo que, havendo algum tipo de procedimento fiscalizatório, reste bem evidenciado a reciprocidade entre as empresas, a fim de não configurar contrato de mútuo obtido através de via oblíqua.


Notas e Referências:

[1] Precedentes: Acórdão nº 3101001.094, 1ª Câmara / 1ª Turma Ordinária, publicado em 04/07/2013

[2] Precedentes: Acórdão nº 3101001.094, 1ª Câmara / 1ª Turma Ordinária, publicado em 04/07/2013


 

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