DA JORNADA IN ITINERE E O AVANÇO LEGISLATIVO

13/02/2018

Coordenador: Ricardo Souza Calcini

A CLT no artigo 58 trata da duração da jornada regular de trabalho, em seu caput, no parágrafo primeiro destina-se às variações de horário na marcação de ponto e os limites para que tal não afete o computo do tempo de trabalho e, por fim, no parágrafo segundo enfrenta a questão do tempo gasto com o deslocamento (casa-trabalho / trabalho-casa).

O texto reformado trazia, ainda, o parágrafo terceiro que fixava como exceção à possibilidade da norma coletiva estabelecer o tempo médio gasto para tal deslocamento, a forma e até mesmo a natureza da remuneração para às micro e pequenas empresas.

Para o presente estudo o foco recairá sobre a chamada hora itinerante, ou seja, o tempo que o empregado dispende para ir de sua residência ao trabalho e ainda no seu regresso que conforme legislação anterior, respeitadas certas condições, era parte integrante da jornada e agora, o parágrafo segundo do art. 58 da CLT é expresso indicando que durante esse tempo o empregado não está à disposição do empregador, logo, não integra à jornada para os demais fins, ainda que o meio de transporte seja fornecido pelo empregador.[1]

Vale para melhor elucidação do ponto que se pretende enfrentar trazer a redação anterior e atual do parágrafo segundo do art. 58 da CLT para discutir algumas premissas, a saber:

§ 2° O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução. 

§ 2º O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador. 

O ponto central para se estabelecer o que era tempo à disposição do empregador para caracterização da jornada in itinere residia no fornecimento ou não de transporte, pelo empregador, quando o local de trabalho era de difícil acesso ou não servido pelo transporte público, quer dizer, recaia sobre os ombros do negócio uma evidente falácia do Estado no que se refere à garantia de acessibilidade. 

A partir da disposição legal e dos debates instaurados no plano prático o Tribunal Superior do Trabalho interpretando ao longo do tempo essa aplicação editou a Súmula 90, ainda válida, com o seguinte texto: 

Súmula nº 90 do TST

HORAS "IN ITINERE". TEMPO DE SERVIÇO (incorporadas as Súmulas nºs 324 e 325 e as Orientações Jurisprudenciais nºs 50 e 236 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 

I - O tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte público regular, e para o seu retorno é computável na jornada de trabalho. (ex-Súmula nº 90 - RA 80/1978, DJ 10.11.1978) 
II - A incompatibilidade entre os horários de início e término da jornada do empregado e os do transporte público regular é circunstância que também gera o direito às horas "in itinere". (ex-OJ nº 50 da SBDI-1  - inserida em 01.02.1995)

III - A mera insuficiência de transporte público não enseja o pagamento de horas "in itinere". (ex-Súmula nº 324 – Res. 16/1993, DJ 21.12.1993)

IV - Se houver transporte público regular em parte do trajeto percorrido em condução da empresa, as horas "in itinere" remuneradas limitam-se ao trecho não alcançado pelo transporte público. (ex-Súmula nº 325 – Res. 17/1993, DJ 21.12.1993)

V - Considerando que as horas "in itinere" são computáveis na jornada de trabalho, o tempo que extrapola a jornada legal é considerado como extraordinário e sobre ele deve incidir o adicional respectivo. (ex-OJ nº 236 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001).  

Diversas são as situações práticas que se avolumaram ao longo do tempo e que diziam respeito à questão ora em estudo que em sua maioria desaguaram em ações perante o Judiciário Trabalhista que produziu uma série de decisões, em que pese o texto sumular, que chegaram, inclusive, no próprio Supremo Tribunal Federal que sob relatoria do falecido Ministro Teori Zavascki (RE 895.759) decidiu que:

“Assim, deve-se reputar válido o acordo coletivo firmado entre as partes, por meio do qual transacionou-se direito ao cômputo das horas in itinere na jornada diária de trabalho por outros benefícios, cuja razoabilidade foi assentada tanto pelo Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (fls. 123, doc. 3) quanto pelo TST (fl. 6, doc. 29). Não há como concluir, de outro lado, que essa transação importe violação a norma de proteção ao trabalho, até porque o acordo coletivo não implica aumento no tempo à disposição da empresa no local de trabalho. Deve-se levar em conta, além do mais, que o trabalhador não desempenha qualquer serviço durante as horas in itinere, encontrando-se em trajeto ao local de prestação do serviço”

Esse julgamento é bastante importante sob alguns aspectos valendo lembrar que aconteceu antes da entrada em vigor da Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista) e, por conseguinte, já jogava luz em alguns institutos centrais do direito do trabalho enfraquecidos ao longo do tempo, notadamente, por conta de certas decisões que se arvoraram além do necessário sob alegação de prejuízo negocial no plano coletivo o que confronta, inclusive, o próprio destaque dado pela Constituição Federal à negociação coletiva[2].

Ademais o STF em outra decisão bastante destacada em matéria trabalhista que é citada como guia, inclusive, para o aresto acima, essa de relatoria do Ministro Roberto Barroso (RE 590.415), deu a devida ênfase à prevalência da autonomia coletiva da vontade no que se refere à necessidade de observância do que se ajustou na negociação coletiva sem a interferência estatal como comumente acontece no plano individual.

“Diferentemente do que ocorre com o direito individual do trabalho, o direito coletivo do trabalho, que emerge com nova força após a Constituição de 1988, tem nas relações grupais a sua categoria básica. O empregador, ente coletivo provido de poder econômico, contrapõe-se à categoria dos empregados, ente também coletivo, representado pelo respectivo sindicato e munido de considerável poder de barganha, assegurado, exemplificativamente, pelas prerrogativas de atuação sindical, pelo direito de mobilização, pelo poder social de pressão e de greve. No âmbito do direito coletivo, não se verifica, portanto, a mesma assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Por consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual.

21. Ao contrário, o direito coletivo do trabalho, em virtude de suas particularidades, é regido por princípios próprios13, entre os quais se destaca o princípio da equivalência dos contratantes coletivos, que impõe o tratamento semelhante a ambos os sujeitos coletivos – empregador e categoria de empregados.”

É fundamental essa associação entre a disposição legal que trata da jornada itinerante e o plano da negociação coletiva entendendo por bem, o legislador, elucidar no art. 58 parágrafo segundo da CLT que referido tempo não é considerado à disposição, todavia, nada impede que o Sindicato representativo dos empregados afetados por essa modificação (de fato há setores em que essa realidade não pode ser desprezada) apresente como uma de suas principais pautas de negociação que o ajuste coletivo contemple alguma fórmula de compensação por tais perdas remuneratórias, nos termos do artigo 611-A da Consolidação.

Aliás o parágrafo terceiro do artigo 58 revogado pela Lei 13.467/2017 em certa medida já indicava esse caminho (para as micro e pequenas empresas) permitindo a fixação pela média e a própria forma e natureza da verba indicando a necessidade de percepção quanto ao ajuste fino necessário para cada caso que em uma realidade continental como a nossa só é possível através da fonte auto tutelar do direito do trabalho que é a negociação coletiva.[3]   

Importante, ainda, destacar que atinente à aplicação da nova disposição no tempo o Tribunal Superior do Trabalho através de edital designou para o dia 06/02/2018 sessão especial que discutirá propostas de alteração da jurisprudência daquela Corte, sendo certo que com relação à Súmula 90 anteriormente aqui já citada a sugestão da Comissão de Jurisprudência e de Precedentes Normativos é de inclusão do seguinte item:

VI - Não tem direito a horas "in itinere" o empregado cujo contrato de trabalho haja sido celebrado a partir de 11 de novembro de 2017, data de vigência da Lei nº 13.467/2017, que alterou o § 2° do art. 58 da CLT (art. 1º).           

Por considerar o contrato de trabalho de trato continuado à luz da própria jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho[4] com a mudança da matriz legal o efeito esperado é de aplicação imediata da nova disposição, inclusive para os contratos em curso, já que o pagamento da referida verba deixou de ser obrigatória, logo a empresa que optar pela não continuidade parece respaldada pelo próprio conjunto normativo e caberá ao ente coletivo negociar se tal verba comporá o conjunto de direitos ajustados e seus respectivos contornos.

 

[1] “As horas itinerantes dizem respeito ao tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retomo, em condução fornecida pelo empregador, em se tratando de local de difícil acesso ou não servido por transporte público (conceito fundado na redação do § 2º do art. 58 da CLT, conforme redação promovida pela Lei n. 10.243/2001). Esse tempo itinerante para ida e volta ao trabalho, em que o trabalhador fica à disposição do empregador em condução por este fornecida, era tido como parte componente da jornada de trabalho do obreiro, desde que observadas as demais condições fixadas no anterior art. 58, § 2º, da CLT (local de trabalho de difícil acesso ou não servido por transporte público).” DELGADO, Mauricio Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil. São Paulo: LTr, 2017. p. 121.

[2] “negociação coletiva é o procedimento de tratativas entre um ou mais sindicatos de trabalhadores de um lado, e de outro, um ou mais sindicatos de empregadores ou uma ou mais empresas com o propósito de conciliar o trabalho e o capital a partir das reivindicações de um e outro destinadas a completar as relações de trabalho no âmbito das respectivas representações ou dos contratos de trabalho.” AROUCA, José Carlos. Curso básico de direito sindical. São Paulo: LTr, 2016. p. 203

[3] “a negociação coletiva é um instrumento cada vez mais útil para o desenvolvimento do direito do trabalho.” NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito contemporâneo do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 305.

[4] TST - RECURSO DE REVISTA RR 1709006120095090022 (TST) Data de publicação: 19/05/2017

Ementa: 2. O contrato de trabalho é de trato sucessivo e, pois, traduz relação jurídica continuativa. Daí que, enquanto vigente, as prestações vincendas da mesma natureza, inclusive a título de horas extras, podem e devem ser acolhidas desde logo. 3. Trata-se de solução que se impõe até mesmo em nome da economia e celeridade processuais, visto que a situação jurídica, em tese, seria suscetível de ação revisional (CPC de 1973, art. 471, I). 4. A jurisprudência da SbDI-1 do TST reconhece o direito a parcelas vincendas homogêneas, inclusive na hipótese de ausência de postulação explícita nesse sentido. 5. Recurso de revista interposto pelo Sétimo Reclamado de que não se conhece.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Relógio // Foto de: rafalife_1000 // Sem alterações

Disponível em: https://flic.kr/p/96hHTs

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura